Calma. Já explico.
Eu sei, por exemplo, que quando eu tenho mais certeza do que falo é justamente quando estou errado. Eu, sabendo disso, já devia ter aprendido a suspeitar dessas ocasiões. Mas não. Tem um Marcurélio perfeitinho e chato dentro da minha cabeça, que fica o tempo todo me criticando. Acho que é o que os psicoisas chamam de superego. Pois esse Marcurélio bonzão aí, que nunca me dá um segundo de sossego, resolve tirar um ronco nessas horas. Aí eu bato no peito, cheio de razão, até  que algo prove o contrário. Algo prova o contrário sempre, e eu ouço um fuén-fuén-fuéeeeeeeeeeein na minha cabeça.
Passei por isso no fim-de-semana. Estava arrumando aqui minha mesa e achei perdida no meio da bagunça uma conta de 360 reais já vencida e intacta (eu bem que estava estranhando aqueles 400 reais dando sopa na minha conta). Entrei no site do Santander para pagar a maldita. Digitei lá os numerinhos de agência e conta e, em vez de aparecer meu nome de usuário na tela, apareceu a palavra “Usuário”. Acima dela, a seguinte mensagem:

Importante

Clique no seu nome. Se não estiver correto não continue e entre em contato

Então o que eu fiz? Continuei, claro. Cliquei no “Usuário” e apareceu uma outra tela com aquele tecladinho que tem no site dos bancos pra gente digitar a senha. Só que o tecladinho não era o mesmo de sempre. O atual é um teclado completo, com letras, números, beregudegos. O que apareceu era uma coisinha chinfrim, só com números, que o banco usava antigamente. Então o que eu fiz? Eu, que trabalhei 13 anos na área de informática, que fui consultor de segurança da informação na PricewaterhouseCoopers, que em cinco anos como jornalista escrevi incontáveis matérias alertando para as armadilhas que nego apronta pra roubar o dinheiro do leitor? O que eu, esse mestre em segurança, fiz?
Digitei a senha, claro.
Entrou outra tela, essa pedindo o número de identificação do meu cartão de senhas. Só aí me veio à mente o único pensamento inteligente do dia: “epa”. Então liguei para o banco pra reclamar.
Uma moça muito simpática me atendeu. Bruna, acho. Sei lá, e também nem importa, acho que esse povo nem usa o nome de verdade. Fica sendo Bruna, então. Expliquei pra Bruna o que estava acontecendo e perguntei se tinham mudado o sistema de internet banking. Ela pediu um minutinho, depois voltou, confirmou uns dados, pediu outro minutinho, fez barulhos de teclado e voltou com o diagnóstico:
— Senhor Marco, o seu computador está com vírus.
E foi aí que entrou o dono da razão. Especialista em segurança, ex-jornalista etc.
— Meu computador não está com vírus nenhum.
— O senhor passou um antivírus?
— Eu sei que não tem vírus nenhum. Eu trabalho com isso.
(“Uuui, santa! Mentindo na cara-dura!” — era o Marcurélio Bonzão acordando.)
— Pela situação que o senhor me descreveu, tudo indica um ataque de vírus. O banco recomenda que o senhor leia a cartilha de segurança que está no site.
— Eu não vou ler cartilha nenhuma! Eu conheço o assunto!
E aí expliquei pra ela que meu computador tem firewall, antivírus e anti-spyware atualizados, que eu não clico em links suspeitos de e-mails que prometem aumentar meu saldo bancário e meu pinto — embora fique muito tentado nos dois casos. Só não disse que meu firewall era aquele do Windows e que meu antivírus/anti-spyware era o Microsoft Security Essentials.
— Senhor Marco, é vírus…
— Não é! Espera aí, que eu vou tentar acessar de outro computador.
Fui até o Mac de Ana Cartola, pelejei um tanto pra lidar com o bicho, entrei no site do banco e digitei meus dados. Na tela seguinte, meu nome apareceu. Cliquei nele e lá veio o tecladão normal.
Fuén-fuén-fuéeeeeeeeeeein
Olhei para o telefone. Do outro lado, a Bruna esperava minha resposta. Então eu fiz o que qualquer homem maduro e honrado faria nessa hora: desliguei o telefone.
Dois segundos depois, o telefone toca. Atendo, é a Bruna.
— Boa tarde. O Sr. Marco Aurélio, por favor.
— Er… Sou eu?
— Sr. Marco, é a Bruna, do atendimento Santander.
— Oi, Bruna! Já estava ligando de novo. A linha caiu.
— Caiu, né?
Nessa hora meu tom de voz já era outro, claro. E o da Bruna também: mais seco, superior.
— Olha, Bruna, eu acessei aqui do Mac da minha esposa e entrou normalmente. Acho que o meu PC pode estar com um problema mesmo.
— Bom. O senhor pode fazer um teste? Tente entrar novamente pelo seu computador e digite um número qualquer no lugar da senha.
Fiz o que ela me mandou (ela já tinha parado de pedir) e, claro, o site foi para a tela seguinte sem reclamar. Coloquei um número qualquer na identificação do cartão de segurança e apareceu uma tela nova, me pedindo todas as senhas do cartão. “Que tipo de imbecil ia cair nessa?”, eu pensei, e o Bonzão respondeu de bate-pronto: “você, caralho”. Digitei um monte de números aleatórios, cliquei no “confirma” e veio uma mensagem de erro. A essa altura, algum banco de dados da Rússia já tinha todos esses números errados — além dos dados e da senha correta, gentilmente fornecidos por mim antes.
— Bom. Nós vamos bloquear o seu acesso ao internet banking. Depois que o senhor passar um antivírus, resolver o problema e ler a cartilha de segurança no site do banco, entre em contato novamente, por favor, para desbloquear o acesso. Tudo bem?
— Tudo bem. Obrigado.
— O acesso está bloqueado a partir de agora. Posso ajudá-lo em mais alguma coisa?
— Não, não. Mas peço desculpas a você, Bruna. Fui arrogante e isso não se faz — a cara ficando quente, uma vontade crescente de me jogar pela janela.
— Não tem problema, senhor Marco. O banco Santander agradece, tenha uma boa tarde.
— Boa tarde.
Desliguei o telefone e, todo murchinho e humilde, tratei de baixar um antivírus decente — o Microsoft Security Essentials, como eu descobri, é tão eficiente quanto amarrar uma fita vermelha no HD pra espantar mau-olhado. Depois de muito brigar com o trojan que insistia em reencarnar, resolvi a parada e desbloqueei meu acesso ao internet banking.
Depois dessa, fica minha sugestão para vocês: se algum dia me virem dizendo coisas do tipo “Eu sei do que estou falando”, me mandem tomar no cu. Será merecido.

Hoje eu tive uma revelação. Saí do trabalho meio cedo, não podia pegar o carro por causa do rodízio e resolvi passar no Pão de Açúcar. Pensei que um passeio no bondinho seria um bom final de expediente, até perceber que estava em São Paulo. Então fui ao supermercado de mesmo nome.
(Esqueçam que eu escrevi isso.)
Estava chegando ao supermercado e vi um véio na porta — “véio” e “velho” são duas coisas muito diferentes, notem. Bom, primeiro eu ouvi o véio. Ele estava gritando alguma coisa lá em veiês. Olhei na porta do supermercado e lá estava o véio, nervoso, gesticulando que só italiano de novela, berrando, três seguranças atrás dele. Ele ameaçava entrar de volta, os seguranças tentavam acalmá-lo. Ele pegou uma garrafa de guaraná e ameaçou jogar em alguém lá dentro. Uma garrafa de plástico, o idiota.
Era um véio com pinta de taxista: camisa branca aberta, calça de tergal, chaveiro no cinto, pulseira de ouro. “Respeita o idoso!”, ele gritava. “Perguntou a minha idade!”, gritava em seguida. “A minha idade! Que que é isso?!”. Parecia aquelas jam sessions em que o cara fica horas improvisando em cima de um tema, aí erra uma nota e finge que é um tema novo, improvisa mais dois meses em cima disso, depois volta pro tema antigo, depois inventa lá um terceiro, volta pro segundo. “Respeita o idoso! Perguntou a minha idade!”, ele repetia. E depois de um tempo: “se eu andasse armado, dava um tiro na cara dele!”. As acusações e ameaças eram dirigidas a um cara que estava no caixa preferencial para velhos, grávidas, aleijados, crioulos com anões no colo e coisa e tal. O cara fazia que ia partir pra cima do véio, a mulher do cara o continha, pedia pelamordedeus. “PERGUNTOU A MINHA IDADE! A MINHA IDADE!!!”
Aquilo estava ficando chato, então fui comprar um sanduíche. No balcão, duas senhoras tomavam café e tentavam descobrir o que se passava com o véio. E foi aí que tive a tal revelação do começo do post, que vocês achavam que eu já tinha esquecido.
O véio continuava falando da idade, que o outro tinha perguntado a idade dele, que tinha encostado nele e perguntado “qual a sua idade?”, nhenhenhém.
— O que será que aconteceu? — perguntou uma das senhoras do balcão; uma pergunta dirigida a ninguém em particular.
— O véio na verdade é uma véia — eu respondi. — É uma mulher. Por isso se ofendeu tanto.
O comentário fazia sentido dentro da minha cabeça, mas assim que saiu ao mundo virou uma coisa esquisita, toda torta. Silêncio das duas. “Perguntou a minha idade! Dou um tiro na cara dele!”, continuava o véio.
— Porque não é de bom tom perguntar a idade de uma senhora — tentei explicar.
As duas me olharam com aquela cara de do-que-que-esse-sujeito-tá-falando. Não conhece essa cara? Você não sabe o quanto é feliz.
As pessoas me olham o tempo todo com essa cara de do-que-que-esse-sujeito-tá-falando. Desde sempre. Acho que é porque eu falo as coisas que eu penso como se as pessoas estivessem dentro da minha cabeça (elas bem que cabem) e soubessem que diabo eu estou pensando o tempo todo. Elas não sabem, então me ignoram e seguem suas vidas. Ou então fazem a pergunta que eu mais ouço na vida: “que que isso tem a ver?”. Tento explicar minha linha de raciocínio, adianta nada. É desesperador.
A revelação me veio quando eu me coloquei por um momento no lugar daquelas duas senhoras. Olhei para mim mesmo assim, de fora, e fiquei chocado. Deve ser por isso, eu pensei, que as pessoas não vão muito com a minha cara quando me conhecem. Tenho vários amigos, bons amigos, mas eles custaram a gostar de mim. “Eu não te suportava quando a gente se conheceu” é outra frase que eu ouço muito. Não é pra menos: eu pareço arrogante, ando de cara fechada e, coisa horrorosa, falo coisas sem propósito. Tem gente que eu conheço há vinte anos e ainda não vai com a minha cara. Não sei se são meus inimigos ou se essa primeira impressão é difícil mesmo de superar.
Enquanto eu pagava o sanduíche (as orelhas queimando), as duas continuavam quietas. Duzentos anos depois, uma delas comentou:
— Gente, então é uma mulher?
— Não, porra!
Mentira, eu não falei “porra”. Mas o “não” foi bem seco mesmo. Tá, as pessoas não gostam de mim. Mas também não se esforçam muito pra eu gostar delas. Que se fodam.

Acordei tarde hoje, perdi o fretado e tive que encarar mais de uma hora e meia de transporte público. Quando isso acontece, boto um CD no discman, aumento o volume e vou ouvindo música. Já no terminal Bandeira, esperando o ônibus dentro do qual gastaria 40 minutos até o Brooklin, estava ouvindo Tim Maia. E vocês sabem como é a música do Tim, não tem como não dançar e cantar junto. Não ligo pra isso: Canto alto e fico balançando a cabeça em público mesmo, já que ninguém me conhece. Só que hoje aconteceu que eu estava protagonizando essa cena ridícula quando adivinhem quem apareceu na minha frente? Maconhado! Digo, meu cunhado! Coitado, não sabia o tipo de genes que estava enfrentando quando se casou com minha irmã…