Em fevereiro deste ano, o Google resolveu inventar moda de novo. A Gringolândia tem lá seu plano nacional de banda larga. O Google resolveu palpitar nesse plano de um jeito bem legal: vai construir e testar uma rede de fibra óptica em algumas cidades que se inscreveram no projeto. O negócio é levar a fibra até a casa do usuário com banda de 1Gbps, e os provedores de serviço que se virem para decidir o que vão vender. Com tanta banda, dá pra colocar internet muito rápida, televisão, telefonia e o que mais o cara imaginar.
Fibra óptica é das coisas mais legais que já inventaram. Não tem nada de mais: é um tubo de vidro esticado até ficar bem fininho. Com vários tubinhos desses juntos e encapados, faz-se um cabo de fibra óptica. Esse cabo transmite dados na forma de pulsos de luz. É um negócio resistente, relativamente barato, eficiente. E serve para levar dados de um lado para outro.
Aqui no Brasil a gente demorou para conhecer as maravilhas da fibra óptica. Até o meio da década de 90, as telecomunicações estavam nas mãos gordurentas do Estado. Eu era estagiário da Telesp em 1993 e entrei numa central telefônica uma vez. Ficava no subsolo e você tinha de usar um protetor de orelha para entrar lá. A central chaveava todas as ligações dos bairros do Ipiranga, Liberdade, Cambuci e outros que não lembro mais. Cada ligação feita nesses bairros chegava à central por fios de cobre e fazia aquele tec-tec-tec de telefone de disco. Coisa da Idade das Trevas do estatismo, do Sistema Telebrás que vocês, jovens, tiveram a sorte de não conhecer.
Veio a privatização, hoje tem fibra óptica por todo canto. Só que as empresas são malandras: vendem pra gente pacotes de internet + TV por assinatura + telefone como se fossem necessariamente três coisas diferentes. Pois não são, ué. Tudo isso é informação. Com largura de banda suficiente, dá pra trafegar esses bits todos na mesma fibra óptica e vender como uma coisa só.
Daí vai que o governo brasileiro anunciou agora o Plano Nacional de Banda Larga. E quem foi que apareceu aí no meio? A Telebrás, que era a guardiã da Idade das Trevas, e que todo mundo achava que já tinha morrido. Eu achava também. Até o final de 2008, quando o povo da redação da revista onde eu trabalhava  descobriu uma alta absurda nas ações da Telebrás. Não conseguimos levantar nada na época. Parece que essas ações já subiram 22.000% desde que o Lula assumiu; quem tinha mil reais em ações da Telebrás na época pode vender tudo por 220 mil hoje e comprar uma casa. E agora ficou claro o porquê: segundo o tal plano, é a Telebrás que vai coordenar o negócio todo.
O governo diz que quer levar banda larga pra todo mundo, quadruplicar o acesso até 2014. Acontece que fibra óptica é que nem partido político: aceita qualquer coisa. Uma rede estatal de telecomunicações espalhada pelo Brasil com preço subsidiado. Sei não, sei não… Nada impede serviços de voz e TV por assinatura de trafegar por essa rede. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, está todo empolgadinho com o projeto. Vi ele falando hoje na televisão; só faltou revirar os olhinhos. E falou um troço interessante hoje: “se a iniciativa privada tiver condição de fazer a última milha e fizer isso bem conectado com o nosso plano, com os incentivos do governo, ótimo. Se não fizer, nós vamos dar um jeito de fazer”. Olha aí o pensamento da Idade das Trevas.
Dia desses o Lula falou a mesma coisa da hidrelétrica de Belo Monte: “se as empreiteiras não fizerem, eu faço”, ou algo assim. A cada dia que passa, sinto mais forte um cheiro de repartição pública no ar, um futum de naftalina. É o Estado botando as manguinhas de fora, e não tem um Google que venha nos salvar.

Eu cheguei ao fundo do poço: estou exilado numa lan house. Ao meu lado, um sujeio espinhento, de cabelo seboso e cara de pedófilo olha atentamente para a tela passando a mão pelo rosto. O anular da mão esquerda tem uma aliança de ouro. O indicador de vez em quando entra numa das narinas do rapaz, dá umas voltinhas, troca de lugar com o mindinho. Ao lado dele, uma bichinha nova, de boné e óculos escuros, sentadinha com as pernas fechads. Deve estar lendo os scraps no Orkut ou, pior, atualizando o Twitter.  Outras bichinhas, não tão novas, distribuem-se pelas outras mesas. Três delas usam boné vermelho.  São tão estilosas que eu — morador do prédio aqui em cima e usando roupas de ficar em casa — me sinto um mendigo. Atrás de mim, um casal hétero consulta roteiros de viagem. Agora há pouco estavam localizando João Pessoa no Google Maps. Agora estão procurando informações de uma agência de viagens. Devem ser gringos, de passagem por São Paulo a caminho de lugares mais interessantes. Inveja.
Toda essa gente tem suas razões para estar numa lan house agora. Só eu não tenho nada a esconder e tenho uma conexão de 2Mbps logo ali, três andares acima da minha cabeça, num computador decente, com minhas músicas para ouvir. Só que eu não posso usar minha conexão. Estou aqui na lan house, cercado de gente estranha e, percebi só agora, com um ventinho gelado nas costas. Desci para registrar uma reclamação no site da Anatel, que foi a única ação que deu resultado no passado. Mas estou muito puto, não quero desabafar com essas pessoas estranhas (com o casal, talvez, mas eles vão ficar falando da merda da viagem deles), então vim aqui desabafar com vocês.
(Eu não queria ser um desses blogueiros que torram o saco dos leitores reclamando do atendimento que recebem das prestadoras de serviço. Mas eu sou cliente da Telefônica, né?)
Minha alegria começou na madrugada de sábado, quando eu usava a internet para uma atividade importantíssima:  jogar Counter Strike com os camaradas. No meio de uma manobra arrojada para atacar os terroristas — que terminou, como nas doze partidas anteriores, com minha morte precoce e patética — a internet entrou em coma. Já eram três da manhã, fui dormir. À tarde, quando acordei, tinha internet novamente. No domingo, ela não resistiu e entregou a alma ao Criador. Mas domingo é dia de ir visitar os pais e os sogros, encher o bucho e ver a eliminação d’A Fazenda. Nem me preocupei.
Só que ontem de manhã eu continuava sem internet. À noite também. Hoje de manhã, idem. Ligo para a Telefônica e fico meia hora ouvindo uma versão constrangedora de I Can’t Help Falling In Love With You enquanto espero a moça do call center terminar de lixar as unhas e contar para as caléga os detalhes do boquete que fez ontem no cobrador de ônibus (“… e agora eu não pago mais passagem no 669A, olha que beleza…. Telefônica, bom dia, em que posso ajudá-lo?”)
Bom, vocês sabem o resto: a moça pergunta se eu já desliguei e liguei de novo, se já tirei e coloquei os cabos de rede e de telefone, se já enfiei um dedo na placa de rede e outro no cu da mãe dela, essas coisas. No fim, diz que eu tenho que esperar de 24 a 72 horas pelo contato de um técnico. Eu digo que não posso esperar merda nenhuma, que preciso da conexão, que eu trabalho com essa porra, que ela trabalha numa empresinha de merda, que eu espero que ela pegue Aids do cobrador e morra. Ela pede para eu esperar um minutinho e eu fico mais meia hora ouvindo o diabo da música enquanto ela me xinga, faz vodu pra mim, liga para o cobrador do 669A para desabafar e dizer que passa na garagem “depois de largá do serviço”. Outra puta me atende, conta a mesma história, eu xingo tudo de novo. Ela diz que eu tenho que esperar e pede para eu anotar o protocolo. Eu mando ela enrolar o protocolo em volta de um cabo de enxada e socar no cu do pai dela. Ela desliga.
A Telefônica é a empresa mais safada que eu já vi. E só metade da culpa é dos espanhóis: a outra metade é da porra do Estado brasileiro, que privatizou monopólios, em vez de abrir para a concorrência. O resultado é que eu fico refém da Telefônica, e tomo bem gostoso no meu cu preto quando a merda da rede deles cai — o que agora acontece com tanta freqüência que já tem nego ligando lá pra reclamar quando a internet funciona.
E eu, que trabalhei uns anos com jornalismo de tecnologia, fico pensando: será possível que não tem UM puto dum jornalista investigando essa história? Procuro aqui e ali e tudo o que vejo são notas dizendo que o sinal da Telefônica caiu, seguidas de notas da empresa dizendo que sente muito e que está trabalhando constantemente para foder-nos com areia e nos ver sorrir. Sério, meu povo: não tem ninguém indo atrás dessa história? Nada, nada? Um dossiê, que seja?

Não posso reclamar de 2008. Tive três empregos, dois endereços, dois estados civis. Foi um ano agitado. Eu e Cartola nos casamos — decidimos de repente, muita gente pensou que ela estivesse grávida. Não estava. Eu ganhava X num emprego que não suportava mais. Pedi demissão, arrumei um emprego para ganhar 1,25X. Esse 0,25X dava para o aluguel, então pedi minha namorada em casamento. “E aí? Vamos casar?” Foi na casa do irmão dela. Ele e a esposa devem ter pensado que eu estava brincando. Não estava. Fomos à casa dos pais dela dar a notícia. Os dois ficaram de boca aberta. “Não estou grávida”, disse minha então namorada. Eles se tranqüilizaram e ficaram muito felizes.
Então veio a parte de procurar apartamento. Ouvíamos falar em gente que ficava um ou dois meses procurando casa. Nós levamos quatro horas. Chegamos aqui sem esperar nada, acabamos nos apaixonando pelo apartamento, pelo prédio, pela rua. Íamos morar na rua das bichas. Tanto melhor: ninguém ia mexer com minha mulher.
Ela quase morreu de ansiedade quando esperava a papelada do aluguel (aluguel é um bom negócio, acreditem). Mas deu tudo certo, e eu me mudei em maio — ela é moça de família, e só viria para cá depois de casada. Na minha primeira noite, dormi em um colchão inflável, emprestado pelo irmão dela. Depois, ele me emprestou uma cama inflável muito chique, que até hoje não devolvi. Aprendi a fazer arroz e macarrão, comecei a lavar roupa e comprar pão. Uma receita de lombo na cerveja, ensinada por uma amiga e nunca usada, virou minha especialidade para ocasiões especiais.
No meio disso tudo, ainda surgiu uma viagem a Orlando — a trabalho, é claro. Dei vexame no aeroporto e vi pela primeira vez os americanos em seu habitat.
Compramos nossa pia lindíssima no Mercado Livre. Compramos por uma merreca uma mesa, quatro cadeiras e um baú de uma peruana que estava voltando para o Peru. Minha mãe nos deu o balcão que usava na floricultura — com uma pequena adaptação, ele virou armário de cozinha com uma prateleira e ganchos para pendurar nossas canequinhas de ágata. A mãe de Daniela nos deu esta mesa que estou usando agora, e vendeu por um preço simbólico o canto alemão. Nossos irmãos e pais nos deram o fogão, a geladeira, o forno de microondas (que será “micro-ondas” a partir de amanhã, vejam que ridículo), o box do banheiro, a máquina de lavar, prateleiras, pratos, copos, talheres, um monte de coisa. Um mês depois da minha mudança, nos casamos.
O casamento não teve nada de mais, e foi muito legal por isso mesmo. Nos casamos num cartório aqui perto, depois a família e os amigos mais próximos vieram almoçar crepes no salão de festas. O salão fica na cobertura do prédio, e a vista vai ficando mais bonita conforme anoitece. Minha marida comprou noivinhos bem adequados para o bolo: o noivo puxa a noiva de dentro da tela do computador. Foi assim que eu a conheci. Bom, mais ou menos.
Não tivemos lua-de-mel: eu estava de volta ao trabalho na terça-feira seguinte. O emprego novo pagava mais, mas era um porre. Eu não conseguia disfarçar meu descontentamento; nunca consigo. Fiz entrevistas em algumas empresas. Em uma delas, disse que aceitaria ganhar menos. O chefe de redação não me contratou porque me achou qualificado demais. Fiquei mais contrariado ainda. O clima da redação, com todo mundo reclamando de tudo o tempo todo, só piorava meu estado. Eu discutia com a chefe em todas as reuniões. Discordava dela em tudo. Menos de um mês depois do casamento, perdi o emprego.
O mês de julho foi o mais difícil. Passei o mês todo fazendo uns bicos. Graças a um colega jornalista de bom coração, consegui um trabalho para ganhar mil reais em três dias. Depois consegui outros dois, cada um pagando 350 reais. Em dez dias, eu tinha 1.700 reais. Achei que daria para viver assim, até descobrir que: a) os prazos para pagamento são muito elásticos e b) não é todo dia que aparecem trabalhos assim.
Então, logo no começo de agosto, recebi duas propostas de emprego. Primeiro, me chamaram para cobrir férias em uma assessoria de imprensa. Um dia antes de começar, me ligaram de uma editora onde eu havia feito uma entrevista quase um mês antes. Eu nem pensava mais naquela vaga. Quando me chamaram para a entrevista, fiquei empolgado. Era uma editora muito diferente das duas anteriores. A redação era independente. O chefe valorizava o texto acima de tudo, e tinha lá suas técnicas de redação. Eu não acreditava muito em técnicas, mas estava curioso. Depois de um mês, no entanto, eu nem lembrava mais. Mas me ligaram, marcaram uma entrevista com o dono da editora. Acertei os detalhes com ele, comecei uns dias depois.
O começo foi bem difícil. A empresa anterior me deixara desconfiado, então eu não conseguia me empolgar com o emprego novo. Além disso, havia as tais técnicas de redação. Eu não acreditava que aquilo fosse funcionar. Eu escrevia, escrevia, e achava um texto pior do que o outro. Entrei em crise. Minhas primeiras matérias grandes ficaram ruins, o chefe queria me bater. E tinha outro problema: eu voltara a ganhar X; não contava mais com o 0,25X extra que me garantiam o aluguel. Um mês de desemprego desequilibrou minhas contas. Fiquei dois meses sem pagar a faculdade nem o cartão de crédito, e sempre estourando o limite do cheque especial. Achava que resolveria isso no fim do ano: terminaria de pagar o carro em novembro, venderia o carro, usaria o dinheiro para pagar as dívidas e comprar um carro velho. Veio novembro, veio a crise, ninguém queria comprar meu carro. Quem queria, oferecia preços ofensivos.
Hoje, último dia do ano, eu penso em tudo isso e acho que tudo acabou dando certo. Eu sempre penso no que faria se ganhasse na Mega Sena; acho que todo mundo pensa nisso. Antes, eu pensava em comprar uma casa, uma chácara, carros, comprar casas e carros para a família, aplicar o dinheiro, viajar, largar o emprego. Continuo com as mesmas fantasias, mas com uma exceção: se eu ganhasse na Mega Sena hoje, acho que continuaria no emprego. Trabalho com pessoas legais, aprendo muito e, pela primeira vez na vida, vejo sentido no meu trabalho. Continuo ganhando X, mas é só questão de tempo. Mesmo em crise, conseguimos comprar o sofá mais legal do mundo. Não consegui vender o carro (ainda, OPORTUNIDADE ÚNICA), mas consegui um empréstimo a juros baixos — cunhados estão aí para isso.
2008 foi o ano em que aprendi a ajudar quando posso e, o mais difícil, a aceitar ajuda quando preciso. Foi o ano em que aprendi a aprender.
E foi o ano em que me tornei devoto de São CPAP.
Hoje vamos à casa de Daniela e Daerson para ver o ano novo começar. Foi um ano agitado para eles também, mas nada que se compare a 2007. Outros amigos vão também, outros casais que passaram por grandes mudanças em 2008. Vou fazer o já famoso lombo na cerveja. Em 2009 eu dou a receita. Por enquanto, feliz ano novo a todos vocês, e obrigado pela paciência.

O UOL vai abandonar o pop-up (aquela janelinha de propaganda que abre sempre que você entra no site) em janeiro de 2009. Tem gente comemorando. Eu acho que essa notícia teria sido legal em 2002. Além do mais, tem a diferença entre o que eles falam e a verdade subjacente.
Os caras do UOL dizem que tinha mais gente clicando no pop-up do que reclamando. Só que agora eles perceberam que a maioria dos internautas usa algum tipo de bloqueador de pop-up. Isso significa, eles dizem, que o pop-up é intrusivo, chato e cuzão. Então vão acabar com o popup porque o público não gosta, e eles trabalham para satisfazer o público. No seu lugar, vão colocar uma coisa bem mais legal e agradável, chamada anúncio dhtml. Segundo os caras do UOL, o dhtml é muito mais legal, porque fecha sozinho. Muito bom, né?
Né não.
O dhtml também aparece na frente do conteúdo que você quer acessar. Fecha sozinho? Fecha, mas depois de uns segundos. Ou seja, é igualzinho o pop-up. Com uma diferença: os bloqueadores de pop-up não bloqueiam anúncios dhtml.
Havia mais gente clicando no pop-up do que reclamando. Ora, mas é claro. Estranho mesmo seria o contrário. Para clicar num pop-up, você move o ponteiro do mouse até ele e clica. Diabo. Para reclamar, você tem que escrever um e-mail, ou pegar o telefone e ligar para a central de atendimento ou para a ouvidoria do UOL. São níveis de esforço diferentes.
Só que os caras do UOL perceberam que 65% dos visitantes do portal usavam bloqueador de pop-up. Eles dizem que isso mostrava que o pop-up era intrusivo. Na verdade, isso mostrava que o pop-up não estava mais aparecendo, portanto as pessoas não estavam clicando, e portanto o UOL ia ter de baixar o preço desse espaço publicitário. Então aposentaram o pop-up e colocaram no lugar dele um formato de anúncio mais irritante e difícil de contornar.

Dizem por aí que o negócio agora é Web 2.0, social networking, participação, crowdsourcing e não sei mais o quê. Falam até em blogs, vejam vocês, que revolução. Pois bem: eu, que não perco uma modinha por nada, decidi singrar também os mares da Era da Participação. O diabo me convidou para participar de um treco novo, e eu botei pra testar ali do lado. Testem também e me ajudem a descobrir para que serve esse negócio.

Nesses três anos de profissão, nada me assusta mais do que cobrir eventos. Enquanto estou na redação, estou bem. A redação é um ambiente amigável, com gente que eu conheço e onde eu faço o que gosto de verdade: escrever. Só que ser repórter não é só escrever: é apurar, entrevistar, investigar, sondar, blablablá. Quando saio para cobrir eventos — ainda mais eventos importantes, que duram vários dias e tal — me sinto o último dos manés. Olho para os colegas e todos eles têm suas fontes, informações exclusivas, histórias para contar. Quanto a mim, ando pelo evento, assisto a painéis e palestras, visito a exposição, e não consigo ver nada de interessante. Os mesmos palestrantes repetem os mesmos assuntos para as mesmas pessoas. Nos painéis de debates, cada participante concorda alegremente com o que os outros falam. Nos estandes, duas, três, oito empresas demonstram produtos idênticos, apresentando-os como exclusividades magníficas. Eu não entendo.
E aí está o grande problema: não tenho o desembaraço necessário para abordar pessoas, apresentar-me, puxar assunto. Sou reservado com gente que não conheço, o que não é aconselhável para quem se propõe a ser um repórter. Então observo, escuto conversas, presto a maior atenção e, se achar que vale a pena, me obrigo a chegar perto e dizer, “Oi, sou repórter, queria conversar com você sobre esse negócio aí.” Só que eu raramente acho que vale a pena.
Minha impressão é que não tem nada de novo acontecendo, que “inovação” é só uma palavra que já está saindo de moda, que certo mesmo estava o autor do Eclesiastes. Mas não é possível. Estou numa sala de imprensa cheia de jornalistas, ao lado há outra sala cheia de assessores de imprensa. Essa gente toda não ia convergir para um mesmo lugar se não houvesse nada de novo acontecendo.
Ia?

A tal de Ticketmaster se vende como prestadora de um serviço que facilita a vida das pessoas. À primeira vista, até parece verdade: antigamente, você precisava ir até o local do espetáculo ou evento que queria assistir, enfrentando trânsito e filas para conseguir seus ingressos. Agora basta entrar em um site, ou telefonar, e rapidamente você compra os ingressos, que serão entregues no conforto de seu lar. Lindo, não? Pois é.
Meu ódio pela empresa começou há alguns anos. Queria assistir a um show com venda exclusiva pelo site. Geek convicto que sou, achei o máximo: resolver problemas online é a grande alegria de minha vida. Comecei a me irritar quando vi o termo “taxa de conveniência”. Não se tratava de frete, taxa de entrega, nada: além do valor extorsivo do ingresso e do dinheiro extra pago para que ele fosse entregue em minha casa, ainda precisava pagar mais essa taxa inexplicável, conveniente apenas para os atravessadores da Ticketmaster. Tudo bem, não havia outro jeito, concordei com o pagamento. Depois, lendo as regras do serviço prestado, outra surpresa: o ingresso só seria entregue a mim ou a uma pessoa especificada no momento do cadastro, mediante apresentação de documento de identidade e fatura do cartão de crédito. Para quê, meu Deus? Concordei, passei raiva, recebi meu ingresso e, se bem me lembro, o show não valeu o sacrifício.
Desde então, tenho me recusado a utilizar os serviços dessa empresinha safada. Compro meus ingressos na bilheteria ou nos postos autorizados, desprezando internet e telefone, por mais que isso vá contra minha natureza. Mas eis que anunciam show de João Gilberto. Bom, vocês sabem (ou deveriam saber) de minha idolatria por João Gilberto. João é Deus, João é tudo. A venda dos ingressos ia começar hoje pela manhã, então preparei uma seqüência de planos:

  1. Entrar no site logo cedo para comprar os ingressos
  2. Se não desse certo, comprar por telefone
  3. Se não funcionasse, pegar o carro, estacionar na Fnac (que fica do lado do trabalho) e comprar os ingressos por lá
  4. Se não conseguisse, passar a manhã tentando comprar pelo site e por telefone
  5. Se desse errado, ir até o local do show (Ibirapuera) na hora do almoço e comprar os ingressos na bilheteria
  6. Se isso também falhasse, voltar ao item 4
  7. Se nem isso desse certo, sentar e chorar

Eu lhes digo que deveria ter ido logo ao item 7, pelo menos pouparia energia. De manhã, tentei fazer a compra pelo site, que travava por excesso de tráfego. O número de telefone estava constantemente ocupado. Na Fnac, me informaram que desta vez a bilheteria deles não era posto autorizado. No trabalho, fiquei tentando no site e pelo telefone. Quando consegui entrar na página de compra dos ingressos, fui recompensado pela mensagem “Consulte disponibilidade em outros canais”. O plural alimentou um pouco minhas esperanças, mas durou pouco: liguei para a bilheteria do Auditório Ibirapuera e me informaram que não venderiam os ingressos por lá. Ou seja, os tais “outros canais” resumiam-se a:

  1. Telefone
  2. Sentar e chorar

Então fiquei ligando, ligando, ligando. Depois de muito tempo, consegui ser atendido. Uma gravação. Tecle isso, tecle aquilo. Outra gravação. “Todo mundo tá ocupado, güentaí”. Musiquinha. “Digite o número de seu cartão de crédito”. Oba, agora vai. “Güenta mais um pouco, trouxa”. Musiquinha. Musiquinha. Musiquinha. Depois de uns vinte minutos, uma puta qualquer me atendeu só para dizer que os ingressos (de 30 e 360 reais) para os dois dias estavam esgotados.
Vejam que maravilha: os caras monopolizam a venda de ingressos mas não têm infra-estrutura para atender todo mundo. É claro que eu podia ter começado a tentar de madrugada, ou ficado dependurado no telefone, ignorando o trabalho. Mas o negócio é que eu nunca tive que sacrificar meu sono nem arriscar meu emprego para ver um show. Vi João ao vivo diversas vezes, queria ver de novo, não deu. Que se fodam os atravessadores. Em breve eles serão desnecessários. Todo mundo tem telefone celular, é mera questão de tempo para os organizadores de espetáculos perceberem que não precisam de uma empresa sem-vergonha como essa para fazer seu negócio: o nego paga com o celular, recebe o ingresso no celular, entra na casa de espetáculos usando o celular. Ou um cartão com chip. Ou biometria: impressão digital, íris, pregas do cu. A Ticketmaster é como o fax, já nasceu obsoleta. Vai falir logo e eu vou rir bastante.
E você, João?

Bléeeeeeeeeee

Bléeeeeeeeeee


É isso aí.