Negro gato

Negro gato


Esse cara aí do lado é o Samuel.
Tá. Ele não é um cara. É um gato. Quase que eu enganei vocês.
Em um ano de vida, Samuel já passou por coisa que vocês nem imaginam. Nem eu. Dona Vera, minha sogra, encontrou o bicho todo estropiado no quintal de uma casa da vizinhança. Não era nem para ele estar vivo, na verdade. Deve ter sido atropelado, ou então alguém muito filho-da-puta maltratou o gato àquele ponto. Eu acho que foi atropelado, mas só porque eu quero muito acreditar que as pessoas são boas e tal.
Bom, mas a sorte do Samuel é que minha cunhada é veterinária, e das boas. Ela desmontou o gato e montou de novo. Costurou as feridas, arrumou os ossos, empurrou os músculos pra dentro, botou mais 1Gb de RAM, um subwoofer. Ele só arrastava as patas traseiras; precisou fazer fisioterapia. Ninguém acreditava que ele pudesse voltar a andar — eu até pesquisei umas cadeiras de rodas pra gatos. Mas o bicho é tão casca-grossa que aos poucos foi se apoiando nas patas traseiras. Hoje ele corre, pula, faz aquelas maluquices de gato.
Então ele está bem, mas mora numa casa com três cachorros que não vão muito com a cara dele. Ele tem que ficar o tempo todo num cômodo só, escondido da cachorrada. É bem melhor do que ficar jogado no quintal de uma casa abandonada esperando a morte chegar sete vezes. Mas, pô, sacanagem com o bicho. É um gato bem legal, de verdade. E é preto também. Tem futebol e samba no pé, toca lá seu reco-reco. É um espírito livre. Um ladies man.
O Samuel precisa de um dono que cuide bem dele. Adote o Samuel e ganhe pontos no seu karma.
How you doin'?

How you doin'?

Recadim pra vocês: quinta-feira que vem, dia 8, estréia aqui em São Paulo a peça O Cortiço, adaptação daquele livro do Aluísio de Azevedo. Ó:

É uma boca na vertical

É uma boca na vertical


“E daí?”, vocês perguntam. E daí que é muito legal. Além do ambiente do cortiço do século XIX, vai ter umas projeções de vídeos com depoimentos sobre a obra e os personagens, imagens relacionadas à peça, enfim, todo um lance modernoso. Mas o mais importante de TUDO é que eu estou fazendo a assessoria de imprensa da peça (daí minha ausência do blog, também). Então façam o favor de ajudar na divulgação.
Volto já.
O_

Roy Peter Clark é autor de Writing Tools, um dos livros que compõem minha atual Bíblia. Ele dá aula no Poynter Institute, uma escola para jornalistas que mantém um jornal, o St. Petersburg Times.
Dia desses, Clark publicou um ensaio descrevendo o a colonoscopia que fez recentemente.
Para quem não sabe, colonoscopia é como uma endoscopia, só que do outro lado: enfiam uma mangueirinha no rabo do paciente, com uma câmera na ponta. É engraçado, um tanto ridículo e embaraçoso.
E pode salvar vidas.
Uma colonoscopia é a única forma de detectar pólipos que possam vir a evoluir para um câncer colo-retal. Câncer no cu não é só o nome de uma música do Rogério Skylab: é uma doença dolorosa e fatal. Segundo o Instituto Nacional do Câncer, o Brasil deve registrar 27 mil casos de câncer colo-retal este ano. A chance de sobrevida é muito grande, desde que a condição seja detectada cedo. Ou seja: mangueirinha cu adentro, sem frescura.
Clark diz que sua descrição da colonoscopia será o texto mais importante de sua carreira, caso leve alguém a criar coragem de fazer o exame. Eu escrevi um e-mail para ele pedindo autorização para traduzir o ensaio. Ele, muito gentil, autorizou.
Então aí vai. Se você sabe um pouquinho de inglês, é melhor ler o texto original. Se não sabe, leia minha tradução mesmo. Mas leia, imprima, mostre para familiares, amigos e conhecidos, principalmente aqueles que façam parte de um grupo de risco. É melhor fazer o exame do que passar o vexame de morrer de câncer no cu.

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Colonoscopia em primeira mão
Minha bunda pode salvar sua vida.
Bom, não minha bunda em si, mas o que está na minha bunda.
O que está na minha bunda neste momento é um tubo com uma câmera na ponta. Ele rasteja pelo meu cólon, que parece o Túnel da Nove de Julho, procurando por um bioterrorista em sua caverna. Um bioterrorista que eu batizei de Osama Bin Pólipo.
Eu não estou acordado. Só vou saber de tudo isso mais tarde.
A câmera encontra Bin Pólipo e projeta sua imagem em um monitor. Ele parece um carocinho branco, do tamanho de uma uva passa, mas na vida real ele é bem menor, só umas quatro vezes maior do que o ponto no final desta frase. Clique, cortaram.
O resultado do laboratório demora alguns dias: será que é benigno? Pré-canceroso? Maligno?
E aí?
Mas antes, mais algumas palavras sobre o que vai no meu traseiro — e no seu também.

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Os jornalistas não se ligam muito em bunda — a não ser que aconteça de ser a bunda da Jennifer Lopez ou da Juliana Paes. Bunda é um negócio constrangedor. A gente não fala em público do que pode entrar ou sair dela.
Nossas inibições jornalísticas podem ter custado a vida de algumas pessoas logo que começamos a escrever sobre HIV-AIDS. Você se lembra como nós descrevíamos os meios de transmissão, tentando não ofender? Usávamos a frase coringa “troca de fluidos corporais”. Uma das coisas que isso significava era sexo anal. Sim, Marta, é verdade: para algumas pessoas aquele buraco é entrada, não só saída.
E é também a porta mais confiável para uma vida longa e saudável, livre de câncer retal e do cólon, o tipo que matou uma de minhas amigas mais próximas, Janie Guibault, o tipo que ameaçou a vida do meu querido pastor, Reverendo Robert Gibbons, 58 anos, que precisou fazer uma cirurgia para remover um bom pedaço do cólon depois que um exame descobriu vários pequenos terroristas.
O restante deste ensaio busca inspirar você a falar com seu médico sobre colonoscopia. Se você passou dos 50, deveria fazer uma. Se tem histórico familiar de câncer de cólon, seu médico pode recomendar que faça o exame antes. Se o exame não encontrar nenhum pólipo, você pode esperar 10 anos para fazer outra colonoscopia. Se achar alguma coisa, ou se você está em um grupo de alto risco, o médico vai recomendar que você faça o exame com mais freqüência.
Elaine Mueller é a enfermeira-chefe na clínica onde eu fiz minha colonoscopia. O avô dela morreu de câncer de cólon, a mãe dela também. A mãe não sabia do risco genético e nunca fez o exame. Recebeu o diagnóstico aos 62 anos e morreu quatro anos depois.
A matemática do câncer de cólon prevê que, com histórico na família, você deve subtrair 20 anos da data do diagnóstico de um parente próximo. Então a enfermeira Mueller fez o exame pela primeira vez aos 42. Não encontraram nenhum pólipo na ocasião, mas o exame seguinte descobriu terroristas pré-cancerosos. Então ela vai ser examinada pelo menos uma vez a cada três anos, pro resto da vida. “Prefiro fazer isso”, ela diz, “do que não chegar a ver meus netos.”

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Agora, como um participante/jornalista em busca da verdade, digo logo que minha bunda não é tão famosa (nem tão bonita) quanto a de Katie Couric. Katie, cujo marido e pai de seus dois filhos morreu de câncer de cólon, fez uma colonoscopia famosa no Today Show, que você pode ver no YouTube — um nome bem apropriado, aliás.
A campanha de Katie nesses anos todos salvou muitas vidas, e este ensaio vai ser a coisa mais importante que já escrevi, caso alguém que o leia resolva fazer o exame e seja salvo por um diagnóstico precoce da doença.
O procedimento da colonoscopia é mais simples do que fazer uma limpeza no dentista. A parte irritante e inconveniente vem um dia antes, conhecido eufemisticamente como dia da preparação.
Comigo foi assim:
Na noite anterior ao dia da preparação, eu tomei dois tabletes de Ducolax, que serve pra amolecer o cocô. Eu dormi tranqüilamente.
Eu acordei no dia da preparação (um domingo, no meu caso), tomei banho, escovei os dentes, tomei os remédios de sempre e ingeri um café-da-manhã líquido. Duas horas depois eu bebi uma garrafinha de 250ml de um fluido com sabor de limão, citrato de magnésio, feito para começar o processo de esvaziamento do cólon. O líquido desceu numa boa. Pouco depois, eu tive meu primeiro GM (Grande Momento) do dia, o primeiro de uma dúzia ou mais de idas ao banheiro. A primeira vez pareceu normal, mas as seguintes produziram cocô cada vez mais mole, e as últimas nada além de água quase transparente.
Para aprimorar esse processo, bebi quase dois litros de Gatorade misturado com um pó laxante, Miralax. O remédio não alterou muito o sabor da bebida, só a engrossou um pouco, tornando-a mais difícil de engolir.
Mais tarde eu mandei para dentro um pouco de gelatina, picolés, canja de galinha. Em nenhum momento eu me senti mal do estômago ou desidratado.
Ir ao banheiro tantas vezes faz a bunda doer, é claro, mas, conforme aconselhado, eu usei um creme protetor à base de petrolato e lanolina (Universal Baby, Vitaglós), que aliviou o ardido.
Essa foi minha segunda colonoscopia, 11 anos depois da primeira, e pareceu ainda mais fácil do que eu me lembrava. Alguns truques do negócio:
1. Mantenha uma vela perfumada acesa no banheiro. Se você quiser ser engraçadinho, ponha uma fita amarela de “não ultrapasse” na porta
2. Convide sua família a passar o dia fora de casa. É uma cortesia. Minha mulher aproveitou para ver uma peça e jantar com o elenco em seguida
3. Uma televisão de tela grande em alta definição ajuda, especialmente no dia da preparação
Na manhã seguinte eu acordei após uma boa noite de sono, tomei banho, escovei meus dentes e vesti uma bermuda e uma camisa de golfe. Já que eu ia ser anestesiado, precisava de um motorista, então minha mulher me acompanhou, da mesma forma que eu fiz por ela alguns meses antes. Admito: eu estava com fome e só um pouquinho nervoso.
Chegamos à clínica por volta das nove. Duas horas depois eu estava em St. Pete Beach devorando um delicioso waffle belga coberto com morangos frescos. Meu estômago vazio borbulhava de felicidade.
Ah, acho que pulei a parte importante. Foi tão fácil que eu quase esqueci.
Depois de chegar à clínica eu preenchi uma papelada e fui levado para dentro, onde uma enfermeira respondeu todas as minhas perguntas. Como eu vou me sentir depois do exame? Você vai se sentir bem, talvez um pouco debilitado. Deixe sua mulher dirigir. Eu posso voltar ao trabalho hoje? É melhor ficar em casa e pegar leve.
Eu tirei a roupa, mas me deixaram ficar com a camisa e as meias, então me senti confortável depois de me enfiar num avental de hospital. A enfermeira me aplicou soro. Então veio o anestesista, que me perguntou sobre alergias e remédios e me contou sobre o suco da alegria, Propofol, que ele ia injetar no meu tubo de soro.
Me levaram para a sala de exames, falei rapidamente com o médico, um homem que projetava a imagem de ter feito o procedimento muitas vezes, e que o faria muitas, muitas outras. (A clínica, com dois médicos, faz uma média de 20 colonoscopias por dia, 100 por semana, mais de 5 mil por ano.)
Eu falei uma gracinha qualquer pra enfermeira. “Seu chefe pode não ser intrometido, mas ele é bem cu-rioso, né?”
“Essa eu ninca tinha ouvido”, ela disse, dando a entender que já tinha ouvido muitas outras.
A enfermeira começou a me explicar o procedimento. “Nós vamos virá-lo de lado, Roy, e colocar uma toalha embaixo de você. Você está confortável?” Um minuto se passou. “Muito bem, Roy, agora vamos administrar o anestésico. Vai começar a funcionar rápido…”
“Em nenhum momento nós olhamos a sua bunda”, disse a enfermeira Mueller mais tarde. Eles só olham para o monitor. Reconfortante.
Acho que não tenho palavras para descrever a sensação estranha mas maravilhosa que eu tive em seguida. Como se o tempo não tivesse passado, eu estava sentado na sala de recuperação batendo papo com uma enfermeira que olhava fotografias das minhas entranhas. Eu não sentia nada do procedimento. Dor, sangramento, cólica, lembranças, sonhos, nada. Só uma sensação agradável de bem estar e missão cumprida.
O teste tinha corrido bem, disse a enfermeira. Antes do procedimento eles sopraram ar na minha bunda para abrir o cólon vazio e revelar cada cantinho. O equipamento tem duas lâmpadas, uma lente de aumento e uma câmera de vídeo, com um fórceps em miniatura na ponta, junto com um mecanismo que permite ao médico manobrar o tubo através do cólon em sua missão de busca e destruição.
A enfermeira me mostrou a foto do Osama Bin Pólipo, encontrado em sua caverna e eliminado. Era um pólipo pequeno, um adenoma, que seria enviado para biópsia.
Desculpe pela próxima parte, que é um pouco nojenta, mas a maior parte dos tecidos rosados estava encrustados com alguma matéria fecal residual, que foi lavada durante o procedimento. Um bom benefício colateral, como ganhar uma ducha ao abastecer o carro.
“Você também tem uma hemorróida. É melhor não fazer força quando for ao banheiro. E comer bastante fibra.”
A clínica me chamou no dia seguinte para saber como eu estava. Ligaram de novo uns dias depois com os resultados do laboratório, e eu fiquei surpreso com meu nível de ansiedade. “É benigno”, disse a moça. “Mas é o tipo de pólipo que pode se tornar pré-canceroso se não for detectado e tratado cedo.” Eu estava pronto pra outra, por assim dizer, sem precisar fazer mais anda a não ser voltar para outro exame em cerca de três anos.
Ela me aconselhou a avisar meus dois irmãos mais novos sobre o pólipo removido e encorajá-los a fazer o exame.
“Ei”, eu disse ao meu irmão Vicent, “eu fiz uma colonoscopia hoje de manhã. Pensei em você o tempo todo”
“O que eles acharam lá dentro?”
“Nem te conto…”
O Vinnie tem 56 anos e nunca fez uma colonoscopia.
Em três longas mensagens de e-mail, eu descrevi minha experiências para meus amigos e colegas no trabalho, encorajando-os a fazer o exame se fosse o caso. Tive uma dúzia de conversas, a maior parte pontuada por risadas, sobre suas ansiedades, inibições e medos.
Eu digo a eles o que estou dizendo a você. Não espere. Troque um dia de inconveniência cômica pela oportunidade de ver seus netos correndo pela casa.

  • Fui me matricular na faculdade hoje. Passei no processo seletivo para o curso de jornalismo da Uninove — feito comparável a ganhar de Stephen Hawking nos 100 metros com barreiras. Não sei que classificação eu obtive, mas meu cunhado já avisou que me proíbe de continuar o namoro com sua irmã caso não tenha ficado entre os dez primeiros. Por via das dúvidas, achei melhor não pagar para ver.
  • Estava agora mesmo vendo o Lula no Roda Viva. Se é verdade que esse negócio de ser presidente da República envelhece, também é verdade que traz habilidades insuspeitadas. Viram como o barbudo consegue mexer aquelas orelhas pontudas? Antes ele não fazia isso. Parece o Yoda!
  • Capítulo novo, né? Pois é…

Pensando em passar uns dias no Marriot Costa do Sauípe, ou em promover um evento por lá? Desista da idéia. Parece que o dinheiro dos hóspedes some misteriosamente dos quartos, e o pessoal do hotel, além de não dar satisfações, ainda chama o hóspede de mentiroso e putanheiro. Safados.
Espalhem a história, espalhem! Vamos botar esses pilantras pra se coçar. Nego acha que pode tratar o consumidor como bem entender. País de merda.

O blog mal começou e já foi grampeado pela Abin. Atenção senhores espiões: aqui no JMC eu só admito bisbilhotagem do Mossad. Os assuntos de que trato aqui só interessam mesmo a Israel. Israel de quatro mil anos atrás, mas ainda assim. Além do mais, cá entre nós: Abin não, né? Ser espionado pela Abin é como ser preso em quermesse: você está preso, ok, mas não dá pra levar a sério.

Uma boa notícia, uma má notícia e um pedido.
A boa notícia: estou com o próximo capítulo já quase pronto aqui dentro da cabeça. Deve sair por esses dias.
A má: descobri que perdi boa parte das músicas que gravei para botar no blog. Alguém aí se lembra, por exemplo, da Dança de Israel? Pois é, perdi.
O pedido: você tem alguma de minhas gravações toscas guardada por aí? Se tiver, mande. Ficarei muito agradecido.