Igor Augusto está prestes a se tornar o melhor aluno da escola. Ele tem doze anos e é meu primo (sim, nomes compostos são a especialidade da família). O Igor vai bem em tudo, especialmente em matemática; minha tia está orgulhosa. E aí começam as comparações, porque eu era assim também na idade dele. Não estudava, não fazia lição de casa, mas sempre tirava notas boas. Minha mãe voltava orgulhosa das reuniões, o que me constrangia um pouco — só um pouco. Sei como o Igor se sente. Em todo o primeiro grau (não sei o nome disso hoje, acho que é ensino básico) eu nunca fui parar na diretoria e só tirei uma nota vermelha. Eu não era bem um nerd: só gostava de ficar na minha, tinha lá meus amigos, raramente me metia em brigas. Me dava bem com todo mundo, não puxava saco de professor e não dedurava ninguém. Minha passagem pela escola foi tranqüila: nunca peguei uma recuperação e nunca fui odiado por isso.
Até hoje sou um cara pacato. E até hoje eu me espanto com as pessoas intensas, selvagens. Esse espanto quase sempre tem um sentido negativo, aquela sensação de ver um bêbado feliz mijando nas calças. Eu penso: “uau, como pode?”, mas não invejo o cara. Faz um tempo uma mulher me disse que conviveu muito tempo com o Jorge Mautner e que ele era muito “visceral”. Peguei nojo do Jorge Mautner. Admirar maluco é coisa muito rara pra mim.
Um maluco que eu admirava muito aos 10 anos era o Marquinhos. Gente boa, amigo de todo mundo, sentava cada dia num lugar diferente da sala de aula. Um dia a professora chamou ele de palhaço. Ele agradeceu. “Palhaço é uma profissão muito digna, professora.” O tipo da coisa que eu gostaria de ter coragem de dizer. Um dia ele se encheu. A professora disse que ele não ia ser ninguém da vida. Ele disse “ah, é?”, jogou a mochila pela janela e pulou atrás. Nós todos corremos para a janela. Ele pegou a mochila, olhou para cima, acenou para nós e nunca mais voltou à escola.
livro_danilo_pioralunoLendo o manual Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola, do Danilo Gentili, lembrei do Marquinhos. O Danilo também pulou da janela da sala de aula. Só que a sala dele não devia ser no primeiro andar como a nossa, porque o jacu quebrou as duas pernas na queda. O livro é um manual que ensina a ser tudo o que eu não fui na escola. O grande mérito dele é falar com a molecada de igual para igual. Quando Danilo ensina o leitor a fazer uma arma de três canos a partir de um tubo de PVC não é um adulto contando suas peraltices: é um moleque terrorista compartilhando informações com outros moleques terroristas. Conheci o Danilo depois de adulto; é um sujeito legal. Deve ter sido um moleque legal também.
No dia do lançamento, pensei bem e comprei dois exemplares: um para mim, outro para o Igor. Ele não precisa ser tão bonzinho assim.

Pobrema no figo
Pobrema no figo


Essa moça magriiinha aí do lado é Yoani Sanchez. Você já ouviu falar dela. É uma cubana, autora do blog Generación Y. Vejam a foto do perfil dela no blog. A mulé é zuada, tadinha. Mas também, o que eles comem lá? Cana e charuto?
Yoani quer vir ao Brasil. Yoani quer dançar funk rebolando até o chão. Yoani quer mais é beijar na boca. Quer conhecer as pessoas, quer ver as praias, quer entrar numa churrascaria pra depois ter as histórias mais incríveis pra contar em Havana (“Aí o cara vem com um espeto de carne DESTE tamanho e te dá quanto você quiser”, ela diz para os cubanos incrédulos). Mas ela não pode.
No blog dela, Yoani escreve sobre a vida em Cuba. Não é uma boa vida. Depois de 30 anos dependente da União Soviética, Cuba passou por um perrengue desgraçado nos anos 90. Hoje, depende do petróleo de Hugo Chávez. Sei não, acho que era melhor depender dos russos. Pelo menos as roupas deles eram melhores. Tem aquela história da Itália fascista, que o Mussolini era bom porque os trens chegavam na hora certa. Numa entrevista à Época, a Yoani diz que algo parecido aconteceu em Cuba quando Raul Castro assumiu o poder: sem os discursos compriiiidos de Fidel Castro, as novelas brasileiras começam na hora certa. Fora isso, não mudou nada: a comida ainda é pouca, e a Yoani cada vez mais magrela. Ó a foto. Tadinha.
Yoani escreve lá o blog; também escreve artigos para publicações mundo afora. Ganhou prêmios, apareceu na Time como a 31ª pessoa mais influente do mundo. Depois de mais de dois anos de blog, ela tomou o caminho natural: lançar um livro com um apanhado de posts e tentar faturar uns caraminguás. Só que, é claro, essa coletânea do Generación Y é muito mais relevante do que a média dos livros baseados em blogs.

Com carinho
Com carinho


A Editora Contexto vai lançar o livro dela no Brasil. A edição brasileira do livro escapou por uma sílaba de ter nome de filme pornô: De Cuba Com Carinho. O lançamento é este mês. A editora quer trazer Yoani para o Brasil e ver se ela, fraquinha como é, agüenta uma tarde de autógrafos. Mas está difícil da mulher vir para cá, e não é porque ela tenha medo de ser assaltada ou atacada por jaguatiricas.
Cuba é igual a Coréia do Norte, só que mais animadinho. Duvido que na Coréia do Norte as pessoas saiam às ruas dançando mambo. Fora isso, os dois países são prisões para seus cidadãos. Eu não vou discutir se o regime é bom ou ruim. É uma merda, é uma aberração, mas não vou discutir. Só digo o seguinte: da única vez que eu precisei sair do Brasil, meu único empecilho foi o visto de entrada no país de destino. Ninguém por aqui disse que eu não podia sair do país. Fui lá, fiz meu trabalho, voltei. Mas em Cuba não é assim. Nego sai e não volta, porque a vida por lá é uma merda. Sabendo que a é uma merda, o governo não deixa neguinho sair. Fácil.

MENSAGEM SUBLIMINAR: Quando você se sentir tentado a agradecer ao Estado por interferir na sua vida, lembre-se de Cuba.

Yoani quer rosetar no Brasil, só que ela não pode sair de Cuba. Ninguém pode, ela pode menos ainda. O blog dela é bloqueado em Cuba. Ela só arruma empregos ilegais, como dar aulas particulares (sim, isso é ilegal em Cuba). Em entrevista à Veja, ela fala da campanha suja que o governo faz contra ela. Sair do país seria impensável.
Tia Cris está acompanhando o caso e participa da campanha para trazer a mulézinha ao Brasil. Tem muita gente querendo a mulher aqui para o lançamento do livro; basta fazer uma busca no Google que você acha. E vai achar também esse povinho esquisito dizendo que a direita quer trazer Yoani Sanchez para o Brasil como um troféu do imperialismo e da série B do Paulista. Sei lá, papo de comunista é muito confuso. Essa gente diz que Cuba é um país livre, com eleições democráticas. Devem ter confundido com outra ilha. Tem muita ilha na América Central, é fácil confundir. Essa gente também diz que a direita brasileira está em campanha aberta para trazer Yoani ao Brasil e assim desmoralizar o regime livre e democrático de Cuba. Com vocês, uma das vozes da direita brasileira:


O Suplicy! O Suplicy ama Cuba, meudeusdocéu. Quando não está fazendo seu gabinete de albergue nem levando a namorada para passear com dinheiro público, o senador sonha com a brisa socialista que sopra nas praias cubanas. Pois até ele quer Yoani no Brasil. Sem muita convicção, falando com cuidado para não criticar o regime cubano em nenhum momento, mas mesmo assim: até o Suplicy quer que a mulézinha (tadinha) venha ao Brasil para o lançamento do livro dela. Eu também quero. Não li o blog dela, nem sei se ela é boa bisca. Mas a mulher quer viajar. As pessoas devem poder viajar. Né?

Em março do ano passado, eu publiquei aqui minha tradução meia-boca de uma estória muito boa de Isaac Marion. Pouco tempo depois, o Isaac mandou imprimir seu primeiro romance, The Inside. Agora ele imprimiu outro, dessa vez baseado na estória do zumbi apaixonado. Ele contou com a consultoria de uma editora profissional, então esse Warm Bodies deve estar livre de boa parte dos pecados de The Inside. Nesse post, ele diz que só faltam nove exemplares, e que não vai ter tiragem extra. Então, se você gostou da estória do zumbi, pode ser uma boa idéia comprar o livro que nasceu dela.

Estou numa encruzilhada.
(Galinha preta é a puta que o pariu)
Estou numa encruzilhada. Pois vejam: antes eu trabalhava num negócio nada a ver, tecnologia e coisa e tal, e escrevia como passatempo. Primeiro em folhas de papel datilografadas, depois no Wordstar (não perguntem), depois em jornaizinhos impressos na firma e distribuídos entre os amigos, depois por e-mail. Comecei este blog, depois outro, depois fui convidado para outro.
Aí eu fiz 30 anos e tudo mudou. Eu queria mudar de vida e resolvi que escrever ia ser o meu trabalho. Virei jornalista de tecnologia, que era para escrever sobre um assunto que eu conhecia. Isso foi em 2005, e durante a maior parte desses últimos três anos eu dividi meu tempo entre gerenciar projetos de web, manter conteúdo online com base em press releases requentados e escrever uma coisinha ou outra.
No começo deste mês, aconteceu o que eu tanto procurava: comecei a trabalhar em um lugar onde o texto é valorizado acima de tudo, onde se discute o tempo todo o ato de escrever e livros sobre as técnicas do ofício circulam de mão em mão. Estou aprendendo muito, apesar de às vezes me sentir soterrado de informações.
Muito bem. Para quem escreve apenas como trabalho, é uma situação perfeita. Mas eu sou um sujeito esquisito. Meu trabalho é meu hobby. O problema é que escrever para uma revista de tecnologia é algo muito diferente de escrever um blog de sátira da Bíblia. O último capítulo ficou burocrático que só a porra, eu sei disso. Foi escrito enquanto eu pensava o tempo todo nas técnicas: usar verbos de ação, evitar a voz passiva, colocar ênfase no final das frases, complicação-crise-resolução, o diabo aquático. (Esse último período, por exemplo: comecei com “Foi escrito”, daí troquei por “Escrevi” para fugir da voz passiva, aí fiquei puto com minha subserviência às regras e voltei atrás).
Eu percebo que muitas das técnicas que estou conhecendo agora eu já aplicava sem perceber. Mas pergunte à centopéia como ela faz para andar com tantos pés, e é claro que ela tropeça — se é que centopéia entende o que a gente fala.
O negócio é que um monte de gente falou das deficiências desse último capítulo e eu me fiz de besta. Mas aí um amigo próximo comentou, e eu não tive mais como ignorar. Ele tem razão, vocês têm razão. Eu deveria escrever sem pensar nessas técnicas todas que estou aprendendo, mas não consigo. Talvez eu devesse separar trabalho de hobby, mas isso é muito difícil quando os dois são tão parecidos. No fim das contas, talvez ter decidido transformar meu hobby em trabalho tenha sido um erro. Mas eu vejo tanta gente por aí com empregos detestáveis, chega a ser um pecado reclamar de fazer o que gosto.
Maldita encruzilhada.

Lembra da história do zumbi? Então: o autor, Isaac Marion, acaba de publicar seu primeiro romance, The Inside. Aliás, ele publicou mesmo: pagou pela impressão de 50 exemplares, e todos foram vendidos rapidamente (dois deles para mim, que eu não sou besta)
Agora o Isaac está com uma dúvida cruel: não sabe se manda fazer outros 50 exemplares ou não. Se você sabe (ou quer aprender) inglês, gostou da história do zumbi, e quer ajudar um americano quase falido, leia esse post do cara, um pouco sobre o romance, e mande um e-mail para ele pedindo seu exemplar. Aposto que ele vai ficar muito feliz

Kurt Vonnegut morreu.
A Fer me deu a triste notícia. Poucos segundos depois, Daniel Lima confirmou. Daniel me apresentou Vonnegut num Natal desses, dando-me de presente o Timequake, e livrando-me para sempre de pensar que literatura americana contemporânea era Bukowski. Comi o livro, comi outros, comi todos os livros de Vonnegut. Comprei o estoque de Vonnegut da Livraria Cultura. Li Um homem sem pátria duas vezes num vôo entre São Paulo e Foz do Iguaçu.
Por aqui, como observou Daniel, nenhuma linha na imprensa. O velho escritor de livros malucos, com suas obsessões que geravam temas recorrentes e sua falta de pudor em misturar ciência e arte não faz sucesso no país em que os poucos que lêem investem seu tempo em espiritismo, auto-ajuda e platitudes de Dan Brown.
Leiam Vonnegut, seus putos. Vocês precisam ler Vonnegut.

Quem perdeu o lançamento do Balde de Gelo há quase um ano terá no próximo domingo uma nova oportunidade. Bom, não exatamente. A parte mais bonita e talentosa do livro, que obviamente é Daniela, não vai poder vir do Rio. Mas eu estarei na Primavera dos Livros, lá na Oca do Parque do Ibirapuera, a partir das 19 horas. Ficarei lá sentado, esperando que os leitores apareçam, comprem o livro e queiram que eu sapeque alguma dedicatória bisonha.
Apareçam lá, pois: sábado para o lançamento do Blog de Papel, e domingo para a quase noite de autógrafos. Se bem que vocês também podem comprar o Balde no sábado, sem problemas. Ou no domingo. Ou pedir pelo telefone. Ou ter a sorte de encontrar numa livraria. Sei lá! Só quero que vocês comprem, pelo amor de Deus!

O livro Blog de Papel reúne contos de blogueiros. Entre os autores estão alguns dos profetas aqui da casa: Alê Félix, Inagaki, FDR e Nelson Moraes contam lá suas histórias, muito melhores que um pobre conto escrito por mim, também incluído na coletânea. E há outros autores também, 14 deles. Com essa quantidade de gente de tudo quanto é canto do Brasil, teremos vários lançamentos, como vocês podem ver aqui: Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, Goiânia, São Paulo e Rio de Janeiro. Com minhas finanças do jeito que andam, acho que só estarei presente mesmo no lançamento paulistano:

Diz a lenda que André Dahmer estará por lá também, lançando finalmente o livro dos Malvados.
Enfim, compareçam ao lançamento, qualquer um deles. O dinheiro dos direitos autorais será doado à APAE. Ou seja: eu ganho de qualquer jeito…

Cineastas que dizem que os filmes devem ter um viés social (ou seja lá qual for o nome que dão praquele negócio de olhar pros pobres e dizer “ô, coitados…”) são os mesmos que se perfilam para mamar nas tetas do governo. Já repararam?
Para ir ao cinema, o pobre precisa de dinheiro. Para ter dinheiro, precisa trabalhar. Para trabalhar, precisa estudar. Para estudar, precisa comer. Para comer, precisa ter dinheiro. Só que não pode estudar, comer ou trabalhar porque o dinheiro que poderia ser investido em educação, agricultura e emprego vai para certos cineastas mostrarem crianças ranhentas em close na tela grande.
Atravessadores!
E o Movimento Literatura Urgente, hein? O que não faz a preguiça de trabalhar… Abjeta essa fila de escritores beijando a mão do Ministro Rebolante em troca de migalhas.
Não, não. Sério. Os caras querem um Programa de Compra Direta de Livros do próprio autor inspirado no Programa de Compra Direta de Alimentos da Agricultura Familiar. Como se escrever um livro fosse tão importante quanto plantar batatas. E NÃO É! Pelamordedeus, NÃO É!
E não querem só dinheirinho não, viu? Além de fomento daqui, fomento dacolá, os danados ainda querem passear. Querem que o governo (o governo uma porra, eu e você) financie viagens para eles. Citando:

Caravanas de cinco escritores e poetas deverão circular pelas universidades das cinco regiões do Brasil (Norte, Nordeste, Centro, Sudeste, Sul), para debates sobre literatura, leituras públicas e lançamentos de livros e revistas. Cada caravana deverá passar por, no mínimo, cinco cidades diferentes. Serão, portanto, cinco caravanas simultâneas, com cinco escritores cada. Total: 25 escritores. Essas caravanas deverão ser trimestrais. Sugestão de nome: Projeto Waly Salomão.

Ah, que beleza! “Vamos batizar o projeto com o nome de um finado amigo do Ministro Saracoteante, quem sabe ele não amolece?”. E não é só! Também querem um programa desse, de turismo, em parceria com governos estaduais e municipais. E mais! Intercâmbio com outros governos de latinoamerica para passeios de escritores pra lá e pra cá. Eita! Onde é que eu assino? Tenho um livro publicado, também quero mamar. Que que é? Só eu sou bobo agora?
Não sei o que meus pais tinham na cabeça quando me ensinaram que nada vem fácil, que é preciso trabalhar e coisa e tal. Agora, aos 30 anos, percebo que os ensinamentos que recebi na infância estavam equivocados. Pena.
E leiam o que o Mercuccio escreveu a respeito.