Nosso plano ontem era visitar o Museu da Guerra e mais alguma coisa. Não deu tempo: mesmo com as exposições das duas Grandes Guerras fechadas, a visita levou 4 horas. Há uma exposição sobre a vida de uma família em Londres durante os bombardeios alemães da II Guerra. E depois disso, a exposição sobre o Holocausto. Lembram que eu falei da capacidade humana de produzir arte depois de ver Billy Elliot (o musical)? Então: a gente tem essa outra capacidade também. Eu resisti bravamente até quase o final da exposição. Só que aí veio o modelo em escala de Auschwitz. Ao lado da maquete, uma pilha imensa de sapatos atrás de uma vitrine. Antes de entrar nas câmaras de gás, os prisioneiros tinham que tirar os sapatos. Eram muitos, muitos pares de sapato. Cada par pertenceu a uma pessoa cujas cinzas foram usadas para fertilizar o solo alemão. Quando a gente chega a um lugar em que tem que tirar os sapatos — um restaurante japonês, a casa de uma pessoa com TOC — a gente sabe que na volta vai se calçar de novo e voltar pra casa. Em Auschwitz, não.

Não sei se vocês sabem, mas eu e Ana Cartola estamos em Londres. Chegamos na quinta-feira, para dormir. Ontem, sexta, tentamos ir ao London Eye mas estava ventando muito e o bichão estava fechado. Então ficamos bundando por ali. Fomos até o Big Ben, passamos em frente à Abadia de Westminster (estava fora do horário de visitas) e descobrimos ali perto um lugar que serve o típico chá da tarde inglês. Pedimos o típico chá da tarde com capuccino e chocolate quente, porque chá é coisa de fresco. Empanturrados de bolinhos, pãezinhos e outros bagulhinhos fomos caminhando até o Palácio de Buckingham. Depois andamos mais ainda até Trafalgar Square, entramos na National Gallery. Faltavam duas horas para fechar e não deu pra ver nem um quarto do que tem lá; vamos voltar um desses dias.

Hoje amanheceu um diazinho tão safado que achamos que íamos dar novamente com a cara na porta do London Eye. Para nossa surpresa, estava funcionando. É bonito lá de cima, o funcionamento e as dimensões da roda gigante são impressionantes mesmo, mas sou mais o Corcovado.

Depois disso, nada saiu como o planejado. A idéia era visitar dois museus (o de História Natural e o de Ciência). Descobrimos que toda a população da cidade tira os finais de semana para visitar museu. Filas enormes, deixamos para outro dia, decidimos ir aos parques (Kensington e Hyde). Começou a chover forte, os parques cheios de poças, atomanocu, vamos pra um caralho qualquer.

Lembrei do Borough Market, dica do meu irmão. Fomos andando para a estação em Kensington até que encontramos a igreja St. Mary Abbot. Lindíssima, meio sombria. Demos a volta, saiu um negão pela porta lateral. Uma negona. Outro negão. Porra, vamo entrar aí.
Entramos na igreja. Lá dentro, aqueles pretos chiques, sabe? Homens de terno muito bem cortado, Mulheres de chapéu. Tinha uma com um vestido branco cheio de brilhos e uma bunda que devia ser deixada para sempre no altar como prova da existência de Deus.
Não contem pra Ana Carlota que eu reparei na bunda da moça dentro da igreja, ok? Tenho certeza que ela nem notou, porque eu sou muito discreto.
Era um casamento. O vigário (é assim que a gente chama padre de igreja anglicana?) desceu até os bancos, conversou com os convidados, entrou e voltou todo paramentado. Som de órgão, mais convidados chegando. O padreco subiu ao púlpito, disse que estava tudo pronto, só estavam esperando a noiva — “que é um item meio que importante para a ocasião”, disse o vigário.
(Todo mundo é witty nessa terra. Mais tarde pegamos o metrô e o condutor desejou a todos uma boa tarde, um feliz ano novo. “E não impeção o fechamento” — fecha porta, abre porta, fecha porta, abre porta, fecha porta, abre porta — “das portas”. Timing perfeito.)

O casamento estava para começar, então não íamos ficar lá dentro. Saímos pela porta lateral, encontramos a noiva já pronta para entrar pela porta de trás (e o noivo se preparando pra entrar pela porta de trás da noiva, que eu não sou inglês, sou brasileiro, porra!)
Saímos, bebemos e comemos num pub, fomos ao teatro ver o musical Billy Elliot. Eu ainda não estou preparado para escrever sobre Billy Elliot. Só digo que eu não sabia que a humanidade ainda conseguia, nesta nossa época, produzir tanta beleza.
 
E agora vou ali chupar uns soldados, que marinheiro é salgado e preciso controlar a pressão.

Fiquei sócio do clube aqui perto de casa. Assim, bem perto. Vou a pé. É na minha porta. É ali na cozinha.
Mentira.
É aqui na sala.
Mentira. É a Associação Atlética São Paulo. Tem quadras de tênis, aparelhos de ginástica, campos de futebol society. Eu não pretendo usar nada disso. Tem uma piscina olímpica também, e essa eu uso. Uso pra dar um tchibum e depois boiar um pouco. O ruim disso: eu, uma grande massa marrom, pulo na água e fico lá boiandão. Quando você for ao banheiro, pode anunciar: “Licença, galera, vou levar o Marco Aurélio no clube”.
Esqueça isso, por favor.
O negócio é que eu aprendi a nadar numa piscina de 2,5 por 4 metros. Dois metros e meio de circunferência, quatro de profundidade. Mentira,  ok? 2,5 x 4,0 x 1,2. Essa foi a piscina GRANDE que meu pai fez quando éramos crianças. Antes dela, meu pai e Seu Édson, o pedreiro faz-tudo da família, bolaram uma coisa bem menor. Era um buraco retangular cimentado tão pequeno que meu pai não chamava de piscina, mas de POÇO RECREATIVO. E eu acho que ele e Seu Édson se esqueceram de alguns detalhes, como colocar um ralo, por exemplo. A gente enchia aquela piscina com a mangueira (e nem enchia muito, meu irmão era muito pequeno, podia se afogar e blablablá), brincava ali um dia ou dois. Depois disso a água começava a ficar turva, depois suja, depois podre. Aí era hora das crianças entraram na água com baldes na mão para esvaziar a piscina. Às vezes chamávamos os vizinhos para brincar só pra depois ter mais braços no trabalho de esvaziamento. A gente ficava naquilo a manhã inteira, como náufragos num bote salva-vidas furado. Quando faltava bem pouquinha água, já não dava pra apanhar com o balde, aí vinha a pior parte: a gente ia pegando água com uma pazinha de lixo e jogando num balde. Enche a pá, enche o balde, joga água pela borda da piscina. Enche a pá, enche o balde, joga água pela borda da piscina. Enche a pá, enche o balde, enche o saco, morre. Acho que o POÇO RECREATIVO não era para a gente se divertir nadando: era para nossos pais se divertirem vendo a gente esvaziando aquela desgraça. Acho até que minha mãe fazia pipoca nessas ocasiões, mas pode ser uma memória falsa.
Mas eu dizia que meu pai me ensinou a nadar. Seu Lindauro era do sertão da Bahia, de uma região mais seca que a Dilma Rousseff. Água era coisa muito rara por lá, mas existiam açudes sazonais. Quando o açude estava cheio, meu avô aproveitava para ensinar os filhos a nadar. Na vez do meu pai, foi assim: Seu Júlio, meu avô, colocou meu pai na cacunda e atravessou o açude nadando. Aí voltou, tornou a atravessar. Na quarta travessia, chegou no meio, jogou meu pai lá longe e gritou: “agora sai nadando!”. Meu pai aprendeu que foi uma beleza. Nadava em qualquer lugar, sem medo. Íamos à praia, ele já corria pro mar, ia nadando, nadando, até a gente ver só aquela cabecinha lá longe — longe a ponto de eu poder me referir à cabeça de alguém da família no diminutivo.
Quando meu pai me ensinou a nadar, não foi nada tão dramático. Ficávamos lá na piscina (a piscina GRANDE), ele estendia o braço. Aí era só apoiar o abdome na mão dele e bater as mãos e os pés. Pronto, já sabe nadar. Próximo!
Então é assim: eu entro na água, consigo me deslocar, mas não sei nadar. Eu atravessei a piscina olímpica no sábado e saí direto pro INSS pra pedir aposentadoria por invalidez. Estou pensando em contratar um instrutor de natação particular, porque o clube não tem essas coisas. Gosto de ficar na água, me sinto bem. E um dia quero ensinar meus filhos a nadar do jeito certo, porque o jeito da minha família é zoado.

Existe um shopping center em São Paulo chamado Center Norte. Eu odeio shoppings, mas odeio muito mais o Center Norte. Está sempre cheio, estacionar é quase impossível. As lojas ficam todas num piso só, é tudo muito confuso, sempre me perco. Odeio.
Então eu estava precisando comprar bermudas e para onde eu fui? Pois é. Numa sexta-feira à noite. Perto do Natal. Black Friday. Eu não sou muito inteligente.
Cheguei e fiquei dando voltas no estacionamento. Muitas voltas. Sabe aquele disco Gita, do Raul Seixas? Tocou mais da metade e ainda chegou na segunda música do disco seguinte, o Novo Aeon (a segunda música, muito adequada à ocasião, é o Rock do Diabo). Raul Seixas lá pedindo um porco vivo pra encher a pança (mais dois quilos de alcatra com moqueca de esperança), quando me aparece a vaga perfeita. Perto da porta, com marquise em frente para proteger da chuva que estava naquele vai-não-vai. Uma senhora entrou no Corolla que ocupava a vaga, ligou o carro. Eu mantive uma distância respeitosa e dei seta. Outro carro embicou. Eu avancei um pouco, o cara abriu o vidro para explicar: não queria a vaga, só queria passar pra deixar as filhas no shopping. Muita gentileza dele me avisar, dei passagem. Ele passou, continuei lá. A senhora não tinha muita noção de espaço, como eu também não tenho, então fui um pouco mais pra trás. Ela saiu da vaga, eu dando seta. Ela ajeitou o carro, eu dando seta. Ela partiu, eu dando seta, o Raul Seixas dizendo que foi o Diabo mesmo quem lhe deu o toque, e um corno filho de uma puta remelenta que estava atrás de mim (o corno, não a puta da mãe dele) acelerou para pegar a vaga.
Eu achava que isso só acontecesse em seriado americano. Uma pessoa está sinalizando para entrar numa vaga esperando que o ocupante anterior saia, aí vem um folgado e entra na frente. Esse cara tinha um jipão branco. Um Farmer XL Gold 2013. Sei lá, entendo nada de carro. Era um desses carros de luxo. Nêgo agora tá com essa mania de comprar carrão com cor de táxi, vai entender. O cara acelerou o jipe dele. Quanto custa uma porra dessas? Uns 200 mil, por aí? Eu dirijo um Civic 2001, na última vez que eu tive curiosidade de olhar o valor de tabela era 17 mil. Se meu carro amassa, eu deixo amassado, foda-se. Um sujeito com aquele carro tão chique, tão grande, não vai querer sair por aí com o carro amassado. O carrão compensa o pinto pequeno, seria como se um de nós andasse por aí com o pinto amassado na lateral da chapeleta.
Acelerei também. O rapaz do pinto pequeno ficou brabo, uma mão enfiada na buzina e a outra no rabo, rasgando de raiva. Nem liguei. Entrei na MINHA vaga. O moço saiu cantando pneu. Raul Seixas já estava cantando Eu Sou Egoísta. Muito adequado, Raul. Desliguei o carro e saí assoviando.

Agora que os mensaleiros foram julgados e presos, a onda é tentar desviar a atenção do público para fatos acessórios que nada têm a ver com o caso. Um deles é o sobradinho do José Genoíno no Butantã. A massa difusa de militantes petistas nas redes sociais começou a compartilhar as fotos do sobrado com o título irônico de “A mansão de Genoíno”. O argumento: se Genoíno roubou como estão dizendo, por que continuava morando nessa casinha de merda?
GenoinoEsse pessoal acha que a gente é retardado.
O negócio do Mensalão não era pagar uma mesada a parlamentares de OUTROS PARTIDOS para que votassem com o governo? Não era um esquema do PT para ganhar força e apoio político? Então por que caralhos essa gente compartilha no Facebook a foto do sobradinho do Genoíno? Genoíno não foi condenado por enriquecimento ilícito. Foi condenado por formação de quadrilha e corrupção ativa (por oferecer vantagem indevida a outras pessoas).
Isso não é uma exceção. O PT funciona assim: seus quadros entram em esquemas de corrupção assim que sobem ao poder. Não para enriquecer, mas para enriquecer o partido. De orelhada, lembro do esquema de coleta de lixo em Ribeirão Preto e do outro em Santo André, que acabou na morte esquisita do Celso Daniel.
Políticos comuns roubam para enriquecer. O PT rouba para comprar voto e passar as leis que estão na agenda do partido.
Genoíno está velho, doente e com depressão. É triste, só um monstro não sentiria compaixão. Mas o que a história da casa dele não é compaixão: é a tentativa de criar um mártir. Querem plantar na mente do público a idéia de que a justiça condenou um inocente.
Genoíno não é inocente. Era presidente de um partido que comprava voto de parlamentares. Como presidente do partido, participou do esquema, assinou papéis. A casa do Butantã não entra nessa conta.

Você passa a vida inteira sem falar o que você pensa, o que você sente, o que você deseja. Nada te impede de falar, mas você não fala mesmo assim. Pode magoar alguém. Pode dar problema. Pode foder toda a sua vida.
Então você vai guardando, guardando, e essas coisas toda que você não fala vão se acumulando lá dentro. Vão se empilhando, crescendo, e viram lindas frutas.
“É do tamanho de uma cereja.” “É do tamanho de uma laranja.” “É uma ameixa seca e está num lugar onde não conseguimos chegar. É inoperável. Sinto muito.”
Deve ser horrível receber um diagnóstico de câncer quando você está com fome.
Um dia você descobre que virou a Carmen Miranda do avesso, com todas as frutas dentro de você. Uma manga no estômago, uvas no intestino grosso, nêsperas no cérebro. E aí você percebe que se fodeu, se fodeu grandão, um pepinão no seu rabo.
Guarde não. Melhor falar.

Meu pai nunca deixou a barba crescer. Ele fazia a barba todo dia? Não sei. Um daqueles detalhes que a gente não nota. Pequeno demais, cotidiano demais.
Acho que ele fazia a barba todo dia. Devia ficar um dia sem fazer no final de semana. Sábado, provavelmente, já que domingo era dia de igreja: melhor terno, melhor sapato, cheiro de colônia pós-barba. No final do dia, a barba dele já estava áspera. “Pinicando”, eu dizia. Ele chegava do trabalho, eu ia abraçá-lo e sentia o cheiro bom dele e a barba pinicando.
(Eu confio em qualquer homem que tiver o cheiro que meu pai tinha quando chegava do trabalho. Nunca encontrei nenhum.)
Às vezes, quando a barba estava mais pinicante, ele corria atrás da gente pra passar a barba na nossa cara. Era divertido. Eu olhava e queria ter barba, queria ter o ritual de fazer a barba.
Eram esses os dois modos do rosto do meu pai: liso e pinicante.

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Na adolescência, perdi o costume de abraçar e beijar meu pai quando ele chegava do trabalho. Também perdi o costume de abraçar e beijar minha mãe quando eu chegava em casa. Sou bruto, demonstrações de afeto não são meu forte. Depois que minha irmã casou, ela nos abraçava e beijava quando vinha visitar. Meu irmão casou, mesma coisa.
Quando eu me casei, pude voltar a abraçar e beijar meus pais. Há quanto tempo não nos vemos, como vai, dê cá um abraço. Bobagem. Eu tinha dois anos de casado quando meu pai morreu. Nem deu pra aproveitar.

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Noite passada eu sonhei com meu pai. Estávamos frente a um palco, assistindo alguma coisa. Um show, um programa de TV, não sei. Ele estava bem jovem, a barba por fazer não tinha nenhum fio branco. Eu sabia que não era de verdade, meu pai está morto, mas mesmo assim conversava com ele. Era um avatar, um holograma, uma simulação; mas parecia real e isso me bastava.
— Pai — eu disse — existe vida após a morte?
E ele respondeu:
— Eu tenho certeza… que às vezes eu acho que sim, às vezes eu acho que não.
No sonho, não era só uma resposta sem sentido: era uma piada, e eu ria. Rindo, abracei meu pai.
Abracei meu pai e senti a barba dele no meu rosto. Áspera. Pinicando.
Comecei a chorar. Não o choro composto de um homem de minha idade. Não a lágrima descendo devagarinho, lagarta de vidro, a boca se torcendo pra baixo. Não: um “ãããããããããããã” prolongado, como choro de criança. Como o choro que chorei todos os dias (no banho, no carro indo pro trabalho) por muito tempo depois que ele morreu.
Chorei tão alto no sonho que acordei assustado e chorando — de verdade e de maneira aceitável. Peguei no sono chorando e pensando no meu pai, no abraço dele, na barba dele pinicando. Quando eu morrer vai ser igual quando eu casei? Vou poder abraçar e beijar meu pai de novo?
Eu tenho certeza que às vezes eu acho que sim, às vezes eu acho que não.

Quem lia este blog no tempo em que ele ainda estava vivo sabe que eu não resisto a um teste. Sim, esses testezinhos safados de internet. Você responde umas perguntas e no final sai lá o resultado: que personagem de Friends você é, que planeta do Sistema Solar, para que círculo do inferno você vai, essas coisas.
Um tipo de teste que eu adoro é o de ideologia. Eu conhecia o Politicômetro da Veja e o Political Compass; em ambos me saio como liberal de direita:

Politicometro

PoliticalCompass

Esta semana a Folha de S. Paulo publicou seu próprio teste de tendências políticas e é claro que eu não resisti. Fui fazendo, estranhando as perguntas, e no final veio a surpresa desagradável: centro-esquerda.

Então percebi que o teste foi feito já pensando nisso mesmo: tudo o que é bom, bonito, moderno é de esquerda. Tudo o que é ruim, feio e retrógrado é de direita. A Folha acha que eu sou retardado. Querem ver? Vamos às perguntas.
1. Posse de armas:

  • Arma legalizada deve ser um direito do cidadão para se defender
  • Deve ser proibida, pois ameaça a vida de outras pessoas

Eu não quero ter arma, não gosto de arma, não sei nada sobre armas. Tenho vontade de fazer umas aulas de tiro, imaginar várias pessoas que me irritam no lugar dos alvos, mas só isso. Esse sou eu. Os outros são os outros. Entendo quem se sente mais seguro tendo uma arma em casa. Eu moro numa casa, é muito fácil entrar lá. Às vezes penso que seria bom ter uma arma. O ladrão entra no escuro, eu desço a escada sem fazer barulho e engatilho minha Schwimm-Larson .45 (sei nada de arma) e o cara se caga de medo. Eu mando ele deitar no chão, amarro o sujeito com pedaços de varal, chamo a polícia. O cara vai preso, eu dou entrevistas posando de herói humilde.
Tá, minha cabeça funciona assim, eu sou doente, não vem ao caso. Armas são perigosas, mas a vida anda perigosa também. Num jogo assim, é bom ter algum cacife. Uma criança pode pegar a arma e se matar? Pode. Ela também pode morrer afogada na piscina ou entornando uma panela de água fervendo. A vida é perigosa.
Bom: sou a favor da legalização das armas, com as restrições cabíveis. Isso me faz um monstro reacionário direitista do inferno? Que seja. Próxima pergunta:
2. Migração

  • Pobres que migram contribuem com o desenvolvimento
  • Pobres que migram acabam criando problemas para a cidade

É claro que os migrantes contribuem com o desenvolvimento, diabo. Meus pais e tios vieram da Bahia e fizeram muito mais por São Paulo do que São Paulo fez por eles. Isso para mim não tem discussão. Todo mundo é livre para ir aonde estão as oportunidades de trabalho. Isso é liberdade individual, bandeira do liberalismo. Mas é óbvio que a Folha pensa que minha opinião faz de mim um esquerdista. Paciência.
3. Homossexualidade

  • Deve ser aceita por toda a sociedade
  • Deve ser desencorajada por toda a sociedade

Aceita. Deve ser aceita. Liberdade individual. O que é que a sociedade tem que se meter no que o indivíduo faz na cama (ou no chão, ou no carro, ou no banheiro da boate enquanto cheira cocaína)? Quem disser que a homossexualidade deve ser “desencorajada” (como faz?) não é de esquerda nem de direita: é idiota.
4. Pobreza

  • Boa parte está ligada à falta de oportunidades iguais
  • Boa parte está ligada à preguiça de pessoas que não querem trabalhar

Só existem essas opções? O mundo não é justo, lide com isso (eu ia escrever “deal with it”, mas aí iam me acusar de vendido ao capital americano ou sei lá que ofensas a esquerda usa hoje em dia). Há oportunidades, mas elas não são iguais, assim como as pessoas não têm todas a mesma capacidade, talento, sorte etc. Voto na primeira opção porque é nojento dizer que o pobre é pobre por ser preguiçoso. Quem acha isso, mais uma vez, é idiota. E aí dou essa opinião e a Folha, contra minha vontade, me empurra um pouquinho mais para a esquerda.
5. Pena de morte

  • Não cabe, mesmo que a pessoa tenha cometido um crime grave
  • É a melhor punição para indivíduos que cometem crimes graves

Sou contra a pena de morte pelo mesmo motivo por que sou contra o aborto: algo muito forte dentro de mim me diz que a vida é sagrada. O ex-artista Caetano Veloso fala do cardeal “… que vê tanto espírito no feto e nenhum no marginal”. Eu vejo tanto espírito no feto quanto no marginal e sou contra terminar deliberadamente a vida de qualquer um dos dois. Essa coisa de achar que a vida é sagrada tem um quê de religião, eu sei. Religião, segundo a Folha, é coisa de direitista. Só que sou contra a pena de morte, então dou mais um passo à esquerda. É um caralho.
6. Sindicatos

  • Servem mais para fazer política do que para defender os trabalhadores
  • São importantes para defender os interesses dos trabalhadores

Os sindicatos existem para defender os interesses dos trabalhadores, e houve época em que faziam isso mesmo. Isso acabou. Líderes sindicais querem fazer carreira política e ganhar dinheiro. Estou falando de orelhada, dos sindicatos que já conheci. Talvez ainda exista algum à moda antiga. Como só posso falar do que conheço, primeira opção.
7. Criminalidade

  • A maior causa é a falta de oportunidades iguais para todos
  • A maior causa é a maldade das pessoas

Durante muito tempo eu fiz muito esforço para acreditar na primeira opção. Mas não, né? Tem gente ruim no mundo, muita gente ruim. Há quem não seja exatamente mau, mas que prefira o caminho mais fácil de roubar. E existe gente que é levada ao crime pelas circunstâncias, claro que existe. Gente que comete um crime e depois não dorme de consciência pesada. É a maioria? Já tentei achar que sim. Hoje acho que não. Há maldade no mundo. Esse negócio da esquerda de achar que todo mundo é bonzinho seria até bonito se não fosse uma mentira consciente e sem-vergonha.
8. Adolescentes

  • Aqueles que cometem crimes devem ser reeducados
  • Aqueles que cometem crimes devem ser punidos como adultos

Vocês podem não acreditar, mas eu já fui adolescente. Tinha total consciência de tudo o que eu fazia, e noção de causa e efeito. Eu sabia que se fizesse merda ia me acontecer merda. Adolescentes devem ser punidos, só tenho dúvida quanto a esse adendo “como adultos”. Se significa ir pra cadeia junto com os marmanjos, discordo porque NÃO CABE MAIS NINGUÉM NA CADEIA, PORRA. Se significa ser preso, cumprir pena, pagar a tal dívida com a sociedade ao lado de outros dimenors, concordo.
9. Drogas

  • Uso não deve ser proibido, pois o usuário é o mais penalizado
  • Uso deve ser proibido, pois a sociedade é a mais penalizada

Libera tudo. Liberdade individual. “Ah, mas a saúde pública…” O sistema público de saúde é uma merda e vai continuar sendo uma merda. Além do mais, não vão ser 190 milhões de brasileiros trincadões de cocaína ou chapados de maconha. Quem usa vai continuar usando, alguns que não usam vão experimentar.
10. Religião

  • Acreditar em Deus torna as pessoas melhores
  • Acreditar em Deus não necessariamente torna uma pessoa melhor

Ah, sim, porque ESSA é a questão mais importante sobre religião. Pergunta idiota. Só acreditar em Deus não faz ninguém ser melhor. Deixar de acreditar também não.
E aí vem o resultado:
teste_folha
Ô, Folha, vai à merda. A única coisa que eu tenho de centro-esquerda é o pinto.

Olá! Sim, o blog ainda existe.

Meu CPAP querido


Seguinte: muita gente chega aqui procurando informações sobre apnéia do sono, polissonografia, CPAP. Isso por causa desse post, e desse, e desse. Alguma dessas pessoas deve estar procurando um CPAP usado para comprar. Se você é uma dessas pessoas, chegou o seu dia de sorte: estou vendendo meu CPAP ResMed S7 Lightweight por um precinho camarada. Está anunciado por 600 reais, mas para quem achar pelo blog eu vendo por 500.

É tanto barulho que até este blog saiu do coma. Vou escrever umas coisas que estou pensando agora, depois vou atualizando este post (enquanto a Abin deixar).
Desde que começou a onda de protestos, eu tenho me manifestado no Twitter apenas com estupefação. Não entendo o que está acontecendo. Lá no começo, tipo quinta-feira passada, parecia que era só eu. Depois do que aconteceu na terça-feira e do que acontece agora mesmo no país inteiro, cada vez mais gente entende cada vez menos.
Era pelos 20 centavos de reajuste na tarifa de ônibus. Aí depois não era mais pelos 20 centavos, até a Lady Gaga teve o cuidado de me informar isso. Haddad e Alckmin reduziram as tarifas em São Paulo, Paes e Cabral no Rio, e o povo disse que ia sair hoje para comemorar. Foi aí que eu não entendi mesmo nada: se era pelos 20 centavos, por que falaram que não era? Se não era pelos 20 centavos, comemorar o quê?
Hoje de manhã, li a notícia que pela primeira vez me deixou preocupado: o PT e outros movimentos de esquerda preparavam uma “Onda Vermelha” pelo país. Todos os protestos até agora estavam hostilizando os partidos. Gente do PSTU e PCO foi escorraçada nas ruas. Essa atitude do PT, convocada pelo cacique Rui Falcão, só podia ser provocação.
Acho que era provocação mesmo. Hoje em São Paulo, cenas de manifestantes queimando bandeiras do PT. Não é só a bandeira de um partido: há 10 anos, PT e governo são uma só coisa, e o governo tenta fazer o povo acreditar que governo e Nação também são uma só coisa. Quem queimou bandeira do PT prestou um serviço ao próprio PT. Fingindo um embarque tardio nas manifestações, o PT conseguiu pretexto para sair amanhã posando de vítima. Vai ser a brecha que o governo esperava para adiantar pontos que estão na agenda desde 2003, a começar pelo controle dos meios de comunicação.
Há quem diga que os acontecimentos de agora profetizam um golpe da direita. Filhos, a direita não consegue organizar nem uma quermesse, que dirá um golpe. O único golpe que pode surgir agora é de dentro do próprio governo. O Estado, que já vive com dois dedos no cu da gente, se prepara para enfiar os dois braços e bater palma. E conheço um monte de tonto que, já com o rabo anestesiado depois de tanto tempo, vai aplaudir junto.