Hoje é Páscoa, dia muito adequado para ressuscitar o JMC. Ando deprimido e Ana Cartola diz que eu preciso encontrar algo que goste de fazer. O problema é que ultimamente eu não gosto de fazer nada. Então pensei: o que é que me dava prazer antes quando eu estava triste?, e lembrei aqui do véio JMC. Resolvi voltar, então.
Pensei muito antes disso. Um pensamento só, na verdade: será que meu pai se ofenderia se lesse este blog? Acho que não: eu e ele temos isso em comum, essa intimidade com os personagens da Bíblia. Meu pai, eu já contei aqui, comia pão com peixe e dizia: “Isso me lembra de quando Cristo multiplicou os pães e os peixes. Dois peixinhos, cinco pãezinhos: cinco mil pessoas comeram e ainda sobrou pão e peixe pra elas levarem pra casa”. Era como se ele tivesse estado lá. E assim ele era com Moisés, Davi, Paulo, João Batista, Daniel: contava histórias deles do mesmo jeito que contava histórias da infância em Monte Santo.
Mas mais do que isso, meu pai acreditava que todas as coisas eram segundo a vontade de Deus. Já recebi muitos e-mails e comentários de leitores cristãos dizendo que a minha versão da Bíblia os fez entender alguns trechos mais obscuros. Esses leitores dizem que Deus me usa para clarificar a mensagem dele. Eu às vezes gosto de fingir que acredito nisso: que existe um Deus, e que ele quer que eu tire sarro da Bíblia. Que meu pai está lá com esse Deus agora, e com os amigos que ele nunca conheceu aqui na Terra: Moisés, Davi, Paulo…

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Para reabrir os trabalhos, um negócio que eu escrevi sobre ressurreição uma vez:

E há também a ressureição, é claro. Porque, vejam, hoje em dia você dizer que Jesus ressuscitou ou não dá no mesmo, ao menos em lugares razoavelmente civilizados. Porém, quando o cristianismo começou, professar essa certeza significava ser crucificado, ou comido pelos leões, ou exilado numa ilha remota até ficar maluco ou, na melhor das hipóteses, condenado a uma prisão domiciliar perpétua, que foi o que aconteceu a São Paulo. E, apesar disso, dezenas e dezenas de homens e mulheres continuaram afirmando que o tal judeu que morrera poucos anos antes era filho do único Deus existente, e que ressuscitara ao terceiro dia. Ei, há algo de errado aí. Pensem em Pedro, por exemplo. Pedro andou com Jesus o tempo todo. Devia ser seu discípulo mais chegado, se repararmos no quanto Jesus tirava sarro do coitado. Então: quando chegou a hora do vamos ver, Pedro não titubeou em fazer todas essas afirmações perigosas. Ora, se a ressureição fora um embuste, que razão o pescador teria para manter essa posição? Será que ele estava doidinho para morrer crucificado de cabeça para baixo?
E Tiago, então? Tiago era irmão de Jesus. E quem tem irmãos sabe bem que eles não vão dar muita trela para o que você fizer. Não sei se Einstein tinha irmãos, mas vamos supor que tivesse: aposto que o irmão de Einstein achou todo aquele negócio de Relatividade, revolução da ciência, nova visão do universo e o escambau apenas “outra bobagem dessas do Albert”. Tiago era irmão de Jesus, portanto devia ser o último a se deixar convencer pela religião fundada pelo primogênito da família. E no entanto, sabem como ele saúda os cristãos em sua epístola universal? “Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo, às doze tribos da Dispersão, saudações”. Opa, aí está uma coisa que eu queria ver só uma vez: meu irmão se referindo a mim como “senhor”. Mas sabem quando isso vai acontecer? Nunca! Mesmo que um dia eu ganhe o Nobel de Literatura, ou descubra a cura definitiva para as frieiras, ou invente o moto-contínuo, meu irmão só vai olhar e dizer, “Ih, lá vem o Marco com as coisas dele”. Porque irmãos são assim, ora. Então por que Tiago não só se referia a seu finado irmão com o respeito devido a um deus, como ainda afirmou sua ressurreição, sendo levado à morte pela espada por isso? Não é normal, não é normal.
A fé que eu sustentei pela maior parte da minha vida era herdada de meus pais. Esse tipo de crença não se sustenta, e estou feliz por tê-la abandonado. Agora, porém, reconheço a possibilidade de voltar à fé por um caminho mais difícil e totalmente inesperado. E talvez não, talvez seja só minha cabeça me pregando peças. Eu sei lá. Nada no universo me leva a crer nem por um instante que exista algum tipo de deus, mas essa questão toda de Jesus Cristo me apoquenta diariamente.

Leiam o post todo, se puderem. Não é particularmente bem escrito, mas é muito atual para mim.

Hoje eu dei uma idéia muito boa (modéstia à parte) para o quadro Identidade Nacional do CQC. O pessoal não quer fazer, então dou a idéia aqui para quem quiser tentar:
É uma situação com câmera escondida. Colocamos um grupo de meninos num playground. São todos atores, assim como é ator o pedófilo que chega e puxa assunto com os meninos. Ele dá doces, acaricia e pega no pintinho de todos, menos do menininho preto. A idéia é mostrar como as pessoas reagem a esse flagrante de racismo.

Tenho pensado em voltar a escrever aqui, mas sempre desisto. Só consigo pensar em escrever sobre meu pai e a falta que ele me faz, mas não quero. Não quero gente opinando sobre isso, como se alguém tivesse idéia do que estou passando nos últimos meses.
Pensei em voltar com o blog antigo, continuar tirando sarro da Bíblia, que se foda. Tenho tentado acreditar em Deus, mas não consigo. Nenhuma revelação acontece, é claro, e os argumentos de quem acredita soam ingênuos, infantis ou claramente desonestos. Só que não quero tirar sarro da Bíblia. Meu pai gostava muito da Bíblia, lia todo dia. Não vou fazer pouco de algo que era tão importante para ele, que era o lastro da vida dele.
Então não quero escrever nada. Foda-se.