Há dias tento escrever alguma coisa sobre minha sogra e não consigo. Começo, apago. Tudo soa insuficiente perto do que ela era para mim e do que sinto agora. Então digo só que sinto muito a falta dela. Ela era minha cupincha, minha camarada.

Há meses eu vivia a expectativa de ser vizinho da minha sogra. Quando finalmente nos mudamos, há três semanas, ela estava no hospital se recuperando de uma cirurgia. Estava bem, até. Dias antes eu tinha ido ao hospital, fui ajudá-la a se ajeitar na cama. Enquanto fazia isso, disse: “nada mudou, hein Dona Vera? O preto aqui fazendo o trabalho pesado e a portuguesa deitadona aí, só na moleza”. Ela conseguiu rir disso. Acho que era isso que eu mais gostava nela: ela sempre conseguia rir das bobagens que eu falava.

Aí ela morreu e uma parte muito importante da minha vida não existe mais. Às vezes eu penso em fazer um comentário qualquer à mesa e desisto: era um comentário específico pra Dona Vera, algo que a faria rir, ou se escandalizar, ou — o mais freqüente — as duas coisas. Lembro da primeira vez que cantei “No Cume” para a família reunida. Primeiro ela fez aquela cara de “que horror!”, depois se levantou e começou a dançar. A música virou um clássico obrigatório sempre que um violão aparecia, e Dona Vera sempre dançava. Tenho isso em vídeo; ainda não criei coragem de assistir.

Todo canto daquela casa me lembra dela. Dona Vera era uma pessoa muito inteligente, culta. Falava muito bem, gostava de ouvi-la falar. Gosto de ouvir meu sogro também, passamos horas conversando. Ele tem muita história, passou por muita coisa nesses 73 anos. Só que agora as histórias dele são como todo o resto — a casa, os objetos, os filhos, ele próprio — porque tudo me faz pensar na minha cupincha que foi embora.