Antes, uma explicação.
Escrevi essa versão antes daquela que foi publicada. Texto comprido, muita informação num capítulo só. Escrevi do jeito que deu, cheguei a salvar como rascunho no blog. Fui ler e achei uma merda. Aliás, eu não achei nada. Os encostos acharam.
Pois vejam: eu ando muito self conscious ultimamente, parece que tem sempre meia dúzia de zoião me observando enquanto escrevo. Aí fico vexado. Escrevo uma frase e o pessoal que tá espiando já começa a palpitar: olha a voz passiva, olha a concordância, olha a ambigüidade, que porra é esse trema, cadê as aspas quando a gente fala.
Malditos encostos.
Fora isso, meu cérebro é um vazio. Quando preciso de uma idéia, olho lá dentro da cabeçorra e é só um descampadão, o vento assobiando. Escrevo mesmo assim, e o resultado sempre me desagrada. Pior: não reconheço como texto meu. Imaginem uma cadela que passou por uma cesariana. Ela acorda da anestesia, vê aqueles filhotes ali do lado dela e não entende porra nenhuma. Se não tiver ninguém por perto para impedir, ela mata tudo. Eu estou que nem essa cadela. Uma cadela gorda e careca.
Ah, que imagem linda.
Esqueçam a cadela. Imaginem uma pessoa que perdeu o sentido do paladar. Estou feito esse infeliz aí, que bota um negócio na boca e não sabe se é sorvete de morango um um filhote de cachorro.
Mas eu dizia que escrevi esse texto de agora e os encostos reprovaram. Desisti, fui fazer outra coisa, aí me veio a idéia de contar a mesma história naquele formato de diálogo. Pareceu uma boa idéia na hora, mas antes da metade do texto eu já sabia que não estava legal. A idéia era besta, a execução era mais besta ainda. Acabou ficando um negócio basbaque, artificial. Mas é claro que tudo o que escrevo ultimamente me soa artificial.
Então foi isso que aconteceu: escrevi dois textos e ambos me parecem a mesma coisa. Só que deram trabalho igual, então nada mais justo do que publicar os dois. Os encostos discordam: acham que eu não devia publicar era nenhum e desistir logo desse negócio de escrever. Mas, pô, é a única coisa em que eu consigo ser ao menos medíocre; em todo o resto eu sou ruim pra caralho.
Ó:

A ordem em Judá e a bagunça em Israel

(II Reis 15)
Este capítulo mostra bem a diferença entre os reinos do Norte e do Sul, Israel e Judá. Em Israel, os reis preferiam a putaria das religiões pagãs. No começo da história de cada um desses reis, o autor diz que eles fizeram “o que era mau aos olhos do Senhor e não se apartaram dos pecados de Jeroboão, filho de Nebate, que fez pecar a Israel”. Esses “pecados de Jeroboão” eram o de sempre: idolatria, desrespeito pela religião oficial, perseguição aos profetas. Javé se emputecia e toda hora mandava uma desgraça qualquer para acabar com a raça do rei. Em Judá, vez em quando ainda aparecia um rei que andava na linha e não irritava Javé.
Foi o caso de Uzias, que sucedeu seu pai Amazias na época em que Jeroboão II (nenhum parentesco com o Jeroboão original) era rei de Israel. Uzias (que também atendia por Azarias) seguiu a religião direitinho, respeitou os profetas e coisa e tal. Em retribuição, o Senhor Misericordioso (louvado seja) sapecou-lhe uma lepra. Para não se desfazer aos olhos dos súditos, Uzias se mudou pra uma casinha separada do palácio, deixando seu filho Jotão como rei de fato. Se Uzias tentava meter o nariz em assuntos do reino, Jotão bronqueava e devolvia o nariz ao pai. Era uma merda.
Uzias reinou por 52 anos, boa parte deles isolado em seu barraco de leproso. Quando não estava louvando ao Senhor por tantas bênçãos recebidas, sua diversão era apostar com as visitas que conseguia coçar a orelha com o dedão do pé — o que não era tão difícil quanto parecia, e só espantava as visitas.
Este capítulo também mostra muito bem como é difícil acompanhar a sucessão de nomes esquisitos e dinastias na Bíblia. Uzias-Azarias era da dinastia de Davi, que reinava ininterruptamente havia mais de 230 anos. O mesmo não acontecia em Israel. Quando o reinado de Uzias ia ainda pelo trigésimo-oitavo ano (ele já caindo aos pedaços), o rei de Israel Jeroboão II morreu, e seu filho Zacarias subiu ao trono. O reinado de Zacarias durou só seis meses. Um tal Salum juntou meia dúzia de descontentes, derrubou Zacarias e assumiu o trono. Zacarias foi o quarto e último descendente de Jeú a reinar em Israel. Terminava a quinta e mais longa dinastia israelita após a divisão do reino.
O reinado de Salum foi um sucesso: durou um mês. Um certo Menaém, morador da cidade de Tirza, não aceitou o novo rei. Ele não suportava usurpadores, e por isso foi até Samaria, matou o rei e assumiu o trono. Menaém era uma dessas pessoas de bom coração. Vejam só: os moradores da cidade de Tifsa se recusavam a reconhecê-lo como rei. Então ele invadiu a cidade, matou os moradores de toda a região e rasgou a barriga de todas as mulheres grávidas. Um docinho de pessoa.
Menaém, o Virtuoso, foi rei durante dez anos. Javé não ia com a cara dele, mas também não fez nada para derrubá-lo. Tiglate-Pileser, rei da Assíria, até tentou. Invadiu Israel e quase anexou o reino. Mas Menaém foi esperto: entregou trinta e quatro toneladas de prata à Assíria para que o império o ajudasse a firmar-se no poder. Tiglate-Pileser (que tinha o simpático apelido de Pul) aceitou a oferta e voltou para casa com seu exército. Menaém morreu de causas naturais, e seu filho Pecaías ficou em seu lugar, reinando por dois anos.
Agora, se rei israelita já pecava pra dedéu, imaginem um cara chamado Pecaías. Pior do que ele, só um outro cara chamado Peca, oficial do exército. Peca reuniu cinqüenta homens em Gileade e matou o rei quando ele ainda estava se acostumando ao trono. Peca foi o cabeça de Israel por vinte anos, só fazendo o que Javé não gostava — e bem nas fuças dEle. É que Javé tinha entrado numas de ser paciente: em vez de matar o cara logo de uma vez, dizia “tua batata tá assando” e deixava. Foi durante o reinado de Peca que o império Assírio voltou a botar as manguinhas de fora. Tiglate-Pileser, o Pul, anexou as regiões de Gileade, Galiléia e Naftáli, junto com outras quatro cidades, e levou seus moradores para a Assíria como prisioneiros.
Enquanto tudo isso acontecia, o leproso Uzias-Azarias seguia firme como rei de Judá. Quando ele finalmente morreu, seu filho Jotão tornou-se rei de verdade e reinou por dezesseis anos. Foi durante o reinado de Jotão que Peca, rei de Israel, e Rezim, reizim da Síria, atacaram Judá pela primeira vez. Era a nova política da vingança sem pressa de Javé, que já preparava o cenário para a entrada em cena de Acaz, filho de Jotão. Acaz seria provavelmente o pior dos reis de Judá, pior do que os piores de Israel.
Jotão ainda vivia quando uma última conspiração em Israel derrubou o rei Peca. Oséias, líder dos revoltosos, tornou-se rei. Se ele soubesse o que o esperava, teria aproveitado melhor a vida de rei. Comprado uns carros, umas odaliscas, sei lá. Ele não tinha como saber, é óbvio, mas seria o último dos reis de Israel.