Vocês não estão entendendo: eu preciso vender esse carro. Eu devo ao banco; o banco está impaciente. Ligo nas lojas de carro. Ninguém está comprando. Quem aceita um negócio que chamam de “troca com troco” me fala que meu carro vale tanto quanto um Monza 95. Uma sacanagem. Não estou tão desesperado assim.
(Dizem que é A Crise. Assim mesmo. A Crise, como se fosse um ente maligno, feito A Coisa, A Bolha Assassina. O que me irrita é que o monstrinho se autoalimenta: fala-se em crise, todo mundo pára o que está fazendo, esperando o que vai acontecer. Aí ninguém compra nada, ninguém consegue crédito, ninguém produz. A situação piora. Fala-se em crise. E por aí vai.)
A outra opção seria refinanciar o carro — em outras palavras, comprar o carro de mim mesmo. Trabalheira danada, juros, o escambau. Não quero. Mas acho que vou querer se não conseguir vender o carro em uma semana.
Então vocês façam o favor de falar do meu Corsa para seus pais, seus irmãos, seus amigos e vizinhos. A situação, meus caros, tá braba. Eu só penso nisso, só escrevo sobre isso, só falo nisso. Se vocês estão irritados com a monotonia do blog, imaginem a situação de minha pobre consorte.

Você gosta deste blog? Acompanhou com apreensão o périplo do autor para tirar a carteira de motorista? Temeu pela vida do autor quando ele enfiou o Palio no poste? Emocionou-se com o autor aprendendo a trocar pneu? Pois então: hoje é seu dia de sorte! Chegou a hora de me despedir do Corsa que me acompanhou em tantas aventuras nos últimos três anos, e você pode ser o novo dono dessa relíquia de valor inestimável. Não existe outra oportunidade igual!

Tá, mentira. Tem um monte de oportunidades iguais por aí, até melhores. Mas lá vai:

Detalhes: Corsa Sedan Millenium 1.0 8V. Modelo 2002, fabricado em 2001. Tem 4 portas. Vejo por aí gente anunciando carros de 3 ou 5 portas, e não entendo nada: onde fica essa porta ímpar aí? Quem entra por ela? Hein? Hã?
Bom.
O carro tem ar-condicionado, direção hidráulica, vidros e travas elétricas, ajuste de altura no banco do motorista (essas coisas são boas, né?). Rodou 95 mil quilômetros, o bichinho. Revisei esses dias, mas não me perguntem o que o mecânico fez. O sujeito é de confiança; falei pra ele fazer o que precisasse e me mandar a conta. Sei que ele trocou a embreagem, as velas, correias, filtros, pastilhas, cuxumimbos, baquitraques e o mígalo (o mígalo tá uma beleza que só vendo). Antes disso, eu tinha levado para fazer coisas de suspensão e outras coisas que ficam perto da roda. O cara da oficina (outra oficina) falou que trocou as panelas — eu nem sabia que meu carro tinha panelas, — os rolamentos e outras coisas que eu não lembro mais. A porra toda custou uns dois mil reais. Resultado de tudo isso: agora o carro anda até que bem com o ar-condicionado ligado, não faz barulhos e não deixa o dono na mão.
O seguro é barato. O carro tem manual; dizem que isso é importante também, sei lá. Quem comprar leva o CD player Sony com mp3, mais quatro alto-falantes (nada de módulo, caixa selada e outras coisas que eu não sei o que são, mas que desconfio que servem para incomodar o próximo).
Bom, então é isso: o carrinho está uma beleza e é econômico que só a pemba. Eu gostaria de poder explicar mais, mas nem sei o que é virabrequim — só conheço mígalo. O carro é bem tratado, sempre troco o óleo antes da quilometragem marcada, abasteço com gasolina aditivada num posto BR de confiança. De resto, é um Corsa: quem já viu um, já viu todos. Tem valor sentimental, claro: aprendi a dirigir nele (o Palio não conta; se eu tivesse aprendido a dirigir nele, ele não tinha terminado seus dias num poste da Penha). Ralei as laterais do carro no começo, mas arrumei tudo. Agora ele tem só uns raladinhos no pára-choque traseiro, coisa de estacionamento, sabe como é.
Preço de tabela: R$ 19.700. Preço para leitores do JMC: R$ 18.000. Até penso em trocar por um carro mais barato (de 10 a 12 mil, lembram?), mas aí vale o preço de tabela dos dois lados. Acho justo.
Interessou? Falecomigo: marco a/r/r/o/b/a jesusmechicoteia p/o/n/t/o c/o/m p/o/n/t/o br

— O que são aquelas coisas cor-de-rosa no tronco da árvore?
Olhei para onde minha marida apontava. Um punhado de cogumelos crescia na base um tronco à margem do lago no Parque Ecológico Tietê. Fomos até lá para tirar fotos (trabalho de faculdade), acabamos andando cinco quilômetros. Nos trechos mais desertos da trilha, ela falava em assassinos que matavam os caminhantes e os enterravam no lodo.
— São cogumelos — eu disse.
— Acho que não. São chicletes. As pessoas que morreram estavam mascando chicletes. Aí eles grudam os chicletes no tronco das árvores para saber quantas pessoas eles já mataram.
— Eles?
— ELES!
— Ah… E todas as pessoas assassinadas mascavam chicletes? Sempre do mesmo sabor?
— Eles dão chicletes para as pessoas. Depois matam.
— Ah…
Esse é o tipo de diálogo mais comum que temos: absurdos completos que nascem daquela cabecinha coberta de cabelos castanhos (naturais de fábrica!) e se desenvolvem até a loucura absoluta. Por exemplo: vocês sabem por que nunca foram encontrados restos mortais de nenhum pé-grande? Porque existe um ET que carrega os corpos dos pés-grandes que morrem.
O nome do ET é Abduze.
ABDUZE.
Assim são nossas piadas internas. Nada de coisinhas fofas e bonitinhas. Preferimos ETs como agentes funerários da família pé-grande. Ou assassinos que contam suas vítimas grudando chicletes no tronco das árvores. Ou um ET (ela gosta de ETs) que entrou em nosso apartamento, vindo do espaço através do aparelhinho do moço que instalou o telefone. Ou a Libéria, que é um país que foi fundado pelas libélulas (elas construíram uma cerca para não deixar mais ninguém entrar, e agora vivem por lá, libelulando).
Se eu soubesse que ia ser tão legal, tinha casado no primeiro mês de namoro.

Sempre que eu escrevo veado aqui no blog — no sentido de bicha, gay, pederasta, homossexual, fruta etc. — algum outro sinônimo vem me corrigir, dizendo que o certo é viado. Nego tem tanta certeza do que ouviu dizer que nem se dá ao trabalho de procurar no dicionário. Veados do mundo todo, anotem aí a definição do Houaiss:

veado

Datação
sXIV cf. FichIVPM

Acepções
? substantivo masculino
1    Rubrica: mastozoologia.
design. comum a diversos mamíferos ruminantes da fam. do cervídeos, de coloração ger. amarronzada, cornos ramificados ou simples, presentes apenas nos machos, pata com quatro dedos, pernas longas e cauda curta; suaçu
2    Derivação: por metonímia. Rubrica: alimentação.
a carne do veado us. na culinária
3    Rubrica: ludologia. Regionalismo: Brasil.
no jogo do bicho, o 24º grupo, que corresponde ao número do veado (o 24) e abrange as dezenas, 93, 94, 95 e 96
4    Derivação: sentido figurado (da acp. 1). Regionalismo: Brasil. Uso: tabuísmo.
homossexual do sexo masculino

viado

Datação
1340 cf. Eluc

Acepções
? adjetivo e substantivo masculino
Rubrica: indústria têxtil. Diacronismo: antigo.
diz-se de ou tecido de lã, com riscas ou veios
Etimologia
orig.obsc., JM se pergunta sobre a possibilidade de associar o voc. com via,ae ‘caminho, via; trajeto, viagem’ e Figueiredo o relaciona com o lat. vena,ae ‘veia; veio’ por intermédio de um lat.vulg. *venatum (< lat. vena + -atus) ‘dotado de veia ou veios’

O inferno começou na noite da última sexta-feira.
Eu moro no terceiro andar de um prédio da Vieira de Carvalho, reduto gay no centro de São Paulo. Não me importo com os veados — são tranqüilos, engraçados e não mexem com minha mulé. Mas na sexta-feira eu bem queria matar o pederasta desgraçado que parou o carro sob minha janela com o som num volume absurdo. A música que ele (e todo mundo) ouvia:
Solteira, sim
Sozinha, nunca
Sou Garota Melancia
E rebolo a minha bun-da!

Desde então a desgraça da música não sai da minha cabeça. Para piorar, fico pensando no pai de Andressa Soares, a Mulher Melancia. Procurei a música no YouTube; encontrei um trecho do programa da Luciana Gimenez. A Melancia dançava e esfregava a bunda na lente da câmera. Imaginem o desgosto do velho ao ver a filha na TV, cantando isso e rebolando a bunda nas quarenta e duas polegadas da tela de LCD (que ele só tem porque a filha rebola a bunda na TV).
Só matando.

Bom, reduzi minhas opções, graças a duas pessoas conhecidas que estão vendendo carros por um preço que eu poderei pagar: o pai de uma amiga e uma leitora muito querida deste blog.
Só que tem uns detalhes aí. Então torçam para dar tudo certo, que depois eu deixo todo mundo dar uma voltinha no meu carro velho novo.
E desculpem a monotonia de assunto. Maldita ansiedade.

Uau! 90 comentários para me ajudar a escolher um carro velho. Tive o trabalho de contar as opiniões positivas e negativas para cada modelo, e classificá-los de acordo com o saldo. Até agora, Corsa (+6), Monza (+5), Corolla (+4) e Subaru (+4) são os melhores. Os piores são o Daewoo Espero (-3), o Hyundai Accent (0) e, para minha surpresa, o Escort (também -3). Destaques para dois que pontuaram bem e nem estavam na lista, Xsara (+3) e Santana (+3). Outros que também não estavam na lista pontuaram +1: Kadett, Civic, Astra/Vectra importados, Verona, Renault 19 RN e Renault Mégane.
Resumindo, complicou mais ainda: consegui descartar os coreanos e o Escort de minha lista; em compensação, entraram outros sete modelos na parada. Muito obrigado, queridos leitores.

E aí que este mês eu termino de pagar o Corsa (aplausos!), e já vou vender o coitadinho. Tenho contas a equilibrar, e calculo que vão me sobrar uns 10 ou 12 mil reais. Como quero evitar entrar em outro financiamento, quero comprar outro carro à vista. Só que não quero carroça: me acostumei com travas elétricas, direção hidráulica, a veadagem toda; me cansei de motor 1.0. Minhas opções, portanto, se reduzem a carros com mais de dez anos de fabricação, a maioria importada. Já sei das restrições: seguro, só contra terceiros. E não sei o que é mais difícil: encontrar peças ou vender o danado. Mas não me importo de me casar com um carro, desde que ele preste — e seja de boa família. E só uso carro nos fins de semana. Então fiz uma lista de possíveis candidatos a ocupar a vaga em minha garagem, ou melhor, no estacionamento da Rua Aurora:

Esse negócio está um inferno. A marida não agüenta mais me ouvir falar em carro; justo eu que nunca liguei para isso. Cada dia eu chego em casa decidido por um modelo; ela quer me jogar pela janela.
Minha lista tinha também o Ford Taurus, mas o motor 3.8 bebe mais do que corno inconformado. O Jeep Willys é o grande sonho de infância, mas é impraticável como único carro: bebe mais do que o Taurus, anda muito menos, é desconfortável e coisa e tal. Ainda vou ter o meu, mas só quando tiver condições de sustentar dois carros. Quanto aos coreanos, não sei se prestam mesmo. Os donos dizem que sim, mas se fosse verdade só tinha carro coreano no Bom Retiro. Não é o que acontece: coreanos e judeus parecem gostar de carros japoneses (os bolivianos dirigem máquinas de costura).
Porque estou contando isso tudo: é muito difícil decidir tendo por base só os fóruns, clubes online e comunidades do Orkut. Cada proprietário diz que seu carro é o melhor do mundo, sem apresentar argumentos. Os detratores do carro fazem a mesma coisa: “Esse carro é um lixo porque é velho/importado/desvalorizado/invendável”, mas não se esforçam para provar seu ponto de vista. Bom, então o negócio é apelar para meus distintos leitores. Só aceito opinião de quem tenha um desses carros, ou conviva com alguém que tenha. E não adianta vir com “Ah, se eu fosse você eu não entrava nessa roubada”, porque eu já decidi comprar um carro velho, barato e ficar alguns anos sem entrar em financiamento.