Mão no peito

No começo de nossa vida adulta, quando nos conhecemos, Daniela e eu tínhamos empregos ridículos. Eu era o moleque de informática de um colégio de padres. Mesmo assim, ela ganhava: ela tinha de usar uniforme no trabalho. Eu achava isso triste. Até um dia em que eu tirei folga (ou talvez estivesse desempregado, sei lá) e fui almoçar com ela. Na porta do prédio, ficava vendo as colegas dela que saíam para o almoço. Murchinhas em seus uniformes, pareciam todas o que eram mesmo: recepcionistas, telefonistas.
Então saiu Daniela lá de dentro, andando toda empinada, autoconfiante, olhando firme para a frente. Ela parecia pairar sobre as colegas, superior a elas. No meio das recepcionistas e telefonistas, ela parecia uma aeromoça.
Corta para algum ponto lá pelo meio de 2007, ano maldito. Daniela estava no hospital pela segunda ou terceira vez depois de começar a quimioterapia. A medula dela não gostava dos remédios, os leucócitos sumiam, ela precisava ser internada. Nesse dia ela ia precisar de uma transfusão de sangue. Liguei para o hospital; ela não queria falar com ninguém. Falei com a mãe dela, já ia desligando quando ela pegou o telefone. Demorei para reconhecer a voz, de tão fraca e sem expressão. Foi tão ruim que, mesmo sabendo que ela não queria ver ninguém, eu precisei ir até o hospital.
Quando cheguei, encontrei minha amiga pálida, deprimida, com olheiras. Semanas antes eu tinha ido ao mesmo hospital para cortar o cabelo dela, que começava a cair. Nessa ocasião ela estava bem humorada: aceitou numa boa a máquina raspando sua cabeça e depois ainda fez uma dancinha na frente do espelho — que eu não vi, só deduzi. Ela ficou bonita careca, e isso não a fez perder a pose de aeromoça.
Nessa outra ocasião era tudo diferente. Quem dera ela parecesse uma recepcionista. Ela parecia pequenininha naquela cama, assustada. Ela estava com medo de morrer; estávamos todo com medo de que ela morresse. Eu passei um tempo olhando para ela, procurando algo positivo para dizer. Reparei na boca inchada e falei algo sobre ela estar parecida com a Angelina Jolie. Fui embora logo, ela não estava para conversa.
Chorei no carro voltando pra casa, foi ridículo.
Bom, tudo já passou, Daniela está bem, com dois peitos e vários cabelos. Ela fez até um blog para contar sua história — se você ainda não leu, você é um mané. E agora ela está apoiando a campanha Outubro Rosa. Eu apóio também:

Ok, não sou bem uma blogueira, mas não se prendam a essa irrelevância. O negócio é que eu quero todas as minhas leitoras saudáveis e felizes, como aeromoças espevitadas. Então, minhas queridas, façam o favor de examinar esses peitos aí. Se minha marida não se opuser, eu posso ajudá-las com isso.

11 comments

  1. Cara é dificil…
    mas com fé e esperança tudo dá certo…
    então tua amiga está certissima em levantar o rosto e se fazer superior a doença…
    que com muita perseverança ela ira ficar beeeeeem melhor….
    abraços humildes deste fariseu que andou beeem sumido…

  2. o texto fica muito melhor quando tem emoção nossa nele, né?
    mas eu queria mesmo é que o seu texto tivesse sido bem fraquinho… se o perrengue e sem o sofrimento…
    abraços aos dois…

  3. esse é o lado ruim de ter um amigo que te conhece demais: você faz uma dancinha super discreta na frente do espelho, sozinha no banheiro, e quando sai ele pergunta “você tava dançando na frente do espelho, não tava?”. humpf.

  4. Olha Marcolino. Você me chorar e ter mais vontade ainda de conhecer a Daniela (sim, já declarei isso a ela no #enzimas)
    Bjs!
    P.s.: sim, sou uma sensível de merda, como você diria… humpt… e lés, claro…

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