Leiam isso.
O que dizer? Sou cliente fiel da tal livraria há anos. Se há uma razão para essa preferência, são os funcionários: educados, informados, dão dicas de leitura aos clientes. Mas se é dessa forma que a empresa os trata, eu ainda tenho Saraiva, Submarino, Amazon. Se vocês puderem me acompanhar no boicote e espalhar a mensagem, agradeço.
Dia: 9 de maio de 2008
Gringos
Resolvida minha situação, eu tinha cinco horas para gastar no aeroporto internacional de Miami, o famoso MIA. Comprei uma coca-cola (gosto diferente, dizem que a coca-cola brasileira tem canela), tomei um café (um dedinho de espresso da Starbucks, uma merda) e fiquei zanzando com minha mala nas costas.
Enquanto andava, ia reparando nos americanos. Nunca tinha visto tantos deles juntos, e me sentia como um nativo da Judéia dos tempos de Cristo visitando Roma pela primeira vez. Os romanos de hoje em dia são adeptos dos extremos: os magros são esqueléticos, os gordos são imensos; os brancos são lagartixas, os pretos são azuis; os bonitos são belíssimos, os feios são disformes. Quem usa chapéu escolhe os modelos mais estapafúrdios, quem tem bigode o tem imenso, quem tem mullets cultiva essa hediondez até o meio das costas. As mulheres se vestem ou como freiras, com saias que arrastam no chão, ou como putas, com shortinhos e microssaias que revelam nacos de bunda. Nesse caso, a escolha entre os dois extremos nada tem a ver com a aparência: vi belas moças vestidas de forma comportada e barangas metidas a sexy. Uma mulher cujas coxas tinham a circunferência da minha cintura, com textura de estrada de terra depois da chuva, exibia suas carnes sem pudor, cruzando e descruzando as pernas. Acho que a auto-estima das americanas é inabalável.
Essa moça do pernil estava próxima ao portão de onde sairia meu vôo. Sairia. Uma grega de cabelos de mola chamada Kalypso me disse que minha passagem estava duplicada, que o assento marcado já estava ocupado. Eu não tinha nada com isso, mas não adiantou dizer. A mulher foi grossa, como se eu fosse responsável pela cagada, e não o sistema da empresa dela. Ao que tudo indica, esse negócio de relacionamento com o cliente ainda não chegou às terras civilizadas.
A boa notícia é que a grega me mandou de volta ao portão onde atendiam minhas amigas Raquel e Johan-MIA. Raquel não estava, mas Johan abriu um sorriso quando me viu.
— Oh, you are back!
Expliquei o causo todo, ela ficou brava. Eu disse que até teria reclamado, mas a mulher que me atendera parecia o Jabba The Hut. Ela teve um frouxo de riso, enquanto o colega se segurava para parecer sério. O quê, aliás, merece um breve parêntese.
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Excentricidades à parte, os americanos parecem manter o tempo todo um grande esforço para não saírem de seu papel de superiores e sérios. Depois de ir à gringolândia, comecei a pensar que se trata de um teatro para estrangeiros e que, quando estão sozinhos, eles são pessoas normais. Essa impressão foi reforçada enquanto eu aliviava a bexiga em um banheiro do aeroporto. Um negão entrou e foi para o mictório do outro lado. Em seguida, ouvi a voz dele dizendo “Where is my damn penis?!”.
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Mas eu estava lá esperando que a situação se resolvesse. Parecia mais complicado do que eu esperava, porque Johan pediu que eu me sentasse; ela chamaria assim que encontrasse um lugar no vôo. Cinco minutos depois, o outro atendente me chamou.
— Tudo certo. O senhor embarca no próximo vôo, às 13h25min.
— Se eu não estivesse noivo, pedia vocês dois em casamento.
Dessa vez o colega de Johan juntou-se a ela no riso. Menos mal.
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Menos de uma hora depois eu desembarcava em Orlando. Após meia hora na fila, consegui pegar um táxi. Descobri que o hotel ficava longe ao ver o preço cobrado: 58 dólares. O motorista dirigiu no mais absoluto silêncio até metade do caminho. Então virou-se para trás para perguntar de onde eu era.
— Brasil? Lulá? President Lulá?
Era haitiano e parecia felicíssimo por transportar um brasileiro. Falamos de futebol, do vexame do Ronaldo, do jogo da seleção brasileira no Haiti.
No caminho, fui reparando nas diferenças. O mais estranho para mim eram as árvores. Nenhuma delas era familiar; até as palmeiras tinham aparência alienígena. Os passarinhos também eram esquisitos e cantavam em dialetos desconhecidos. Os carros eram imensos e luxuosos: Montecarlos com rodas de capistrânio, Zungaris com teto lunar, Panderos com motor de 25 válvulas, Javoteres com pintura eletrostática.
Tá, é tudo inventado.
Entendo nada de carro.
Mas acreditem, eram uns monstros. Quando eu via algum carro conhecido, um Corolla ou Civic, ficava com dó da pobreza do motorista. Voltei ontem e até agora estou achando que meu Corsa é um brinquedo.
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Foram dias de estranhamento, de café horrível, comida gordurosa e pessoas excêntricas. De tanto se esforçarem para ser diferentes, os americanos acabam conseguindo parecer apenas uma coisa: americanos.
Falei dos extremos lá no começo. Pois bem: nesses quatro dias, me deparei com grosserias em diversos níveis. Mas também encontrei pessoas muito simpáticas e prestativas (sem contar as garçonetes, essas só querem mesmo a gorjeta). Johan-MIA foi um exemplo. Na madrugada de quarta para quinta-feira, o oficial de alfândega no aeroporto de Orlando foi outra surpresa agradável. Para começar, falava um português impecável. Olhou meu passaporte, olhou para minha cara, para o passaporte de novo.
— É uma pena…
Gelei.
— Não vamos nos ver na próxima semana.
— …
— Então… Feliz aniversário.
— P-puxa. Obrigado. Muito obrigado.
— Fica com Deus.
Somando-se tudo, minha impressão final dos gringos pode se resumir na imagem da gentileza desse homem.
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Chegando em casa, meu pai me fez uma pergunta típica dele:
— E os americanos? São mesmo tudo aquilo que falam?
Pois são. Para o melhor e para o pior, eles são.