Morando sozinho há duas semanas, depois de 33 anos no recôndito do lar paterno, tenho vivido dias de epifanias constantes. Por exemplo: eu tomo meu café de manhã, deixo a louça toda na pia e vou trabalhar. Depois vou à faculdade. Quando chego em casa de novo, está tudo exatamente no lugar onde eu havia deixado. Ao contrário do que acontecia na casa de meus pais: lá a louça voltava para os armários em algum momento no decorrer do dia. Acho que os duendes daqui não são tão eficientes. Ou não conseguem subir até o terceiro andar, porque suas perninhas são muito curtas para subir as escadas e eles são baixinhos demais para chamar o elevador. Sei lá.
Agora há pouco (sério, menos de uma hora) tive outra revelação dessas. Cheguei da faculdade, fui tomar um copo d’água e vi aquele anel cromado que envolve a base da torneira ali dependurado, como está desde o dia da instalação. Explicando: resolvida a papelada da locação, uma de minhas primeiras providências foi trocar a torneira da cozinha. A torneira original era muito xexelenta e não combinava com minha belíssima pia (comprada, não se esqueçam, no Mercado Livre a um preço ridículo). Então comprei uma torneira metida a besta, de aço inox com filtro acoplado, e tratei de efetuar a troca, sob o olhar entre temeroso e cético de Ana Carlota, minha conmuitasorte. Para decepção dela, a torneira foi instalada sem maiores percalços. Para minha decepção, o tal anel cromado, que deveria dar o acabamento entre a parede e a torneira, ficou dependurado. Bom, ficou um negócio esquisito, não vale a pena tentar explicar. Basta que vocês saibam que eu tenho problemas e aquele treco me incomodou por alguns dias. Mas a preguiça é a força que me move, então logo eu me esqueci do acabamento da torneira. Até hoje.
Entendam que o Marco Aurélio de hoje não é o mesmo de um mês atrás. Ah, de jeito nenhum! Sabem por quê? Porque semana passada eu e minha noiva, adultos que somos, instalamos um chuveiro. Sozinhos! Então hoje, como eu disse, tomei minha água, vi lá aquele negócio pendurado, balancei, dei descarga, voltei à cozinha e vi aquele outro negócio pendurado. Aquilo foi me dando um incômodo, que virou raiva, que virou desespero, e resolvi que hora de dar um basta à situação. Vim até o escritório, peguei o rolo de veda-rosca e fui resolver o problema.
Digo-lhes: uma torneira não é mecanismo tão simples quanto parece. É uma máquina ardilosa e cheia de manhas. Outra diferença para a casa de meus pais: lá as torneiras eram bem mais singelas em seu funcionamento. Aqui é uma complicação. Primeiro tentei tirar a desgraçada da parede e a rosca metálica trouxe junto uma outra, de plástico, que desempenhava o papel de adaptar a torneira ao cano. Toca procurar ferramenta para tirar a peça extra, e nada. Até que tive a idéia de enrolar a bicha (tem várias aqui na vizinhança, mas não é disso que estou falando, deixem de bestagem) em um pano de prato e arrancar com as mãos mesmo, técnica que eu já havia empregado para retirar o chuveiro antigo. Funcionou. Então envolvi as duas roscas, metálica e plástica, em voltas e mais voltas de fita veda-rosca. Meu raciocínio era simples: com o volume extra, a torneira não entraria tão fundo no cano da parede e o anel cromado do inferno ficaria em seu devido lugar.
Qual o quê! Ao tentar montar o esquema todo de novo percebi que a determinada altura a torneira girava em falso. Abri o registro e um fio de água começou a escorrer parede abaixo. Cocei a cabeça, fechei o registro, desmontei tudo, tirei a fita, remontei, abri o registro novamente. Tudo na mesma. Sorri, desmontei tudo de novo. Sim, sem fechar o registro. Um jato d’água fortíssimo (a caixa fica dez andares acima) espalhou água por toda a cozinha. Eu demorei para entender o que acontecia, e depois demorei mais para fechar o registro maldito com as mãos molhadas.
Olhei à minha volta e me senti como Noé. Sem desanimar, no entanto, fui até o banheiro pegar o rodo para livrar o chão da cozinha daquele dilúvio. Fiz o que pude (não muito) e resolvi vedar a torneira feladaputa com silicone. Abri o gabinete da pia e fiquei feliz por encontrar uma bisnaga intacta. Abri a embalagem, cortei o bico, furei onde tinha que furar e apertei. Nada. Apertei mais. Nada. Mais. O fundo da bisnaga estourou, jorrando silicone pra todo lado. Espalhei aquela porra de qualquer jeito, rosqueei a torneira como deu e fui tomar banho, na esperança que algum duende solidário e pernalta viesse resolver ao problema.
Ao voltar à cozinha, a situação ainda era a mesma. Nada de duende pernalta. Embrulhado em uma toalha, tratei de abrir as janelas e puxar toda aquela água para o ralo. Depois ainda fiquei uns bons cinco minutos procurando minha cueca. Estava sobre o espaldar de uma cadeira. Triste.
Agora estou aqui, ainda com resquícios de silicone seco nas mãos, esperando que a cozinha seque por si só e que a vedação porca seja ao menos eficiente. E lhes digo: torneira é um bicho muito temperamental. Se as de sua casa funcionam, deixe-as quietas.