A volta da sunamita e a sucessão na Síria e em Judá

(II Reis 8)
— Conta outra, Geazi…
— Mas é verdade, majestade! Que Javé me fulmine com um raio se for mentira! Eu estava lá e vi tudo: o careca, digo, o Eliseu, deitou em cima do defuntinho e ele viveu de novo!
— Isso me cheira a pedofilia.
— …
— Geazi, você acha que eu sou… Pois não?
— O senhor é o rei Jorão?
— Não, sou um abacaxi. Daí a coroa.
— …
— Porra, o que você acha?
— Majestade, é ela! A mulher de Suném!
— Hum, que coincidência… O Geazi estava me contando uma história besta sobre a senhora.
— Eu não sei de nada! Eu só vim ver o negócio das minhas terras! Eliseu é só um amigo!
— Eita, calma! Só queria saber daquela história do seu filho.
— Meu filho? Que tem ele?
— O Geazi inventou uma história absurda sobre ele…
— GEAZI, EU JÁ TE FALEI QUE AQUELA CABRITA É…
— Não essa história. A outra. Eliseu, seu filho morto…
— Ah, essa história… Então. Foi isso. O menino morreu, o profeta chegou lá em casa, deitou em cima dele, e ele reviveu.
— COMO É POSSÍVEL?
— Eu não sei, majestade. Só sei que o moleque está comigo até hoje, saudável, feliz, livre do vício da zoofilia…
— A senhora está me achando com cara de idiota, né?
— Olha, agora que o senhor perguntou…
— CALE-SE! Humpf. Há quanto tempo foi isso?
— Há sete anos. O profeta falou que haveria sete anos de fome, então eu e o menino fugimos para a Filistia.
— Sete anos de fome? Xi, Eliseu ainda era amador nessa época… A gente passou um perrengue recentemente, mas não por sete anos, que Javé nos livre.
— COMO É QUE É? ENTÃO EU FIQUEI SETE ANOS NAQUELA TERRA DE GENTE BESTA POR NADA?
— Ô, minha senhora…
— NÃO ESTOU FALANDO COM VOCÊ, GEAZI!
— Calma, calma. É que… Espera aí, já resolvemos isso. Majestade, me permite resolver essa questão? Ah, muito obrigado. Pois então: você pode voltar à sua propriedade, e o reino vai te pagar o equivalente a tudo que foi produzido nela nos últimos sete anos. Está bem?
— Hum. Tá. MAS ISSO NÃO FICA ASSIM!
— A senhora pode resolver isso diretamente com o profeta. Quando ele voltar da Síria, digo.
— SÍRIA??? QUE PILANTRA!
— Er… A senhora está cansada da viagem, melhor ir até sua casa, repousar um pouquinho. Pode deixar, cuidamos de tudo por aqui.
— Eu vou. MAS ISSO NÃO F…
— Não fica assim, eu sei. Pode ir em paz. Até logo.
— Tchau.
— …
— …
— QUE PORRA FOI ESSA, GEAZI?
— Majestade, acredite: o senhor não quer se enrolar nessa história de Eliseu com a sunamita. Dizem que o moleque é filho dele.
— COMO É?
— Shhhhhhhhhhh… Melhor não comentar nada. Ele pode ficar sabendo.
— E daí?
— Lembra das ursas?
— Ah, é.
— Pois é.
— Shhhhhhhhhh…

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De fato, Eliseu andava pelas bandas da Síria. Com os recursos que tinha à disposição, ficou sabendo dias antes da chegada da sunamita, e achou mais sábio empirulitar-se para o estrangeiro. Pagar pensão não estava em seus planos. Mas outro problema o esperava em Damasco. Não, a fruta não. A cidade.
Pois vejam, Ben Hadade, rei da Síria, andava muito doente. Sabendo que Eliseu passava uma temporada no país, mandou Hazael, um oficial de confiança, levar presentes ao profeta e perguntar sobre o que lhe reservava o futuro. Então Hazael, que era um tanto exagerado, carregou quarenta camelos com as mercadorias mais luxuosas da região e foi ter com Eliseu.
— Eliseu, o rei me mandou aqui para perguntar-lhe humildemente se ele vai sarar dessa doença.
— Hmmm… Xeu ver. Javé diz que… Não. Peraí. Não, é isso mesmo. O rei vai bater a caçoleta.
— Puxa…
— Ei, espera. Você vai voltar lá para o palácio?
— Claro, Eliseu. Preciso dar a má notícia ao rei.
— Diga a ele para não se preocupar, que vai ficar bom logo.
— Eita! Javé mudou de idéia?
— Javé não muda de idéia, Hazael. O rei vai morrer.
— Peraí. O homem morre ou não morre?
— Morre. Estica as canelas dia desses. Mas se você disser isso a ele, é capaz que ele mande recolher esses presentes todos. Então diga a ele que ele vai ficar bom. Entendeu?
— Mas… Mas…
— …
— Que foi agora?
— …
— Eliseu, por que está me olhando assim?
— …
— Pára com isso, pô. Tô cagado? Cê tá me deixando sem graça.
— …
— FALA ALGUMA COISA, DIABO! Eliseu? Cê tá chorando? Putz, cê tá chorando! Não sabia que você gostava tanto do rei…
— EU QUERO QUE SEU REI SE FODA! Estou chorando porque vejo tudo que você vai fazer ao meu povo lá em Israel.
— Eeeeeu?
— Sim, você! Você vai queimar nossas cidades, matar nossos jovens, esmagar nossas crianças, retalhar a barriga das grávidas.
— Pô, Eliseu, pega leve. Mesmo que eu quisesse fazer essas coisas, quem sou eu?
— Hoje você não é porra nenhuma, mas vai ser rei da Síria.
— Tá doido? Eu nem sou parente do rei! Eliseu… Eliseu? Ô! Volta aqui! Eu, hein. Bicho esquisito…
Hazael voltou ao palácio pensativo. O rei, que mal continha ansiedade, perguntou logo o que Eliseu dissera. Conforme combinado, o oficial disse que ele ficaria bem. O rei muito feliz e, pela primeira vez em muitos dias, conseguiu pegar no sono. Na manhã seguinte, quando ele ainda dormia, Hazael o sufocou com um cobertor molhado e usurpou o trono sírio.

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Jorão seguia firme e forte no trono de Israel, enquanto os reis se sucediam em Judá. Primeiro foi Jeorão, filho de Josafá, que subiu ao trono. A mulher dele era filha do rei Acabe, ou seja, ele era cunhado de Jorão. Jeorão reinou por oito anos, fazendo tudo aquilo que irritava Javé: adorar outros deuses, desposar mulheres estrangeiras, masturbar-se, essas coisas. Seu reinado de oito anos foi medíocre, e ele conseguiu perder o território de Edom, que pertencia a Judá havia anos.
Com a morte de Jeorão, seu filho Acazias foi proclamado rei. O reinado de Acazias durou apenas um ano, mas deu pano para a manga: ele e Jorão, seu tio, se uniram para guerrear contra o rei Hazael, da Síria. O rei Jorão foi ferido seriamente em uma batalha em Ramote-Gileade, e precisou ser levado às pressas para Jezreel. Com o fim da batalha, Acazias foi visitá-lo. O que se mostraria uma péssima idéia.

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