Não posso reclamar de 2008. Tive três empregos, dois endereços, dois estados civis. Foi um ano agitado. Eu e Cartola nos casamos — decidimos de repente, muita gente pensou que ela estivesse grávida. Não estava. Eu ganhava X num emprego que não suportava mais. Pedi demissão, arrumei um emprego para ganhar 1,25X. Esse 0,25X dava para o aluguel, então pedi minha namorada em casamento. “E aí? Vamos casar?” Foi na casa do irmão dela. Ele e a esposa devem ter pensado que eu estava brincando. Não estava. Fomos à casa dos pais dela dar a notícia. Os dois ficaram de boca aberta. “Não estou grávida”, disse minha então namorada. Eles se tranqüilizaram e ficaram muito felizes.
Então veio a parte de procurar apartamento. Ouvíamos falar em gente que ficava um ou dois meses procurando casa. Nós levamos quatro horas. Chegamos aqui sem esperar nada, acabamos nos apaixonando pelo apartamento, pelo prédio, pela rua. Íamos morar na rua das bichas. Tanto melhor: ninguém ia mexer com minha mulher.
Ela quase morreu de ansiedade quando esperava a papelada do aluguel (aluguel é um bom negócio, acreditem). Mas deu tudo certo, e eu me mudei em maio — ela é moça de família, e só viria para cá depois de casada. Na minha primeira noite, dormi em um colchão inflável, emprestado pelo irmão dela. Depois, ele me emprestou uma cama inflável muito chique, que até hoje não devolvi. Aprendi a fazer arroz e macarrão, comecei a lavar roupa e comprar pão. Uma receita de lombo na cerveja, ensinada por uma amiga e nunca usada, virou minha especialidade para ocasiões especiais.
No meio disso tudo, ainda surgiu uma viagem a Orlando — a trabalho, é claro. Dei vexame no aeroporto e vi pela primeira vez os americanos em seu habitat.
Compramos nossa pia lindíssima no Mercado Livre. Compramos por uma merreca uma mesa, quatro cadeiras e um baú de uma peruana que estava voltando para o Peru. Minha mãe nos deu o balcão que usava na floricultura — com uma pequena adaptação, ele virou armário de cozinha com uma prateleira e ganchos para pendurar nossas canequinhas de ágata. A mãe de Daniela nos deu esta mesa que estou usando agora, e vendeu por um preço simbólico o canto alemão. Nossos irmãos e pais nos deram o fogão, a geladeira, o forno de microondas (que será “micro-ondas” a partir de amanhã, vejam que ridículo), o box do banheiro, a máquina de lavar, prateleiras, pratos, copos, talheres, um monte de coisa. Um mês depois da minha mudança, nos casamos.
O casamento não teve nada de mais, e foi muito legal por isso mesmo. Nos casamos num cartório aqui perto, depois a família e os amigos mais próximos vieram almoçar crepes no salão de festas. O salão fica na cobertura do prédio, e a vista vai ficando mais bonita conforme anoitece. Minha marida comprou noivinhos bem adequados para o bolo: o noivo puxa a noiva de dentro da tela do computador. Foi assim que eu a conheci. Bom, mais ou menos.
Não tivemos lua-de-mel: eu estava de volta ao trabalho na terça-feira seguinte. O emprego novo pagava mais, mas era um porre. Eu não conseguia disfarçar meu descontentamento; nunca consigo. Fiz entrevistas em algumas empresas. Em uma delas, disse que aceitaria ganhar menos. O chefe de redação não me contratou porque me achou qualificado demais. Fiquei mais contrariado ainda. O clima da redação, com todo mundo reclamando de tudo o tempo todo, só piorava meu estado. Eu discutia com a chefe em todas as reuniões. Discordava dela em tudo. Menos de um mês depois do casamento, perdi o emprego.
O mês de julho foi o mais difícil. Passei o mês todo fazendo uns bicos. Graças a um colega jornalista de bom coração, consegui um trabalho para ganhar mil reais em três dias. Depois consegui outros dois, cada um pagando 350 reais. Em dez dias, eu tinha 1.700 reais. Achei que daria para viver assim, até descobrir que: a) os prazos para pagamento são muito elásticos e b) não é todo dia que aparecem trabalhos assim.
Então, logo no começo de agosto, recebi duas propostas de emprego. Primeiro, me chamaram para cobrir férias em uma assessoria de imprensa. Um dia antes de começar, me ligaram de uma editora onde eu havia feito uma entrevista quase um mês antes. Eu nem pensava mais naquela vaga. Quando me chamaram para a entrevista, fiquei empolgado. Era uma editora muito diferente das duas anteriores. A redação era independente. O chefe valorizava o texto acima de tudo, e tinha lá suas técnicas de redação. Eu não acreditava muito em técnicas, mas estava curioso. Depois de um mês, no entanto, eu nem lembrava mais. Mas me ligaram, marcaram uma entrevista com o dono da editora. Acertei os detalhes com ele, comecei uns dias depois.
O começo foi bem difícil. A empresa anterior me deixara desconfiado, então eu não conseguia me empolgar com o emprego novo. Além disso, havia as tais técnicas de redação. Eu não acreditava que aquilo fosse funcionar. Eu escrevia, escrevia, e achava um texto pior do que o outro. Entrei em crise. Minhas primeiras matérias grandes ficaram ruins, o chefe queria me bater. E tinha outro problema: eu voltara a ganhar X; não contava mais com o 0,25X extra que me garantiam o aluguel. Um mês de desemprego desequilibrou minhas contas. Fiquei dois meses sem pagar a faculdade nem o cartão de crédito, e sempre estourando o limite do cheque especial. Achava que resolveria isso no fim do ano: terminaria de pagar o carro em novembro, venderia o carro, usaria o dinheiro para pagar as dívidas e comprar um carro velho. Veio novembro, veio a crise, ninguém queria comprar meu carro. Quem queria, oferecia preços ofensivos.
Hoje, último dia do ano, eu penso em tudo isso e acho que tudo acabou dando certo. Eu sempre penso no que faria se ganhasse na Mega Sena; acho que todo mundo pensa nisso. Antes, eu pensava em comprar uma casa, uma chácara, carros, comprar casas e carros para a família, aplicar o dinheiro, viajar, largar o emprego. Continuo com as mesmas fantasias, mas com uma exceção: se eu ganhasse na Mega Sena hoje, acho que continuaria no emprego. Trabalho com pessoas legais, aprendo muito e, pela primeira vez na vida, vejo sentido no meu trabalho. Continuo ganhando X, mas é só questão de tempo. Mesmo em crise, conseguimos comprar o sofá mais legal do mundo. Não consegui vender o carro (ainda, OPORTUNIDADE ÚNICA), mas consegui um empréstimo a juros baixos — cunhados estão aí para isso.
2008 foi o ano em que aprendi a ajudar quando posso e, o mais difícil, a aceitar ajuda quando preciso. Foi o ano em que aprendi a aprender.
E foi o ano em que me tornei devoto de São CPAP.
Hoje vamos à casa de Daniela e Daerson para ver o ano novo começar. Foi um ano agitado para eles também, mas nada que se compare a 2007. Outros amigos vão também, outros casais que passaram por grandes mudanças em 2008. Vou fazer o já famoso lombo na cerveja. Em 2009 eu dou a receita. Por enquanto, feliz ano novo a todos vocês, e obrigado pela paciência.

(II Reis 12)
“Que merda”, pensava o rei Joás enquanto sangrava até a morte do lado de fora das muralhas de Jerusalém. “Mas que merda.”
Joás subiu ao trono de Judá graças à proteção de Joiada e dos outros sacerdotes. Reinou durante quarenta anos; durante quarenta anos viveu à sombra dos sacerdotes. Não valeu a pena.
A primeira fase do reinado de Joás foi um inferno para ele. Proclamado rei aos sete anos de idade, debaixo da asa de Joiada, Joás virou piada em Judá. Ele era o menino do templo, o pau-mandado da casta sacerdotal. Alguns falavam em pedofilia, o que era compreensível: no fim das contas, Joiada era um padre, Joás era um garotinho. Assim que atingiu a maioridade, Joás tentou virar o jogo e começar a controlar quem o controlava. Então chamou os sacerdotes para uma reunião no templo.
— Chamei os senhores aqui porque estou preocupado.
— Não se preocupe, Joás. Tá tudo sob controle. Não quer ir lá no templo comigo? A gente toma um copo de leite, depois eu te conto umas histórias de Jezabel, aí a gente brinca de Davi e Jônatas…
— ESSE TEMPO PASSOU, JOIADA! Tenho um trono tão lindo e nem posso sentar nele, por causa dessa brincadeira besta.
— Peraí, Joás, que negócio é esse?
— E VOCÊ NUNCA ME DEIXAVA SER O DAVI!
— Pô, mas que graça teria?
— CHEGA! Não estou para brincadeira. Esse tempo passou, entendeu? Não sou mais criança!
— Você sempre será uma criança para mim…
— CALABOCA! Chamei vocês aqui para falar sobre o Templo. Aquilo está uma vergonha! Goteiras no teto, infiltração nas paredes, cupins nos móveis. A Casa de Javé está parecendo a casa-da-mãe-joana. Vocês não têm vergonha?
— Bom…
— Foi uma pergunta retórica, imbecil! A partir de agora, vocês vão separar todo o dinheiro que receberem do povo para a reforma do Templo.
— Todo o dinheiro?
— Todo o dinheiro.
— Mas TODO o dinheiro? Nós temos outras despesas, você sabe. Precisamos comprar leite, bolachinhas, brinquedos…
— Bolachinhas…
— … lápis de cor, figurinhas dos reis de Judá. Eu lembro que faltava o Roboão na sua coleção. Tenho uma figurinha do Roboão…
— Sério???
— Sério! Vamos até o templo. Você completa sua coleção e a gente esquece isso.
— NÃO! A casa de Javé está caindo aos pedaços, e você vem me falar em figurinha? Voltem ao Templo e comecem agora mesmo a reforma.
— Sim, majestade. Xacomigo.
— Humpf. É isso aí.
Cinco anos depois, a situação do Templo só piorava. Se alguém pisasse mais duro, caíam pedaços do teto. As paredes estavam estufadas de umidade. Os cupins haviam comido madeira suficiente para construir uma capela. Joás chamou os sacerdotes ao palácio mais uma vez.
— Por que vocês não fizeram o que eu mandei?
— Vixe. É mesmo. Acho que esquecemos. Qual era a ordem mesmo?
— SEPARAR O DINHEIRO DAS OFERTAS PARA REFORMAR A PORRA DO TEMPLO!
— Ah, era isso? Entendemos que era para pegar o dinheiro e gastar como quiséssemos. Veja só. Um pequeno ruído na comunicação, hein? Que coisa… Bom. É só isso?
— Só isso um caralho! Agora vocês vão reformar o Templo, sem desculpinhas. Vou fiscalizar a arrecadação de perto.
— De perto?
— Bem de perto!
— Que nem Davi e Jônatas…?
— Er… Eu… Olha…
— Tenho uma idéia que talvez seja boa para nós dois.
— Diga, Joiada.
— Vou colocar uma urna de madeira ao lado do altar. Nessa urna vai todo dinheiro que o povo trouxer para pagar sacrifícios, impostos do Templo e ofertas. Quando a urna estiver cheia, pegamos o dinheiro e contratamos pedreiros, carpinteiros, pintores. Uma vez por mês, eu trago aqui um relatório de receitas e despesas.
— Parece bom. Mas você disse que ia ser bom para nós dois, não? Quando eu era criança, você sempre falava isso, e no fim era bom só para você.
— Aquele tempo passou! Vai ser bom para nós dois, eu garanto. Com esse dinheiro aí, nós reformamos o Templo, do jeito que o senhor mandou. Mas o dinheiro que o povo trouxer para aliviar a consciência fica todo para nós.
— Hum… Parece justo. Eu concordo. Mande fazer a tal urna, o novo esquema de arrecadação começa hoje.
— Pois não, majestade.
Por algum tempo, todo mundo ficou contente. Os sacerdotes repartiam entre eles o dinheiro que as pessoas ofereciam em troca do perdão de seus pecados. Todo o resto ia para a urna. Quando a urna estava cheia, o sumo-sacerdote chamava o secretário do rei para contar o dinheiro, separá-lo, comprar material e pagar os trabalhadores. O rei consolidava sua autoridade, os sacerdotes garantiam seus caraminguás, e o Templo voltava à glória de outrora. E então veio Hazael e cagou tudo.
Hazael, vocês devem se lembrar, era o rei da Síria que herdara uma mania besta de seu pai: azucrinar os países vizinhos. Hazael invadiu Gate, na Filistia, e soube que o rei de Judá andava mais preocupado com a reforma do Templo do que com a defesa da nação. Um momento perfeito para invadir Jerusalém.
Hazael tinha razão. Concentrado na arrecadação de ofertas e nas obras do Templo, Joás não tivera tempo para estudar estratégias de defesa. Não havia estoque de mantimentos nem água bastante para a cidade: se o rei da Síria cercasse Jerusalém, a rendição viria em poucos dias. Se o cerco viesse, Joás precisaria reforçar as defesas da cidade, negociar com Hazael e, em último caso, atacar o exército da Síria. Ele não sabia como fazer nada disso. Na verdade, ele só sabia mesmo controlar as contas do Templo.
Pensando bem, isso podia ser útil: o rei sabia a quantia exata que os reis anteriores haviam dedicado ao Templo, sabia quanto ele mesmo havia depositado. Ele sabia quanto ouro e prata havia por lá, e de quanto era a poupança dos sacerdotes. Então mandou raspar tudo e enviar a Hazael na forma de um suborno camarada. Funcionou: Hazael ficou contente com aquele dinheiro todo, e desistiu de atacar Jerusalém. No palácio, Joás se congratulava por sua astúcia.
— Você viu, Joiada? Beleza de estratégia, hein? Esse aí não vai nos encher o saco por um bom tempo.
— Majestade… O senhor deu ao rei da Síria todo o dinheiro que nós tínhamos!
— Nem todo, Joiada. Nem encostei no dinheiro da reforma. Não se preocupe, as obras continuam.
— Sim, majestade. Mas e o NOSSO dinheiro? Nós tínhamos uma boa grana lá, sabe? Estávamos pensando em construir um colégio e enchê-lo de garotinhos. Garotinhos belos e bronzeados correndo pelo pátio de calção, suando, as bochechas rosadas…
— Por que você está respirando assim, Joiada?
— E agora não temos nada. NADA!
— São coisas que acontecem, Joiada. Deixa isso para lá. O pior já passou.
O pior não havia passado. Aos 47 anos de idade, Joás foi vítima de uma conspiração. Dois oficiais do palácio, Jozacar e Siemate, inventaram uma história qualquer para levar o rei até a casa de um tal Milo, do lado de fora da cidade, e o mataram. Milo não estava em casa: trabalhava na reforma do templo.

Surgiu um debate quente aqui na redação. Convido os leitores a participar dele. A questão é: se seu pinto fosse grande o suficiente, você o chuparia?
Deixem de lado o pudor (e o pinto, se for tão grande assim) e respondam nos comentários ou no novíssimo Muro das Lamentações aí na barra lateral.

O UOL vai abandonar o pop-up (aquela janelinha de propaganda que abre sempre que você entra no site) em janeiro de 2009. Tem gente comemorando. Eu acho que essa notícia teria sido legal em 2002. Além do mais, tem a diferença entre o que eles falam e a verdade subjacente.
Os caras do UOL dizem que tinha mais gente clicando no pop-up do que reclamando. Só que agora eles perceberam que a maioria dos internautas usa algum tipo de bloqueador de pop-up. Isso significa, eles dizem, que o pop-up é intrusivo, chato e cuzão. Então vão acabar com o popup porque o público não gosta, e eles trabalham para satisfazer o público. No seu lugar, vão colocar uma coisa bem mais legal e agradável, chamada anúncio dhtml. Segundo os caras do UOL, o dhtml é muito mais legal, porque fecha sozinho. Muito bom, né?
Né não.
O dhtml também aparece na frente do conteúdo que você quer acessar. Fecha sozinho? Fecha, mas depois de uns segundos. Ou seja, é igualzinho o pop-up. Com uma diferença: os bloqueadores de pop-up não bloqueiam anúncios dhtml.
Havia mais gente clicando no pop-up do que reclamando. Ora, mas é claro. Estranho mesmo seria o contrário. Para clicar num pop-up, você move o ponteiro do mouse até ele e clica. Diabo. Para reclamar, você tem que escrever um e-mail, ou pegar o telefone e ligar para a central de atendimento ou para a ouvidoria do UOL. São níveis de esforço diferentes.
Só que os caras do UOL perceberam que 65% dos visitantes do portal usavam bloqueador de pop-up. Eles dizem que isso mostrava que o pop-up era intrusivo. Na verdade, isso mostrava que o pop-up não estava mais aparecendo, portanto as pessoas não estavam clicando, e portanto o UOL ia ter de baixar o preço desse espaço publicitário. Então aposentaram o pop-up e colocaram no lugar dele um formato de anúncio mais irritante e difícil de contornar.

Como vocês podem imaginar, tenho peregrinado por agências de carros usados nos últimos tempos. Não, não parem de ler. Este não é mais um post sobre meu problema com o carro (VENDO CORSA SEDAN 2002 COMPLETO).
O negócio é que ontem eu fui cobrir um evento na Assembléia Legislativa de São Paulo. A certa altura (uma palestra de fornecedores que não me interessava), fui dar uma volta pelo prédio. Bem legal, todo mundo devia ir lá. Tem relíquias da Revolução de 32, fotografias antigas e modernas de São Paulo, esculturas, pinturas, o diabo.
Mas os itens que mais me chamaram a atenção foram os digníssimos deputados estaduais.
(Afanei a agenda de votações da quarta-feira. O vice-presidente da casa tinha em pauta um projeto que institui o Dia do Capelão. Outra deputada queria instituir o Dia dos Clubes da Terceira Idade. A maior parte dos projetos mudava o nome de viadutos, trevos e rotatórias nas rodovias estaduais.)
Os deputados estaduais são senhores com olhinhos de verruma e personalidade de camaleão. Oferecem café e dizem “a casa é sua”. Abrem sorrisos sinceros, apertam sua mão com firmeza e olham dentro dos seus olhos, têm voz suave, dão piscadelas de cumplicidade, compartilham de suas opiniões e valores. Uma total franqueza, cuidadosamente ensaiada na frente do espelho.
São ótimos atores, os deputados estaduais. Assisti a uma sessão no plenário. Um deputado chamado Cido Sério (pelo que eu entendi, ele acaba de ser eleito prefeito de Araçatuba, talvez Araraquara) discursava para o plenário quase vazio. Apenas um deputado ouvia o discurso. Na mesa diretora, todo mundo conversava, inclusive o presidente, enquanto o Sério discursava. Acabou o discurso, o único espectador subiu à tribuna para louvar os feitos do Sério — que, na platéia, conversava com outro deputado recém-chegado, ignorando os elogios que o outro lhe dirigia lá de cima. Um outro entrou falando ao celular, foi até o fundo, depois saiu de novo. O Sério e seu companheiro saíram, o outro desceu da tribuna, o do celular subiu para discursar. Enquanto falava, o presidente deixou seu posto. O que discursava chiou, o presidente fez um sinal para ele, outro cara assumiu a cadeira do presidente. Depois do discurso, o próprio presidente subiu à tribuna para falar ao plenário vazio. Enquanto ele falava, o do celular avisava que voltaria a discursar em seguida. No painel, 93 deputados presentes, um licenciado, nenhum ausente.No plenário, ninguém. A conta não batia. Os oradores não ligavam: continuavam seus discursos como se estivessem diante de um auditório lotado.
Os deputados estaduais dariam excelentes vendedores de carros usados.

Dizem por aí que o negócio agora é Web 2.0, social networking, participação, crowdsourcing e não sei mais o quê. Falam até em blogs, vejam vocês, que revolução. Pois bem: eu, que não perco uma modinha por nada, decidi singrar também os mares da Era da Participação. O diabo me convidou para participar de um treco novo, e eu botei pra testar ali do lado. Testem também e me ajudem a descobrir para que serve esse negócio.

Vocês não estão entendendo: eu preciso vender esse carro. Eu devo ao banco; o banco está impaciente. Ligo nas lojas de carro. Ninguém está comprando. Quem aceita um negócio que chamam de “troca com troco” me fala que meu carro vale tanto quanto um Monza 95. Uma sacanagem. Não estou tão desesperado assim.
(Dizem que é A Crise. Assim mesmo. A Crise, como se fosse um ente maligno, feito A Coisa, A Bolha Assassina. O que me irrita é que o monstrinho se autoalimenta: fala-se em crise, todo mundo pára o que está fazendo, esperando o que vai acontecer. Aí ninguém compra nada, ninguém consegue crédito, ninguém produz. A situação piora. Fala-se em crise. E por aí vai.)
A outra opção seria refinanciar o carro — em outras palavras, comprar o carro de mim mesmo. Trabalheira danada, juros, o escambau. Não quero. Mas acho que vou querer se não conseguir vender o carro em uma semana.
Então vocês façam o favor de falar do meu Corsa para seus pais, seus irmãos, seus amigos e vizinhos. A situação, meus caros, tá braba. Eu só penso nisso, só escrevo sobre isso, só falo nisso. Se vocês estão irritados com a monotonia do blog, imaginem a situação de minha pobre consorte.

Você gosta deste blog? Acompanhou com apreensão o périplo do autor para tirar a carteira de motorista? Temeu pela vida do autor quando ele enfiou o Palio no poste? Emocionou-se com o autor aprendendo a trocar pneu? Pois então: hoje é seu dia de sorte! Chegou a hora de me despedir do Corsa que me acompanhou em tantas aventuras nos últimos três anos, e você pode ser o novo dono dessa relíquia de valor inestimável. Não existe outra oportunidade igual!

Tá, mentira. Tem um monte de oportunidades iguais por aí, até melhores. Mas lá vai:

Detalhes: Corsa Sedan Millenium 1.0 8V. Modelo 2002, fabricado em 2001. Tem 4 portas. Vejo por aí gente anunciando carros de 3 ou 5 portas, e não entendo nada: onde fica essa porta ímpar aí? Quem entra por ela? Hein? Hã?
Bom.
O carro tem ar-condicionado, direção hidráulica, vidros e travas elétricas, ajuste de altura no banco do motorista (essas coisas são boas, né?). Rodou 95 mil quilômetros, o bichinho. Revisei esses dias, mas não me perguntem o que o mecânico fez. O sujeito é de confiança; falei pra ele fazer o que precisasse e me mandar a conta. Sei que ele trocou a embreagem, as velas, correias, filtros, pastilhas, cuxumimbos, baquitraques e o mígalo (o mígalo tá uma beleza que só vendo). Antes disso, eu tinha levado para fazer coisas de suspensão e outras coisas que ficam perto da roda. O cara da oficina (outra oficina) falou que trocou as panelas — eu nem sabia que meu carro tinha panelas, — os rolamentos e outras coisas que eu não lembro mais. A porra toda custou uns dois mil reais. Resultado de tudo isso: agora o carro anda até que bem com o ar-condicionado ligado, não faz barulhos e não deixa o dono na mão.
O seguro é barato. O carro tem manual; dizem que isso é importante também, sei lá. Quem comprar leva o CD player Sony com mp3, mais quatro alto-falantes (nada de módulo, caixa selada e outras coisas que eu não sei o que são, mas que desconfio que servem para incomodar o próximo).
Bom, então é isso: o carrinho está uma beleza e é econômico que só a pemba. Eu gostaria de poder explicar mais, mas nem sei o que é virabrequim — só conheço mígalo. O carro é bem tratado, sempre troco o óleo antes da quilometragem marcada, abasteço com gasolina aditivada num posto BR de confiança. De resto, é um Corsa: quem já viu um, já viu todos. Tem valor sentimental, claro: aprendi a dirigir nele (o Palio não conta; se eu tivesse aprendido a dirigir nele, ele não tinha terminado seus dias num poste da Penha). Ralei as laterais do carro no começo, mas arrumei tudo. Agora ele tem só uns raladinhos no pára-choque traseiro, coisa de estacionamento, sabe como é.
Preço de tabela: R$ 19.700. Preço para leitores do JMC: R$ 18.000. Até penso em trocar por um carro mais barato (de 10 a 12 mil, lembram?), mas aí vale o preço de tabela dos dois lados. Acho justo.
Interessou? Falecomigo: marco a/r/r/o/b/a jesusmechicoteia p/o/n/t/o c/o/m p/o/n/t/o br

— O que são aquelas coisas cor-de-rosa no tronco da árvore?
Olhei para onde minha marida apontava. Um punhado de cogumelos crescia na base um tronco à margem do lago no Parque Ecológico Tietê. Fomos até lá para tirar fotos (trabalho de faculdade), acabamos andando cinco quilômetros. Nos trechos mais desertos da trilha, ela falava em assassinos que matavam os caminhantes e os enterravam no lodo.
— São cogumelos — eu disse.
— Acho que não. São chicletes. As pessoas que morreram estavam mascando chicletes. Aí eles grudam os chicletes no tronco das árvores para saber quantas pessoas eles já mataram.
— Eles?
— ELES!
— Ah… E todas as pessoas assassinadas mascavam chicletes? Sempre do mesmo sabor?
— Eles dão chicletes para as pessoas. Depois matam.
— Ah…
Esse é o tipo de diálogo mais comum que temos: absurdos completos que nascem daquela cabecinha coberta de cabelos castanhos (naturais de fábrica!) e se desenvolvem até a loucura absoluta. Por exemplo: vocês sabem por que nunca foram encontrados restos mortais de nenhum pé-grande? Porque existe um ET que carrega os corpos dos pés-grandes que morrem.
O nome do ET é Abduze.
ABDUZE.
Assim são nossas piadas internas. Nada de coisinhas fofas e bonitinhas. Preferimos ETs como agentes funerários da família pé-grande. Ou assassinos que contam suas vítimas grudando chicletes no tronco das árvores. Ou um ET (ela gosta de ETs) que entrou em nosso apartamento, vindo do espaço através do aparelhinho do moço que instalou o telefone. Ou a Libéria, que é um país que foi fundado pelas libélulas (elas construíram uma cerca para não deixar mais ninguém entrar, e agora vivem por lá, libelulando).
Se eu soubesse que ia ser tão legal, tinha casado no primeiro mês de namoro.