Eu achava que só o abandono da religião causasse eventuais sentimentos de culpa. Qual o quê! Foi só eu criticar a esquerda para meu passado me condenar em forma de sonho.
Sonhei que tocavam a campainha lá de casa, e era o senador Aloízio Mercadante. Vinha com duas gordonas e vinha pedir ajuda: seu carro enguiçara e ele precisava de uma carona urgente. Eu, bom companheiro que sou, me dispus a ajudar o trio.
Saímos rodando por São Paulo, o senador ao volante, eu no banco do carona e as fofoletes no banco de trás. Sobe rua, desce rua, vira aqui, vira ali, eis que chegamos ao alto de um morro. Ninguém em volta. Nada.
— Desce — ordenou Mercadante, já destituído de sua simpatia costumeira.
Eu obedeci. Ele também desceu e me ofereceu um Toddynho.
— Foi você que chamou o pessoal da USP de vagabundo, né?
A pergunta era retórica. Antes que eu tentasse me justificar, o senador puxou uma arma e ordenou:
— Sai andando.
A idéia dele fazia todo o sentido no sonho: quando achassem meu corpo, diriam, “Coitado, estava caminhando tranqüilamente tomando seu Toddynho, foi vítima de bala perdida”. Revoltado com isso, peguei o canudinho e rabisquei “Foi o PT” em um braço e “Mercadante” no outro. Assim que terminei, ouvi os disparos, senti uma dor nas costas e caí.
Acordei assustado. Quando voltei a dormir, sonhei que o pagodeiro Alexandre Pires tinha gravado uma música de autoria do meu pai. A música falava sobre os males da passagem do tempo. Só lembro de um trecho: “Eu queria ter a palavra unânime / seeeeeeer uma pessoa unânime”.
Acho que esse sonho não teve nada a ver com o anterior.