Tomé é um dos personagens mais fascinantes da Bíblia. Discípulo de Jesus Cristo, acompanhou o mestre desde o início de seu ministério, mas nunca deixou de lado seu espírito crítico, sua leve desconfiança. Lendo as poucas falas do apóstolo nos evangelhos, parece que estamos diante de um mineiro.
Quando Jesus foi ressuscitar Lázaro, por exemplo. Recém saído da Judéia, onde fora ameaçado de apedrejamento, o Filho do Ôme decidiu voltar ao saber da morte de seu bom amigo. Os discípulos tentavam dissuadí-lo, mas o mestre estava irredutível. Então Tomé comentou com os outros, a meia voz:
— Vamos lá então. Pelo menos morremos todos juntos.
O sujeito tinha testemunhado as maiores maravilhas operadas por Jesus, mas mesmo assim tinha certeza de que seria morto assim que botasse o pé na Judéia. Ele, seus onze colegas e o temerário mestre. Aconteceu, no fim das contas, que entre mortos e feridos salvaram-se todos e, como um bônus, Jesus ainda ressuscitou Lázaro.
Ver um morto levantar-se de sua sepultura após quatro dias era o milagre definitivo, a cura para o maior ceticismo do mundo. Bem, não para Tomé. Pouco tempo depois, Jesus falava sobre a sua partida iminente:
— Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito. Vou preparar-vos lugar. E quando eu for, e vos preparar lugar, virei outra vez, e vos levarei para mim mesmo, para que onde eu estiver estejais vós também. Mesmo vós sabeis para onde vou, e conheceis o caminho.
Essa exortação podia ser suficiente para os outros discípulos. Não para Tomé.
— Peraí, peraí. Cê vai pra onde agora? Se a gente não sabe, como é que vai saber o caminho?
A reação de Jesus Cristo à dúvida era oposta à de muitos de seus seguidores de hoje em dia. Em vez de desprezar o cético, ou acusá-lo disso e daquilo, ele contemporizava. Diante da questão de Tomé, ele formulou uma de suas grandes frases:
— Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim.
Tomé continuou a conviver com Jesus até o fim, e ainda testemunhou muitos milagres. Mesmo assim, quando se deparou com Cristo ressuscitado, não se satisfez com as aparências nem com o que seus colegas lhe diziam. Em vez disso, exigiu provas concretas: queria tocar as feridas nas mãos do mestre para comprovar que aquele era o mesmo que fora crucificado. Em vez de execrá-lo como herege, Jesus o convidou a aproximar-se e tocar as feridas o quanto quisesse. Só depois disso o discípulo cabeça-dura se deu por vencido. Caindo de joelhos, exclamou:
— Senhor meu e Deus meu!
E Jesus, ligeiro como sempre, mandou um de seus petardos:
— Por que me viste, creste? Bem aventurados os que não viram e creram!
Agora vejam minha situação: eu nunca vi milagre nenhum, nunca vi Jesus de perto, nunca andei com ele para cima e para baixo. Tomé, que teve essa oportunidade toda, tinha o direito à dúvida. E eu não? É justo?