Olá, queridos leitores. Como vão vocês?
Por aqui vai tudo bem. Estou de dieta, tomando antidepressivos. Terminei de comprar a parte do carro que pertencia ao meu pai, o que é motivo de grande comemoração. Ou talvez não seja, talvez seja só a Fluoxetina falando. Enfim. Eu reclamaria de algumas coisas, mas para que reclamar, para que questionar, se você tem drogas, não é mesmo?
Contem aí como foi o Natal de vocês, os planos para o ano novo, essas coisas. Eu estou de férias até 7 de janeiro, mas com uma preguiça desgraçada de escrever. Só entro na internet para ver como vai minha cidade (que, aliás, precisa de investimentos em indústria segurança. Ajudem-me).
Se eu conseguir criar um pouquinho de coragem que seja, mando um capítulo novo ainda este ano. Combinado?
Abraços.

(II Reis 6)

Geazi acordou, caiu da cama, passou um pente pela cabeça. A lepra fora apenas um susto; estava novamente a serviço de Eliseu. Precisava aliviar a bexiga e foi saindo. Da porta, viu ao redor da casa uma tropa de soldados com cavalos e carros de guerra. Espreguiçou-se. Esfregou os olhos. Os soldados continuavam lá.

— Bom dia…

— Bom dia — respondeu um que parecia ser o chefe.

— O que fazem aqui em Dotã tão cedo?

— Cerco.

— Hum…

— Pois é.

— Dia bonito, não?

— Muito.

— Os senhores são de onde?

— Síria.

— Hum.

— É.

— Tão cercando quem?

— Eliseu.

— Ah.

— Conhece?

— Eu? Nah.

— Hum.

— Minutim.

Geazi acenou para os soldados, e calmamente voltou para dentro. Assim que se viu fora do alcance da vista dos sírios, disparou para o quarto de Eliseu.

— Patrão! Fodeu, patrão! Vamos fugir, o bicho tá pegando!

— Porra é essa, Geazi? Calma. O que acont… Geazi, cê tá mijado?

— Hein? Puta que pariu, bem que eu vi que tinha esquecido alguma coisa… Bom, foda-se. Patrão, os sírios tão lá fora querendo te pegar.

— Sírios, é?

— SIM! SÍRIOS! Você sacaneou os caras e agora são trocentos deles contra nós dois.

— Nós dois e a galera, né, Geazi?

— Que galera, patrão? Endoidou?

— Javé, mostra pra ele.

— Tá falando com q… PUTA QUE PARIU DE ROSCA! E-esses caras são…

— Anjos. Sim. Uma anjaiada brava, boa de briga. Vamos lá ver esses tais sírios.

                           

Deslocar tamanha tropa para pegar um só homem ia contra o senso estratégico e econômico do exército da Síria. Mas é que Eliseu andava muito abusado. Tinha passado por um período de marasmo, era verdade. Durante esse tempo, ajudara na construção de uma casa para o Clube dos Profetas de Israel às margens do Rio Jordão. A coisa mais empolgante a acontecer durante a construção foi a queda do machado de um dos operários no rio, machado este que Eliseu fez flutuar. De resto, só moleza.

Aconteceu, porém, que o rei da Síria, que andava até muito amigo de Israel, decidiu que era hora de tentar invadir o reino vizinho novamente. Armou acampamento em um lugar estratégico para pegar o exército israelita de surpresa. Só que Eliseu continuava com suas experiências de sair do corpo: viu onde os sírios se entocavam e avisou o rei de Israel, que mandou mensageiros à região alertando para a presença inimiga. O exército sírio mudou de acampamento e foi descoberto outra vez. Mudou mais uma vez, e mais uma vez viu frustrados seus planos. Repetida a situação diversas vezes, Ben-Hadade, rei da Síria, chegou à conclusão óbvia: havia um traidor entre seus oficiais. Na hora da acareação, um dos oficiais contou ao rei sobre Eliseu e seus poderes mágicos. Era o fim da picada. Era preciso eliminar o profeta.

                           

— Espera, patrão. Não seria melhor…

— Deixa de ser bunda mole, Geazi. Vamos lá. Bom dia, meus caros sírios. É uma honra tê-los em meu quintal.

— É você o tal Eliseu?

— Quem quer saber?

— Eu, o comandante da tropa.

— Olha só, que engraçado!

— O que é engraçado, rapaz?

— Uma tropa só de cegos!

— Cegos? Cê tá louco? Homens! Prep… GAAAAAAAAAAH! Estou cego!

— Estou cego!

— Não estou vendo nada! Socorro!

— Eu estou cego também! Não. Peraí. Ah, não. Putz. ESTOU SIM! ESTOU CEGO!

— ACALMEM-SE, CEGUETAS! Vocês vieram bater à porta errada. Se quiserem, posso guiá-los até onde Eliseu está.

A proposta não fazia muito sentido, mas os soldados não tinham escolha. Estavam cegos em uma terra desconhecida, e era melhor confiar naquele guia estranho do que não ter guia algum. Foram, pois, seguindo Eliseu.

— Chegamos — disse o profeta, e os sírios imediatamente voltaram a enxergar. Não estavam na casa do profeta, claro: estavam em pleno centro de Samaria, com o rei de Israel diante deles e o exército israelita ao redor.

— O que eu faço, Eliseu? — perguntou o rei — Mato os felasdaputa?

— Claro que não, majestade. O senhor por acaso mata seus prisioneiros de guerra? Dê comida e água a esses homens, que estão assustados e já aprenderam sua lição. Depois eles voltarão para casa e contarão o que lhes aconteceu.

O rei seguiu a recomendação de Eliseu, dando uma grande festa para os soldados sírios. No dia seguinte, de ressaca, eles voltaram para sua terra. Durante algum tempo, Síria e Israel viveriam em paz.

                           

A paz só durou alguns meses, na verdade. Um dia Ben-Hadade acordou de mau humor e decidiu que ia resolver de uma vez por todas a questão israelita. Então mandou todo o seu exército para cercar Samaria. Depois de algumas semanas de sítio, a comida começou a escassear na capital israelita. Nas feiras, uma cabeça de jumento era vendida por um valor correspondente a quase um quilo de prata.

Diante da situação, o rei de Israel ficava cada dia mais deprimido. Seu exército não era páreo para as forças sírias, e uma solução diplomática estava fora de questão. O rei passava os dias caminhando pelas muralhas da cidade, um pouco para pensar, um pouco na esperança de ser atingido por uma flecha e acabar logo com tanto sofrimento. Foi em uma dessas caminhadas que o rei se viu interpelado por duas mulheres.

— Majestade, me ajude!

— Deixe de bobagem, minha filha. Se Javé, que é deus e não sei que mais, não te ajuda, como é que eu vou ajudar?

— Por favor, majestade! Temos uma questão a ser decidida, e só o senhor pode ser o juiz.

A questão das mulheres despertou a curiosidade do rei. Era uma cena digna do lendário Salomão.

— Pois digam.

— Dia desses essa aí deu a idéia de comermos nossos filhos.

— Que horror!


Pois é, veja só! Ela deu a idéia, então cozinhamos meu filho e comemos o pobrezinho. Aí no dia seguinte eu falei pra ela que era a vez do moleque dela, mas ela escondeu o bebê. Como é que se resolve essa situação, majestade?

O rei não sabia o que dizer. Primeiro pensou tratar-se de um trote. Seus olhos saltaram de uma mulher para a outra, mas ambas pareciam preocupadas apenas no aspecto jurídico da questão. Horrorizado, triste, com raiva, o rei rasgou suas roupas e caiu num choro convulsivo. Precisava culpar alguém por aquela situação insustentável, então se lembrou do episódio ocorrido meses antes.

— Que Javé me mate se hoje mesmo eu não cortar a cabeça do desgraçado!

O desgraçado, claro, era Eliseu, que naquele momento estava em casa reunido com alguns líderes do povo. Os visitantes estranharam quando o profeta interrompeu sua fala no meio de uma frase.

— Epa. O rei está mandando alguém aqui para me matar.

— C-como?

— Sim, estou vendo. Quando o mensageiro chegar, não abram a porta. O próprio rei virá depois dele.

O profeta ainda estava falando quando o mensageiro bateu à porta. Minutos depois, chegava o rei.

No começo deste ano, Daniela, co-autora do best seller Balde de Gelo, me ligou com a segunda pior notícia de sua vida: havia sido diagnosticada com câncer de mama, algo quase tão ruim quanto ficar com cabelos cor de beterraba depois de uma experiência com tinturas.
Ok, nem foi tão engraçado assim. Foi muito assustador, na verdade. Ela achou que fosse morrer. Eu, em certo momento, também achei que ela fosse morrer. A situação rendeu um post hermético e muita angústia.
Meses depois, ela está pronta para voltar à vida normal, quase já tem cabelos, e resolveu contar sua história: leiam Enzimas Virtuais, o blog em que ela conta tudo naquele seu estilo inimitável. “Este blog é a minha tentativa de ajudar mulheres que viram suas vidas transformadas pelo câncer de mama. Se eu ajudar uma única pessoa, já estarei feliz”, ela diz. Então divulguem o blog, contem a seus amigos. Daniela passou por uma experiência terrível, e está aí para contar, com toques de humor negro. Pode ser inspirador para outras pessoas em situação parecida. Lembrando:

(Pronto, ganhei mais um dinheirim…)

Lembro-me de ter visto um especial dos Beatles em 1984, e de ter ficado besta ao saber que Paul McCartney fizera parte da banda. Eu era um fã recente de McCartney por conta do vídeo de Say, Say, Say, em que ele contracenava com Michael Jackson.

veja_johnlennon.gifAté então, eu pensava que bandas de rock tinham obrigatoriamente o formato de um líder mais um bando de músicos, e para mim o líder dos Beatles tinha sido John Lennon. Lennon era uma imagem na capa de uma Veja de 1980 que meu tio guardava com carinho. Eu já havia lido a matéria sobre a morte dele, e ficava chocado sempre que pensava no absurdo da coisa toda, assassinado por um fã. Só anos mais tarde, ao saber que Marvin Gaye fora morto pelo próprio pai, eu voltaria a experimentar uma sensação parecida.
Pois bem, John Lennon causara em mim uma forte impressão, e eu era um fã incondicional de Michael Jackson (e quem não era, naquele começo dos anos 80?). Sendo assim, Paul McCartney ganhava imensa importância por ter sido parceiro de ambos. Além disso, eu aprendia que uma banda podia ter mais de um protagonista.
Essa constatação, porém, não bastou para que a febre da beatlemania me afligisse. Na época eu me dedicava a ouvir o que tocava no rádio — Michael Jackson, Ritchie (meu segundo maior ídolo de então), Blitz, Ultraje a Rigor, Paralamas — ou o que meu tio ouvia em seu toca-discos, principalmente Pink Floyd e Raul Seixas.
Anos depois, acho que já na segunda metade da década, começou uma onda de nostalgia dos anos 60. Teve novela sobre a época, programas temáticos, músicas em tom saudosista. Para coroar tudo, Twist and Shout ficou semanas no primeiro lugar de todas as paradas de sucessos, mais de vinte anos após sua gravação. Nem isso me incutiu a curiosidade de ouvir Beatles, mesmo porque eu não tinha toca-discos em casa, nem toca-fitas, nem dinheiro para comprar discos ou fitas. Twist and Shout viria a ser desbancada por Can’t Take my Eyes Off You, e isso encerraria a onda nostálgica.

No começo dos anos 90 eu odiava Pearl Jam e considerava Nirvana apenas mais uma bandinha. Continuava fiel a Raul Seixas e Legião Urbana. Eu era um adolescente cristão e admirava tudo quanto era messias que me aparecia pela frente. Graças aos céus, descobri João Gilberto na época (principalmente por conta de um especial da Globo com ele e Tom Jobim), e meus conceitos mudaram. Comecei a ouvir música de outra forma e aprendi a tocar violão.

Nas rodas de violão eu não fazia grande sucesso, já que não sabia tocar Evenflow nem Plush. Compensava tocando a horrenda More Than Words ou coisas como Nothing Else Matters. Beatles? Nem de longe. O pai de uma amiga minha era fã, e desfiava as virtudes vocais do quarteto. Eu ignorava. Para mim, a banda era — como foi até há pouco tempo — música incidental, trilha sonora de elevadores e restaurantes.
Passei a década de 90 inteira ouvindo MPB e quase mais nada. Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Gal Costa, Ney Matogrosso, esse povo todo me enchia a cabeça. Ouvia algum deles até cansar, e então voltava a João Gilberto. E assim foi até o ano 2000, quando resolvi prestar atenção no que estava acontecendo e percebi que, afinal, nem tudo que era novo era ruim. Oasis, Blur, Chico Science e Nação Zumbi, Planet Hemp, Raimundos, Radiohead, Coldplay, Belle & Sebastian, Strokes. Depois que comecei o blog, em 2002, intensificou-se minha busca pelo que era novo, por influência das novas amizades, tudo gente dez ou doze anos mais nova do que eu. Eu começava um caminho que, inevitavelmente, me levaria aos Beatles.

De 2002 para cá, tive fases de ficar dias ouvindo uma música no repeat. Eleanor Rigby e I am The Walrus foram dois mp3 que quase se gastaram. E então, há algum tempo, uma matéria muito mal escrita sobre Sgt. Pepper’s… na Rolling Stone me despertou a curiosidade de ouvir o disco. O que me fez desencavar um velho CD de mp3 e ouvir Magical Mistery Tour e Revolver. O CD foi morar no carro e eu comecei a ouvir tudo, tudo.
De tanto ouvir Beatles, e com uma força da Fer, que pirateou quilos e quilos de material, viciei. Quero ouvir cada nuance, cada som de prato de bateria invertido, cada acorde. Li um texto dia desses que dizia que os Beatles pegaram o rock’n’roll do ponto onde Elvis Presley o havia deixado e o levou até o imponderável. Eu acho que é mais do que isso. Eu acho que, a partir de Rubber Soul, cada disco é uma dica do que se pode fazer com o som inventado pelos crioulos americanos. Toda banda que veio depois dos Beatles acaba seguindo uma dessas dicas.
Fiquei um tempão pensando em termos de probabilidade: qual a chance de dois gênios como John Lennon e Paul McCartney nascerem na mesma cidade, na mesma época, compartilharem os mesmos gostos, tornarem-se amigos e fundarem uma banda? Isso me deu nó nos miolos até que eu pensei numa alternativa mais simples: nenhum dos dois nasceu gênio, nem era gênio quando começou. A parceria entre eles, tão louvada no mundo todo, era sensacional, mas não foi o que os tornou semideuses. Lennon e McCartney só começaram a caminhar na direção da genialidade quando começaram a concorrer entre si. Foi como uma pressão evolutiva, com cada um querendo superar a última composição do outro. Fico imaginando a cara de Lennon ao ouvir Eleanor Rigby e a cara de McCartney ao ouvir I am The Walrus. “Feladaputa…”, devem ter pensado. A Day In The Life, composição de Lennon, acabou sofrendo enxerto de um trecho composto por McCartney. É como se Paul tivesse chegado ao seu limite: a música era perfeita demais, não havia como superá-la, o jeito era inventar um complemento e torná-la melhor ainda. A morte de John Lennon foi triste para muita gente, mas duvido que alguém tenha sofrido mais do que Paul McCartney. Sem seu concorrente, sem seu outro, ele ficou capenga. Compôs coisas lindas depois, mas nada que sobrepujasse suas criações dos tempos dos Beatles.

Aliás, nenhum deles foi o mesmo depois do fim da banda, nem mesmo Lennon. Os quatro juntos eram muito maiores do que a soma dos talentos individuais. Muito se especula sobre a separação. Fala-se na intromissão de Yoko Ono, no inconformismo de George Harrison, na ganância de Paul McCartney, no tédio de Ringo Starr. Eu também pensava assim, até descobrir que o último disco gravado foi Abbey Road, e não Let It Be, como acreditei até então. Após essa descoberta, percebi que a banda acabou por desgaste natural. E, arrisco dizer, acabou na hora certa, no auge. Seria triste e patético ver os Beatles hoje (com algum filho de John Lennon substituindo o pai, talvez Eric Clapton no lugar de George Harrison) fazendo uma turnê caça-níqueis mundo afora. Pararam na hora certa, cada um ganhou dinheiro para o resto da vida, e as dicas que deixaram inspiram muita gente até hoje. Que descansem em paz, os mortos e os vivos.

Estou há duas horas com várias bíblias, guias de referência e sites abertos, criando coragem para escrever o próximo capítulo, que é bem longo e cheio de reviravoltas. E agora, que eu ia começar a escrever, bateu o sono. Mas, vejam, já é uma evolução…

Eu tenho várias coisas para escrever. Poderia, por exemplo, contar a vocês sobre minha recente e tardia beatlemania, devidamente alimentada por minha traficante. Ou então postar um capítulo bíblico novo; já sei até por onde começar, o que não é pouca coisa. Só que hoje é um dia daqueles — esses últimos dias têm sido. Então tenham paciência, conversem aí nos comentários ou leiam posts randômicos. Eu volto quando alguma coisa acontecer.
(Cruzem os dedos)