(I Reis 14)
Jeroboão foi avisado pelo profeta de Judá, teve sua mão paralisada e viu o altar consagrado aos bezerros rachando ao meio. Nem assim, porém, o rei de Israel tomou tento. Vendo lá de cima que Jeroboão continuava a traí-lo com outros deuses, Javé resolveu que era hora de castigá-lo. Ergueu o punho, fez pontaria sobre a cabeça do rei, lançou sua maldição e… errou a pontaria. Jeroboão nem percebeu nada até ser avisado pela esposa que Abias, seu filho, caíra doente. Lá de cima, Javé disse “Epa” e tratou de improvisar um plano B.
Jeroboão podia ser idólatra e prepotente, mas era também um bom pai de família. Percebendo que a doença do filho podia ter alguma relação com as advertências do profeta de Judá, chamou sua mulher e lhe passou instruções:
— Minha filha, tu conhece Aías, o profeta que disse que eu ia ser rei e a porra toda, não é? Pois então: leve o barrigudim lá pro profeta, em Siló, explique a ele o leriado todo. Dê a ele uns pãezinhos, uns bolos, uns agrados, e pergunte que diacho vai acontecer ao menino. Mas vá disfarçada, viu? Se o cabra da moléstia souber que tu é minha mulher, é capaz de nem atender. Profeta é uma raça muito puxa-saco de Javé.
A esposa do rei botou então uma máscara de Groucho Marx, uma peruca azul, e foi ter com o profeta.
Aías já estava completamente cego, então a precaução de Jeroboão seria desnecessária. Seria, porque no mesmo momento em que sua mulher saía de casa para ir visitar o profeta, Javé batia à porta do velho.
— Quem é?
— É O FRIO!
— Não adianta bater, eu não deixo você ent…
— CALABOCA, AÍAS! SOU EU!
— Javé?
— É, porra!
— Já vou abrir.
— Não precisa, já estou aqui dentro.
— Eita. Como é que cê faz isso?
— EU SOU É DEUS, RAPAZ! DEUS!
— Sim, sim.
— Vim para dar um aviso. A mulher daquele desgraçado daquele Jeroboão está vindo aí. Vem num disfarce ridículo, para te enganar. Não se engane, Aías! Quando ela chegar, diga logo que sabe quem ela é e entregue este papel a ela.
— Pode deixar, Javé. O que está escrito no papel? Javé? Ô! Javé! Sumiu… Comé que ele faz isso, diacho?
Quinze minutos depois era a mulher de Jeroboão que batia à porta de Aías.
— Quem é? É a mulher do rei?
— …
— Não adianta disfarçar, minha filha. Pode entrar, fique à vontade.
— Como o senhor sabia que era eu?
— Javé me disse que a senhora viria. Pediu-me para entregar-lhe este papel.
— O que está escrito?
— Eu sei lá! O diabo do recado não está em braile.
A mulher aproximou o papel de um lampião e leu o recado terrível que Deus tinha para seu marido:

Jeroboão, seu bosta.
Você pensava que podia me sacanear, adorar a outros deuses e levar o povo à idolatria sem que nada lhe acontecesse? Eu avisei, eu avisei… Escolhi você para ser rei. Tomei a maior parte do reino da família de Davi e a entreguei a você. E o que você fez? FODEU COM TUDO, SEU MERDA!
Ah, que saudade de Davi! Aquele sim me obedecia. Eu dizia “vá”, e ele ia. Dizia “mate”, e ele matava. Com gosto! Você não chega nem aos pés de Davi.
Você me traiu, Jeroboão, e por causa disso eu vou trazer desgraça para sua família. Todos os seus descendentes homens terão morte horrível. Eu vou varrer sua família do mapa como quem varre um monte de bosta, que é isso que vocês são. Seus descendentes não terão sequer o direito à sepultura: serão devorados pelos cães e pelos corvos.
Que isso lhes sirva de lição
J.

Enquanto ela lia a carta, o telefone tocou. O profeta foi atender e voltou com a maior cara de tristeza do mundo.
— O que diz o recado, dona?
Ela leu a mensagem em voz alta, e Aías não precisava de visão para saber que a mulher chorava enquanto lia.
— É muito triste mesmo. E tem mais.
— Como?
— Javé ligou agora. Mandou dizer que o menino vai morrer assim que a senhora pisar na cidade.
— MEU DEUS!
— Meu também, mas o que se vai fazer? Ele diz que esse menino vai ser o único da família a ter uma sepultura decente, porque é o único de quem ele gosta de verdade.
— Gosta? GOSTA? Meu marido errou, ele castigou o menino, e ainda diz que GOSTA dele?
— Dona, eu só dou o recado. Entendo nada também. Diga isso ao rei, e diga também que Javé mandou avisar que vai castigar o povo de Israel por sua idolatria. O povo será arrancado dessa terra e espalhado por aí.
Sem acreditar no que acabara de ouvir, a esposa do rei saiu da casa de Aías sem se despedir. Vagou durante horas por estradas secundárias, sem coragem de voltar para casa. Se o que o profeta dissera era verdade, assim que ela chegasse a Tirza seu filho morreria. Depois de muito andar, percebeu que era inútil adiar: de uma forma ou de outra ela teria que voltar à cidade, e se não o fizesse Javé era capaz de adotar represálias piores ainda. Foi, portanto, para a cidade. Assim que ultrapassou as muralhas, ouviu o grito de Jeroboão. Quando entrou no quarto do menino, viu o rei chorando debruçado sobre o corpo.
O príncipe Abias, mais uma vítima inocente de Javé, foi pranteado por todo o povo de Israel e sepultado em Tirza.
Após a morte do filho, Jeroboão começou a definhar. Parou de comer e beber, não se dedicava a mais nada e vivia vagando pelo palácio com olhos vazios. Vinte e dois anos depois de assumir o trono, o rei de Israel morreu e seu filho Nadabe foi coroado. Não durou muito.
Quando Jeroboão morreu, Roboão já apodrecia em sua cova havia cinco anos. O rei de Judá morrera aos 58 anos de idade, 17 deles no trono. O comportamento de Roboão não fora melhor que o de seu colega do norte: durante seu reinado, o povo adotou os costumes e os deuses dos países vizinhos. Havia altares pagãos nas montanhas, bosques consagrados a diversas divindades e até orgias sagradas com prostitutas fazendo as vezes de sacerdotisas.
No quinto ano do reinado de Roboão, Sisaque, rei do Egito, atacou Jerusalém e saqueou o templo e o palácio construídos por Salomão. O rei mandou fazer escudos de bronze para substituir os outros, de ouro, que haviam sido levados para o Egito.
Os reis do norte e do sul mantiveram-se em guerra enquanto Roboão foi vivo. Quando ele morreu, foi enterrado no mausoléu dos reis, e seu filho Abias subiu ao trono. Também não durou muito.