De todas as parábolas de Jesus, a preferida da minha infância era aquela dos dois sujeitos que construíram suas casas sobre fundamentos diferentes: um na rocha, outro na areia. O que firmou o alicerce na rocha manteve sua moradia depois do temporal; o da areia ficou sem teto. A intenção de Jesus ao contar essa parábola era mostrar a diferença entre quem ouvia seus ensinamentos e os praticava, e quem não lhes dava bola. O fascínio da história para mim, no entanto, vinha de um detalhe dos mais bestas: da primeira vez em que a ouvi, fiquei sabendo que o néscio construíra sua casa na areia. Eu, é claro, tinha certeza que Néscio era o nome do fulano. Ficava pensando no pobre do Néscio, desolado ao ver os destroços de sua casa espalhados pela praia.
Lembrei-me da parábola hoje enquanto assistia ao filme Casa de Areia, de Andrucha Waddington. Não pelo título, mas pelos fundamentos do filme: assim como a casa do coitado do Néscio, o filme foi construído sobre uma base frágil, e não se sustenta de maneira alguma. O roteiro é fraco, as atuações são apenas passáveis (com exceção de Fernanda Montenegro contracenando com ela mesma, mas aí já é covardia), a direção é sonífera. São 109 minutos de filme: nove de diálogos e cem de longas tomadas de areia, água, areia, céu, areia, Seu Jorge, areia, areia, Fernanda Montenegro de oclinhos, areia, Fernanda Torres pelada, areia, areia, areia, areia…
(As tomadas são longas mesmo, creiam. É de bom tom apreciar tomadas longas. Eu poderia escrever um artigo deslumbrado para qualquer caderno cultural, comparando Waddington a Akira Kurosawa e Glauber Rocha, sem ter precisado assistir a nenhum filme de qualquer um dos dois. Depois era só dar uma pincelada de psicanálise, dizer que a areia é o símbolo da opressão, ou da insignificância humana, ou do isolamento do indivíduo, ou do útero primordial, ou de qualquer bobagem, e pronto!, mais um texto para ser discutido pelos desocupados que insistimos em chamar de intelectuais).
O filme se passa nos Lençóis Maranhenses, o que mostra ao menos a esperteza dos produtores: aprenderam com Cacá Diegues que não há apenas tetas federais; há muitos mamilos estaduais e municipais doidinhos para verterem seu leite em troca de imagens que possam atrair turistas. Está lá o selinho do Governo do Estado do Maranhão que não me deixa mentir. Um mamão lava o outro, dizem, e Néscio Waddington e sua gangue sabem muito bem disso.
O filme é longo à exaustão, previsível ao tédio, chato à morte. E é o nosso dinheiro, não se esqueçam. Não, não o dinheiro do ingresso. Acordem: o dinheiro dos nossos impostos.
Aliás, uma das co-produtoras do filme é a Quanta Centro de Produções.
Peraí.
Então parte do dinheiro da Petrobrás, da Ancine, do Governo do Maranhão e de outras tetas foi para a empresa que pertence ao Ministro da Cultura? É isso?
Eita país danado!