Desviei minha atenção do Cortázar que lia para observar uma abelha que andava em círculos pela calçada. Descrevia um círculo completo, parava um pouco, depois recomeçava no sentido oposto uma circunferência menor. Não tinha ferrão — defendendo a colônia e uma rainha que sequer a conhecia (embora fosse sua mãe, como de todas as outras), ferroara algo que ameaçava a colméia, talvez apenas uma criança curiosa, e agora agonizava por ter perdido as vísceras junto com sua arma de uso único. Após um tempo, começou a girar em torno de si mesma e parou. Movimentava-se muito pouco, e as formigas começaram a se assanhar ao seu redor. Movido por não sei que solidariedade que tenho por essas criaturas — a abelha é um bicho útil, solidário e o mais inteligente dos insetos — aproximei um graveto ao qual ela se agarrou com as patas ainda cheias de pólen. Depositei-a sobre uma florzinha miúda de alecrim e ela animou-se um pouco, como se pudesse voltar ao trabalho. Não durou muito: logo parou de movimentar-se, e depois de um tempinho caiu do arbusto. Estava morta, e as formigas podiam fazer seu trabalho.