(II Samuel 12:16-31)
No último capítulo, vimos que Javé, em sua infinita misericórdia e absoluta justiça, determinara que o filho de Davi pagaria pelo crime de seu pai. Não demorou a agir; assim que o profeta saiu do palácio, chegou ao rei a notícia: a criança estava gravemente enferma. Mas Davi, já estamos cansados de saber, não era muito de abaixar a cabeça para as ordens de cima: era orgulhoso, atrevido, e não aceitaria quietamente esse castigo estúpido. Então afrontou a Javé, pedindo pela vida do filho, e ficou em jejum. Isolou-se em seus aposentos e passou a noite toda deitado no chão. Os empregados do palácio queriam fazê-lo levantar-se e comer alguma coisa, mas ele estava firme em seu intento. A atitude era provocativa: Javé já determinara que a criança morreria, e Davi ousava discutir, demonstrando a todos que se martirizava para salvar a vida do filho condenado. Assim passou uma semana, deitado no chão duro e sem comer absolutamente nada.
Ao fim de uma semana, o menino morreu e os funcionários do palácio ficaram sem saber o que fazer:
— Se o rei nem nos respondia quando a criança estava doente, como vai ser agora que ela morreu? Ele é capaz de fazer alguma besteira.
Um empurrava para o outro a responsabilidade de dar ao rei a notícia. Não foi preciso: ouvindo os cochichos ao seu redor e vendo as expressões de pesar em todos os rostos, Davi deduziu o óbvio. Olhando vagamente em volta, perguntou:
— A criança morreu?
Com a confirmação de suas suspeitas, o rei surpreendeu a todos: levantou-se, tomou um banho, penteou os cabelos e trocou de roupa. Em seguida foi até a tenda onde estava a Arca Sagrada para prestar um culto a Javé. De volta ao palácio, pediu que lhe servissem comida. Os empregados ficaram sem entender nada:
— Majestade… Enquanto o menino estava vivo o senhor passava o dia chorando e não comia nada. Foi ele morrer, e o senhor está aí, disposto. Que foi isso?
— Ué. É isso mesmo. Enquanto ele estava vivo, eu jejuei e chorei, pensando que talvez Deus pudesse ter pena de mim e salvar a vida do menino. Mas agora que ele está morto, de que adianta chorar? Eu não posso fazê-lo viver de novo. Um dia eu irei para onde ele está, mas ele nunca vai voltar para mim. Entenderam?
Os empregados compreendaram muito bem. Isso explicava, aliás, a ida ao Tabernáculo: Davi o fizera mais para reconhecer a vitória de um adversário do que para adorar a um deus.
Davi perdeu essa batalha com Javé, mas em Amom tudo corria bem: Joabe continuava cercando a capital, Rabá. Quando estava para invadir a cidade, mandou uma mensagem a Davi:
Rabá está cercada, e eu tenho o controle dos reservatórios de água. Agora o senhor pode vir para cá com seus soldados para tomar a cidade. Eu não quero a fama por essa conquista.
J.
Joabe podia ser um brutamontes, mas também sabia ser político. Cedendo a glória da tomada de Rabá a Davi, crescia aos olhos do rei e tirava o cadáver de Urias do meio do caminho entre eles. O rei, tendo compreendido a mensagem, juntou seus soldados e partiu para Amom, atacando e conquistando Rabá. Feito isso, condenou seus habitantes a uma vida de trabalhos forçados, e tomou como lembrança a coroa do rei de Amom, que era de ouro e pedras preciosas e pesava 34 quilos (a coroa, não o rei. Seria ridículo). Missão cumprida, voltaram todos a Jerusalém.
Na capital, Davi ainda tinha um problema: Bate-Seba, sua favorita, ainda sofria pela morte do filho. Davi consolou-a do único jeito que sabia, e ela engravidou novamente. Nove meses depois nasceu o menino Salomão. Javé, sabendo que Davi ainda guardava rancor por causa do filho morto, resolveu ser diplomático e mandou Natã dizer ao rei que tinha gostado muito do novo garoto. Como prova disso, ordenou ao profeta que desse ao menino o nome de Jedidias, amado por Deus em hebraico.
Davi ignorou a mudança de nome.