The Pianist e o estupro em forma de dança

Ontem assisti finalmente ao filme The Pianist, de Roman Polanski. Aquele mesmo, do cara que até os judeus chamam de narigudo. Não vou falar do filme: é excelente, se alguém aí ainda não viu, trate de ver. Só quero falar de uma cena.


Logo no começo do filme, dá-se o confinamento dos judeus a um gueto em Varsóvia. Acontece que uma rua da cidade corta o bairro judeu (“Por que temos uma rua de gentios passando pela nossa área? Por que eles não dão a volta? Os alemães se dizem inteligentes, mas sabe o que eu acho? Eu acho que são uns completos idiotas”). Quando há movimento, cancelas são fechadas, e os guardas cuidam para que nenhum judeu atravesse. Nessa cena, alguns músicos de rua tocam enquanto as pessoas esperam. Os guardas nazistas, entediados, começam a espezinhar um velho:
— O que há com você? Está com pressa? Faça alguma coisa, oras! Dance! A música é pra vocês, dance!
Os dois guardas se aproximam e obrigam o velho a dançar. Chamam outra pessoa para dançar com ele. Em pouco tempo, formam vários pares de judeus, que dançam para o divertimento dos guardas. A cena é revoltante pela dimensão da humilhação a que são expostas aquelas pessoas.
Vendo isso, lembrei-me desse post do Alexandre Soares Silva e meu comentário subseqüente por aqui. A pergunta que me veio à mente de imediato foi: Se não há nada de errado na dança, se ela é tão inocente quanto comer ou jogar xadrez, porque essa cena é tão horrível?

32 comments

  1. Na cena, os casais são formados com pessoas, ahm, opostas. Vou me explicar. Tem o velho e o menino, uma mulher alta com um homem baixo, o homem de muletas e a mulher com as duas pernas, e mais alguns casais.
    Divertimento. Divertimento à partir da humilhação dos judeus. Não é a dança, o ato em si, mas o que está por trás. Os soldados criaram uma forma de se divertir usando os casais “exóticos”, por assim dizer.
    E fizeram isso porque estavam numa posição que lhes conferia uma certa autoridade – ainda que as coisas tenham chegado a esse ponto através de caminhos tão tortos. Acredito que esse seja o motivo: esse abuso patente e a essa humilhação (que passa pela passividade obrigatória da platéia – espectadora, em um silêncio constrangedor).
    Quando assisti a esse filme, e vi essa cena, passei pelo mesmo.

  2. não dá pra medir o mal, então basta um pequeno pecado e sua alma já está condenada. eu ia ficar aterrorizada se alguém me forçasse a comer carne de porco, que eu não como de jeito nenhum, mesmo sabendo que se comer não vou morrer. ia ter pesadelos pro resto da vida. e nesse caso, comer é como dançar, é como trepar, é como cantar. Se alguém te força, te rouba aquele passo de dança ou uma nota incrível da tua garganta… é horrível. acho que tava pensando mais naquele post do que nesse, mas é que eu também fiquei pensando muito naquilo.

  3. Acho que até mesmo quando fazemos algo inocente e que pode até mesmo ser belo, num momento de angústia, levados por uma obrigação tamanha, que nos garante a vida, a situação de obrigação, de falta de saída, faz com que isso se torne humilhante.
    O momento daquelas pessoas não era para dançar…
    Ah, antes que reclame, não li o post do link pq o meu pc está muito devagar, se quiser reclamar, que reclame!
    Ah, vc sabia que os Alemães usam muito este termo de fariseus realmente no dia a dia para traidores? Combina com o seu post, por isso escrevi!

  4. Quando eu fui ao quartel no dia do alistamento, um “num sei o quê” que lá estava, pegou um rapaz pra cristo…
    Perguntou se o garoto gostava de pagode e ele respondeu que sim. Pois o guarda fez com que ele ficasse uns 20 minutos cantando pagode sem parar. Depois perguntava a hora pro rapaz e ele tinha que responder: “Cuco, nove horas e quinze minutos” (como se fosse um relogio onde o cuco avisa as horas)…
    Foi revoltante e constrangedor pra todo mundo que ali estava…

  5. Ok, eu fui ler o Post do Alexandre… Achei muito interessante a colocação dele… Concordo quando ele deixa a entender que o sexo não pode ser encarado com a mesma naturalidade que uma partida de xadrez…

  6. Eu entendi o horrível aí do post, mas falando em cinema, essa cena é maravilhosa! Genial! A direção… Polanski! Inveja dele!
    Falando em cinema, viu “Brilho eterno…”, aquele roteirista é outro que invejo do fundo de minha alma, se é que tenho uma…

  7. Muy Bien! Como alguém poderia achar a dança uma coisa horrível se ela é tão festiva e alegre!?!
    Pois é… Continuo achando que o Mr Alex insiste em meter as polainas pelas luvas nesse post.
    A dúvida dele é “se o sexo é tão ‘natural’, por que pode ser tão traumatizante?” Não é isso? Mas para exemplificar ele coloca a violência na equação e atrapalha a própria argumentação.
    A pergunta continua sendo boa, todavia.

  8. Mudando de assunto um pouco Marco, por um acaso, você já assistiu ao “Efeito Borboleta” ??
    Na boa, um dos melhores roteiros que já assisti no cinema.
    Bem, mas cada um tem uma opinião né ?

  9. Foda-se que a pergunta é retórica. A resposta é tão óbvia que não sei o porque de tanto barulho sobre as diferenças entre xadrez, sexo, comer ou dançar. É só uma pequenina questão de valores, meu caro, apenas valores. Tudo que for oposto aos seus maiores valores e princípios, é chocante. Mas pensando bem, foda-se. É apenas uma pergunta retórica…

  10. Talvez porque dança e sexo não estejam tão longe assim um do outro. “A dança é a satisfação horizontal de um desejo vertical”, alguém falou isso, não lembro quem.

  11. Marco, sem muitos elogios hoje q tô sem saco. Queria muito levar os livros mas não consigo. Vai ver q eu não sou inteligente como penso. Vai ver q eu nem existo, ou q vc nem existe e nem esse blog grudendo q nem jaca(Coisas de Fabrício Leotti). Bem, como faço para copiar do Adobe Reader para o Word? Pois copio na Universidade e levo p casa. Um abraço.

  12. Olá, tudo bom ?
    Sempre via seu link no blog do Eddie (www.atrindaderpg.blogspot.com) e hoje resolvi vir aqui.
    Achei muito legal seu blog.
    Muito criativo…gostei muito.
    Adorei o post dos conselhos do titio Marcurélio.
    Virei aqui mais vezes…
    t+
    DSAG

  13. tsc, sacanagem é lembrar do nazismo todo ano. Tá certo que foi um ato vil e que não deve ser esquecido, mas já estão banalizando. Todo ano tem um filme contando a história, alguns bons, outros medianos, mas sempre tem. Cadê a linha que separa a preocupação genuína da exploração marketeira?

  14. Danie3lla, não seria o contrário? Eu pelo menos danço de pé e transo deitada… epa, não é verdade. Eu transo de várias formas, mas não é esse o caso.
    Qualquer coisa que originalmente se faça por prazer ou diversão passa a ser horrível quando é forçada. QUALQUER coisa, até jogar xadrez…

  15. Se vocês alguma vez tivessem me visto (tentar) dançar, iam achar tão horrível quanto um estupro. Ou incesto. Ou enfiar um peru goela abaixo de alguém (epa !).

  16. Eu acho que a cena mais triste do filme é aquela que a familia tem que dividir um caramelo entre todos e que no fundo uma mulher chora por ter sufocado o seu bebe. É uma das cenas que nunca vai sair da minha cabeça.

  17. O que é apresentado na dança é o que eu, pelo menos, considerei a melhor idéia do filme: a de mostrar como os nazistas consideravam os judeus uns animais. A cena da dança era apenas entretenimento, como se os judeus fossem meros bichinhos de estimação para a diversão da raça superior.
    Mais tarde, quando o filme é interamente voltado para a sobrevivência do personagem principal, nota-se que ele se escondia em burados e que, sem companhia, sem falar com niguém durante meses, ele acabou comportando-se como um animal até finalmente voltar à sociedade como o artista que ele era.
    http://www.bioscopio.blog-city.com/read/679196.htm

  18. é o constrangimento que incomoda na cena (pelo menos ao meu ver). Constranger um outro ser é que provoca a humilhação e torna a sena indigerível.
    Não é fazer sexo à força, jogar xadrez à força, dançar à força e sim constranger um outro alguém a saciar as suas vontades que gera a humilhação e o incomôdo.
    Beijo

  19. Se vc acha q sexo é tão inocente qto uma partida de xadrez, então uma vitória extremamente difícil no xadrez seria equivalente a comer a Liv Tyler???Vc lembraria das duas DA MESMA FORMA? O erro está na pergunta, sexo é EXTREMAMENTE diferente de jogar xadrez ou dançar…

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