Pense numa cena em que alguém combate vários inimigos, todos eles com a mesma cara. Pensou em Matrix Reloaded, com o Neo lutando com os Smiths? Pois esqueça: Uma Thurman dando porrada num bando de japoneses é MUITO melhor.
Falo mais nada do filme. É do Quentin Tarantino, oras, e você sabe o que isso significa: VÁ ASSISTIR AGORA.
(I Samuel 17:41-58)
Com todo esse negócio de guerra, ameaças e desafios, a loucura de Saul amainara um pouco. Eram tantas as preocupações ocupando a mente do rei que o espírito mau não achava uma brecha para entrar. Mas foi só Davi virar as costas para ele voltar ao abilolamento de sempre. Chamou Abner, seu primo e comandante do exército, e perguntou:
— Abner, quem é aquele rapaz indo ali?
— Qual rapaz?
— Aquele ruivinho ali, de cajado na mão.
Abner era um bajulador dos mais desavergonhados, então achou melhor não contrariar o rei:
— Meu senhor, juro pela SUA alma que não sei!
Espertinho o danado, né? Até faz juramentos, mas pela alma alheia. Muito safo, muito safo. Saul não percebeu que o juramento botava em risco apenas sua própria vida, e ordenou:
— Pois procure saber.
— Pois não, majestade, é para já.
Abner fingiu que foi averiguar quem era o tal rapaz, mas é claro que não foi. Aproveitou para tirar uma soneca em sua tenda.
Enquanto isso, a notícia de que finalmente os israelitas haviam escolhido o homem para lutar contra Golias já chegara ao acampamento filisteu. Disseram a Golias que seu oponente o esperava lá embaixo, na margem do Rio. Feliz da vida com a perspectiva de um pouco de ação depois de quarenta dias de bravatas, Golias vestiu sua armadura, chamou seu escudeiro e desceu. Lá no alto, filisteus e israelitas apinhavam-se para assistir à luta, um grupo de cada lado do vale. Do acampamento filisteu vinham gritos de “GOLIAS! GOLIAS! GOLIAS!”. Do israelita, nem um pio.
Quando Golias chegou perto e viu aquele rapazote ruivo diante dele, sem nenhum tipo de armadura e de cajado na mão, teve uma crise de riso:
— Que que é isso? QUE QUE É ISSO? HAHAHAHAHAHAHAHAHAHA. É algum tipo de piada israelita? DAGOM DO CÉU! HAHAHAHAHAHAHAHAHAHA! Ai, ai. MEU ESTÔMAGO DÓI! Então é esse o golpe, querem me matar de rir? É BOA, MUITO BOA!
— Grunf.
— Tá resmungando o quê, moleque? Ou será que você é uma menina? É uma menina, é? Por acaso eu sou algum cachorro para você vir me enfrentar com uma vara, ô coisinha? Puta que pariu… Eu rogo a praga dos meus deuses contra você: QUE VOCÊ SE FODA E QUE O MEU PAU CRESÇA! HAHAHAHAHAHAHA! Vem pra cima com seu cajado, vem. Vou dar sua carne para os bichos do deserto comerem!
— Você vem contra mim… AHAM! Você vem contra mim com sua espada , sua lança, seu escudo, e esse equipamento todo aí que eu não sei o nome. Mas eu vou contra você com o apoio de JAVÉ!
— De quem?
— Er… Javé.
— Conheço não.
— É o nosso Deus. O Senhor dos Exércitos. O Todo Poderoso. O Criador do Céu e da Terra. O…
— Peraí. Esse é o Dagom.
— Mané Dagom!
— Escuta, viemos aqui para lutar ou para discutir teologia, ó caralho?
— Tá irritada, santa?
— Mas olha que moleque ousado… Espera aí que eu já acabo com a tua raça!
— Você? EU acabo com a TUA raça. Com a ajuda de Javé, hoje eu corto sua cabeça. E os bichos do deserto terão um jantar muito mais farto do que a minha carne: a carne de todo o exército filisteu.
— Ah, é? Depois de me matar a pauladas, vai sair matando todo mundo lá em cima? Como, mordendo os caras até a morte? Olha, chega de tanto lero-lero, já estou cansado de gastar saliva com israelita.
Dizendo isso, Golias começou a avançar na direção de Davi. O rapaz não se intimidou com o gigante, e saiu correndo contra ele. Enquanto corria, enfiou a mão no alforje e pegou uma das pedras. Quando já estava suficientemente perto de Golias, enfiou a pedra na funda e começou a girá-la sobre a cabeça. Depois de muito girar, soltou uma das pontas da funda e a física se encarregou do resto: a pedra saiu pela tangente e voou, indo cravar-se bem no meio da testa do filisteu, única parte desprotegida de seu corpo. O gigante vacilou um pouco, olhando fixamente para Davi sem entender o que acabara de acontecer. Depois de um tempo assim parado, dobrou os joelhos e caiu de cara no chão. Davi correu, tirou a espada de Golias da bainha e com ela cortou-lhe a cabeça.
(Davi e Golias – Caravaggio (1606) – Kunsthistorisches Museum, Viena)
A situação inverteu-se: o acampamento israelita prorrompeu em brados de vitória, e o filisteu ficou em silêncio por um minuto, enquanto os soldados digeriam o acontecimento inacreditável. Quando finalmente se deram conta de que era verdade mesmo que seu maior campeão acabara de morrer nas mãos de um pastorzinho adolescente, ficaram apavorados e bateram em retirada. Os israelitas atravessaram o vale e perseguiram-nos até as cidades de Gate e Ecrom, na Filistia. Depois de matarem muitos inimigos e acuarem outros tantos em suas cidades, os israelitas voltaram e despojaram o acampamento filisteu.
Quanto a Davi, pegou a cabeça de Golias e a levou para Jerusalém, cidade que começava a tornar-se importante. Depois voltou para casa, levando as armas do gigante como souvenir.
Para quem até pouco tempo atrás era apenas um pastor de ovelhas, Davi podia dar-se por satisfeito: além de trabalhar no palácio e ter a confiança do rei (embora Saul já não se lembrasse), começava agora sua carreira militar, e da forma mais impressionante. Ele, porém, lembrava-se muito bem da estranha visita de Samuel à sua cidade, e sabia que sua história estava apenas no começo.