Deprimido, de saco cheio e cansado de ficar trancado em casa na frente deste computador, tomei uma decisão drástica: “Vou ao cinema”. Tão logo decidi, desliguei o micro, vesti uma calça (que eu não usava há mais de três anos, porque não servia mais, rá!), uma camiseta qualquer e rumei para o templo da cultura e do entretenimento. Só que aí lembrei que não sei onde fica o templo da cultura e do entretenimento, então me contentei em ir ao Shopping Metrô Tatuapé. Vi lá um filme qualquer, zanzei pelas livrarias, comi um negócio. Estava tomando um milkshake de Ovomaltine e lendo, quando alguém se aproximou e fez a pergunta:
— Você é o Marco Aurélio?
Levantei os olhos do meu livro. Um rapaz de sorriso franco, portanto um bloquinho de notas, e acompanhado por uma linda garota. Apresentou-se e a ela. Eu tenho um problema muito sério com nomes, mas tenho quase certeza que o nome dele era Juca. Dela eu esqueci. Desculpem, por favor, essa minha deficiência.
Bom. Os dois sentaram-se comigo, conversamos bastante. Juca elogiou meus escritos, o que é sempre desconcertante porém muito gostoso. Depois de algum tempo conversando, os dois despediram-se e saíram. Acompanhei o belo casal com o olhar. Ali estavam as pessoas que vieram para levar minha depressão embora. Muito, muito obrigado aos dois.

(Mas, na boa, custava nada vocês me avisarem que eu tava com um monte de comida no meio do aparelho, né? Cheguei em casa e minha irmã quase teve sua filha com dois meses de antecedência ao ver a maçaroca nos meus dentes…)

(I Samuel 17:1-11)
Tanta coisa acontecendo em Israel e os filisteus quietinhos. Estranho, não? Pois é. E não durou muito: na época em que Davi estava trabalhando no palácio, os filisteus começaram a se movimentar e acamparam entre Socó e Azeca, no território de Judá, um lugar conhecido como Efes-Damin, Fronteira Sangrenta. Saul ficou sabendo, juntou seu agora bem treinado exército, e foi acampar no Vale de Elá.
— É lá?
Humpf. Elá, como vocês sabem, é carvalho em hebraico. Continuemos.
Então os filisteus ficaram no morro do lado de lá, os israelitas no morro do lado de cá, e passavam os dias trocando insultos:
— Ô, do pau cortado! Sua mãe é tão feia que a sombra dela fugiu!
— Tá falando o quê, macaco? Sua mãe é tão gorda que as pessoas fazem cooper em volta dela!
— Sua mãe é tão velha que esqueceu a bolsa na Arca de Noé!
— Sua mãe tem pêlo na teta!
— Sua mãe tem pêlo no útero!
— SUA MÃE PASSA ATUM NA BOCETA E DÁ PRO GATO LAMBER!
— FILHO DA PUTA!
— UHU! Apelou, perdeu!
— Merda…
E assim passavam-se os dias, com xingamentos de um lado e de outro e nenhuma ação. Até que um dia, no meio da guerra verbal, os israelitas viram alguém saindo do acampamento dos filisteus e vindo para a borda do morro.
— Ô, que palhaçada é essa? Tá montado na cacunda do seu pai? Hein! Fala! Responde! Resp… Epa.
O tal homem parecia mesmo estar encarapitado nos ombros de alguém. Claro, ninguém podia ser daquele tamanho. Mas acontece que Golias era: quase três metros de altura. Trazia na cabeça um capacete de bronze, e estava enfiado numa armadura, também de bronze, que pesava mais de 70 quilos. As pernas estavam protegidas por caneleiras e ele carregava nos ombros um dardo de bronze. Sua outra arma era uma lança, cuja haste parecia um eixo de tear, e da qual só a ponta pesava quase 10 quilos. A frente desse gigante encouraçado ia seu escudeiro, um homem de estatura normal, mas que parecia o Nelson Ned se comparado ao patrão. Postou-se bem de frente para onde estavam os israelitas, botou as mãos na cintura e começou a gritar com seu vozeirão:
— Ô, suas frangas do inferno! O que vocês estão fazendo aí? Querem briga, é? Pois venham! Eu sou filisteu, com muito orgulho. E vocês, são o quê? Escravos de Saul? Pffff… Olhem, vou propor uma brincadeira a vocês, uma aposta. Seguinte: escolham um de seus homens para lutar comigo. Qualquer um. Se ele me matar, nós seremos seus escravos. Caso contrário, vocês nos servirão. E aí, não dizem nada? Está lançado meu desafio, suas bichas! Mandem alguém. Mandem qualquer um.
Golias deu meia-volta e retornou calmamente à sua tenda. Do lado de cá, Saul e todo o exército israelita estavam apavorados. Recusar o desafio de Golias seria uma demonstração de pusilanimidade. Mas quem poderia ir lutar contra tamanho gigante? Lembremos que, fosse quem fosse, teria o destino de Israel em suas mãos. Quem teria coragem e força suficientes para enfrentar um guerreiro de três metros de altura? Quem? Quem?
Bah, vocês sabem quem. O suspense é só para não perder o costume.

Observação: Todas as variantes da Tradução João Ferreira de Almeida dizem que Golias tinha 6 côvados e meio de altura. Se considerarmos que o côvado tem 45 centímetros, chegamos a 2,92m. Há quem fale em côvado de 66 centímetros, o que nos daria um gigante de mais de 4 metros. No entanto, a Tradução na Linguagem de Hoje, da Sociedade Bíblica do Brasil, diz que o gigante filisteu tinha 2,10m, nada de descomunal. Não sei de onde os tradutores da SBB tiraram essa medida, mas arrisco dizer que foi mera preocupação com a verossimilhança. Uma grande bobagem: depois da travessia do Mar Vermelho, quem é que vai se preocupar com verossimilhança, meu Deus?
O que eu acho: Davi matou um cara de metro e oitenta de altura, nada de mais. Falou para seu filho, Salomão, que tinha matado um homem de mais de dois metros. Salomão, por sua vez, contou a Roboão que vovô matara um filisteu de 2,5 metros. Então alguém teve a idéia de escrever logo a história, antes que começassem a dizer que Golias usava o Mar Morto como ofurô.