(I Samuel 6)

Já fazia sete meses que a Arca da Aliança estava na Filistia, passando de cidade em cidade e deixando atrás de si um rastro de homens que não podiam se sentar. A situação tornou-se insuportável. “Não tem cu que agüente”, como diz aquela bela canção. Então os filisteus foram pedir conselho a seus sacerdotes e magos:
— Olha, não tá dando mais. Manter esse baú israelita aqui na Filistia é loucura. Queremos mandar esse troço de volta.
— Mandem, ué. Mas não mandem sem um presente, pelo menos, que é para os israelitas saberem que é de boa fé que vocês estão devolvendo o baú deles.
— Hum. Que presente?
— Algo que demonstre que reconhecemos a derrota: mandem cinco hemorróidas de ouro e cinco ratos de ouro.
— Er… HÃ???
— Isso mesmo: vocês vão mandar fundir hemorróidas e ratos de ouro, e este será o presente para os israelitas e para o deus doido lá deles. Cinco de cada um, representando os governadores filisteus. Porque a praga que atingiu o povo atingiu a eles também. Ah, atingiu! É bonito de se ver um governador se arrastando por aí, suando frio levando na mão uma almofadinha de rosca.
— Hehehehe.
— É, até uma praga tem seu lado bom. Pois então, com esse presente talvez o deus israelita deixe nossos cus em paz. Não vale a pena sermos teimosos. Há muitos séculos os egípcios resolveram ser teimosos, e o tal Javé os infernizou até o limite. O cara não desiste.
— Tá bom. E aí a gente vai até lá e entrega o baú junto com os presentes?
— Estão doidos? Os israelitas acabam com a raça de vocês. Não, não: vocês vão botar o baú numa carroça. As hemorróidas e os ratos de ouro vão numa caixa ao lado. A carroça será puxada por duas vacas. Vocês vão deixar as vacas irem por onde bem entenderem. Se elas forem para Bete-Semes, em Israel, isso significa que o que aconteceu foi mesmo um castigo do deus deles. Caso contrário, a praga terá vindo por acaso.
— Não é um procedimento meio esquisito não?
— Procedimento meio esquisito é fazer banho de assento todo dia. Somos seus sacerdotes, confiem em nós.
— Tá bom, então.
Os filisteus seguiram o conselho dos sacerdotes e magos. Para começar, fizeram os ratos e as hemorróidas de ouro. Cabe uma dúvida aqui: fazer um rato de ouro é fácil, mas e uma hemorróida? Será que usaram os governadores como modelos? Fico imaginando… Bom, não importa: fizeram as tais esculturas e botaram numa carroça junto com a Arca. Então a carroça foi andando conforme a vontade das vacas, sendo seguida pelos governadores filisteus.

É.
Como diz aquela música, sabe? Aonde a vaca vai / o governador vai atrás.
AHAM!
Perdão, perdão.

As vaquinhas foram mugindo, cagando e andando, e acabaram justamente em Bete-Semes, terra natal de Josué, na fronteira com a Filistia. Os filisteus seguiram a carroça até os limites da cidade, e ficaram observando.
Os habitantes de Bete-Semes estavam colhendo trigo no vale quando viram ao longe a Arca da Aliança se aproximando. Ficaram extremamente felizes, é claro, e correram para o objeto sagrado. As vacas devem ter ficado muito contentes ao verem que sua chegada era recebida com tamanha alegria. Mas não durou muito: os israelitas retalharam as pobrezinhas e, usando a madeira da carroça como lenha, queimaram sua carne como sacrifício. Vendo que tudo terminara bem, os governadores filisteus voltaram para casa, já sentindo algum alívio em suas “partes secretas”. Os israelitas festejavam e comentavam os estranhos presentes:
— Tá. Mandar esses ratos de ouro foi um negócio bem esquisito, mas pelo menos a gente sabe o que são. E essas outras esculturas aqui?
— Sei lá. Parecem com nada.
— Deixa eu ver… Ei, isso aqui não parece um cu com hemorróida?
— COMO???
— É! Olha só: o cu está aqui, aqui a hemorróida…
— Ah, você acha que é engraçado, não é?
— Er…
— Você acha que humor e escatologia são sinônimos, não é mesmo?
— Mas…
— DEVE MORRER DE RIR QUANDO ALGUÉM PEIDA, NÃO?
— Mas é que parece mesmo..
— ORAS, CALE-SE!
A festa em Bete-Semes foi até tarde, e teve apenas um pequeno contratempo: setenta homens foram fulminados porque olharam para dentro da Arca. Bobagem. O povo percebeu que a relíquia podia ser perigosa se continuasse ali, então enviaram mensageiros à cidade de Jearim, cerca de vinte quilômetros ao norte, com a seguinte mensagem:

Queridos amigos de Jearim,

Vocês não vão acreditar! Os filisteus mandaram a Arca da Aliança de volta. Não é o máximo? Ah, estamos tão felizes! Mas estávamos pensando: Jearim é uma cidade tão mais importante, não é justo que um objeto tão santo fique aqui em Bete-Semes. Então queríamos saber se vocês não gostariam de ter a honra de ficarem com a Arca.

Shalom!

Povo de Bete-Semes

Os homens de Jearim morderam a isca direitinho, e no dia seguinte mandaram um caminhão de mudanças para Bete-Semes.

Preenchi há cerca de um mês uma gigantesca lacuna em minhas leituras: finalmente encontrei uma tradução decende de Crime e Castigo, de Dostoievski, e li até o fim quase sem largar o livro. Sempre que eu termino de ler algo dele, solto a mesma exclamação: “Russo filho-da-puta!”. Como pode ser tão bom? Como alguém consegue levar o leitor para onde quer com tamanha facilidade? Sinto inveja, e não é o que chamam de “inveja boa”: se Fiodor Dostoievski estivesse vivo, eu acho que iria até São Petersburgo para puxar-lhe a barba. Como já morreu faz tempo, mordo os cotovelos e sonho com o dia em que conseguirei escrever algo decente.
Leiam Dostoievski, leiam!

Tudo de volta ao normal. Muito obrigado à Fer, minha assessora de imprensa, pelo aviso abaixo. Eu já estava sofrendo crises de abstinência, credo. O negócio foi que algum servidor DNS por aí teve um piripaque (eu achei que fosse o do Terra, mas o bobmacjack disse que também estava com problemas acessando pela Globo.com). Eu sei lá. E foda-se, também: tudo como dantes, JMC e Amarula com Sucrilhos para todos. Agora me dêem licença, que eu preciso escrever.

(Como se não bastasse a angústia dos últimos dias, ainda me acontece um treco desses. Depois não sabem porque eu sou hipertenso…)