(Juízes 11)
Havia em Gileade um homem chamado Jefté, soldado valente e filho da puta.
— Porra, Chicoteia, pega leve…
Não, vocês não entenderam. Jefté era filho da puta mesmo: seu pai, que se chamava Gileade, engravidara uma prostituta. Pois bem, imaginem o preconceito sofrido por ele. Desde cedo sua vida foi difícil, e mais ainda ficou depois de uma briga em família: a esposa de Gileade também teve seus filhos, os quais, depois de crescidos, expulsaram Jefté de casa, porque não o consideravam digno de partilhar a herança de seu pai. Ele fugiu de seus irmãos e foi morar em Tobe, onde se juntou à malandragem local.
Quando os amonitas começaram a se preparar para atacar Israel, acampando em Mispa, a valentia de Jefté já era de todos conhecida. Então alguns dos chefes de Gileade (a terra, não o pai de Jefté) foram até Tobe falar com ele:
— Jefté, só você pode nos ajudar. Por favor, volte para Gileade e comande nosso exército na guerra contra os amonitas.
— Ah, é assim, é? Quando eu fui expulso de casa, ninguém me ajudou, e agora que estão passando por um perrengue, vêm correndo me buscar?
— Er… Pô, Jefté. Esquece isso. Foi há tanto tempo!
— Eu vou. Mas com uma condição: se ganharmos a guerra, eu serei o governador de Gileade.
— Combinado!
Jefté, empolgado pela aventura que o esperava (e pela perspectiva de revanche contra seus irmãos), acompanhou os líderes até sua terra natal, onde foi aclamado governador. Foi até Mispa e fez todo o povo jurar-lhe fidelidade, voltando para Gileade depois. De lá, mandou uma mensagem ao rei dos amonitas:
From: jefte@tobe_freeserv.com.il
To: rei@amon.gov.am
Subject: Coé?
Majestade,
Com todo respeito, qualé a tua? O que você e seu povo têm contra mim? Porque invadiram meu país?
Jefté, filho de Gileade
Quase em seguida chegou a resposta do rei:
From: rei@amon.gov.am
To: jefte@tobe_freeserv.com.il
Subject: Re: Coé?
Jefté,
Negócio seguinte: quando os israelitas saíram do Egito, roubaram as terras de nossos antepassados desde o rio Arnom até os rios Jaboque e Jordão. Agora eu vim pegar essas terras de volta, e espero que vocês tenham o bom senso de devolvê-las sem luta.
Eu, o rei
Jefté ficou puto com a desfaçatez do rei inimigo, mas conseguiu controlar-se e respondeu com serenidade:
From: jefte@tobe_freeserv.com.is
To: rei@amon.gov.am
Subject: Re: Re: Coé?
Como é que é? Peraí, majestade, acho que o senhor pegou a versão errada da história. Clique neste link, e verá o que aconteceu de verdade. Em resumo: Moisés, nosso grande líder, peregrinava com o povo pelo deserto. Tinha enviado mensagens aos reis de Edom e de Moabe, solicitando passagem por seus territórios para cortar caminho, e dando garantias de que tal passagem seria pacífica. Ambos negaram. Então o povo teve que dar uma volta desgraçada, rodeando as terras dos edomitas e moabitas, e acabando por acampar na fronteira leste de Moabe. De lá, Moisés enviou mensageiros a Seom, rei dos amorreus (amorreus, amonitas, tudo a mesma raça), com o mesmo pedido: apenas que permitisse aos israelitas cortar caminho pelas suas terras. E ele não só não concedeu permissão, como ainda veio com todo o seu exército para atacar os israelitas. Oras, nossos antepassados eram só um bando de peregrinos, não tinham treinamento militar, e o cara faz uma covardia dessas? Só que ele não contava com o nosso deus, Javé, que ajudou Israel a derrotar os amorreus, conquistando suas terras. Foi Javé quem deu essas terras a nós, portanto. E você as quer de volta? Faz-me rir! Podem ficar com tudo o que Quemos, o deus de vocês, lhes deu. Nós ficamos com o que Javé nos deu, e fica todo mundo feliz.
Pô, você pensa que é melhor do que Balaque, filho de Zipor, que era rei de Moabe? Será que alguma vez ele nos desafiou? Durante trezentos anos nós habitamos Hesbom, Aroer, e em todas as cidades às margens do Arnom. Por que foi que vocês não tomaram essas cidades durante todo esse tempo, e agora vêm aqui querer as terras sem luta? Faça-me o favor, seu rei! Negócio é o seguinte: Javé vai decidir entre israelitas e amonitas. Vamos ver quem é que vai se dar bem nessa…
Abraço!
J.
O rei nem sequer se deu ao trabalho de responder a mensagem de Jefté, o que acabou de enfurecê-lo (a Bíblia diz que “Então o Espírito do Senhor veio sobre Jefté” *, mas isso não passa de eufemismo para “Então Jefté ficou puto pra caralho”): atravessou Gileade e Manassés, retornando a Mispa, e de lá comandou seu exército contra Amom. No caminho, fez uma promessa a Deus:
— Javé, se você me fizer derrotar os mequetrefes, eu vou pegar o primeiro que sair da minha casa para me saudar quando eu voltar da guerra, e oferecê-lo como sacrifício a você.
Uma promessa um tanto estranha, a oferta de um sacrifício humano. Mas Javé não reclamou, então o pacto foi feito. Jefté atravessou o rio para lutar contra os amonitas, e os derrotou desde Aroer até Abel-Queramim, vinte cidades ao todo. Houve uma grande matança, e os israelitas derrotaram Amom.
Quando Jefté voltou para sua casa (havia se mudado para Mispa), sua filha única saiu ao seu encontro, dançando e tocando pandeiro:
— Na minha casa todo mundo é bamba / todo mundo bebe, todo mundo s… Pai, o que houve???
Jefté estava rasgando suas roupas, em sinal de desespero, e chorava:
— Ah, filhinha! Minha única filha! Você parte meu coração, filhinha! Eu fiz uma promessa a Javé e não posso voltar atrás…
— Que promessa?
— Prometi que sacrificaria a primeira pessoa que viesse ao meu encontro quando eu voltasse da guerra.
— Um sacrifício HUMANO, pai???
— É…
— E Javé aceitou?
— Bom, não recusou…
— Hum… Ué, pai. Se você prometeu alguma coisa a Deus, tem que cumprir. Sabe como ele é, né? Só te peço uma coisa: deixa que eu saia com minhas amigas e vá para as montanhas chorar por dois meses, porque nem mesmo terei a chance de ser mãe um dia…
— Mas… Filha…
— E da próxima vez, pai, pensa melhor antes de prometer alguma coisa.
Então ela chamou suas amigas e foram todas para as montanhas. Depois de dois meses, ela voltou e seu pai a sacrificou em honra a Javé. Que beleza, não? Ele bem que tentara, ao pedir que Abraão imolasse seu filho Isaque, mas se arrependeu em cima da hora. E agora, com Jefté, finalmente conseguiu o que queria: um pouquinho de sangue humano derramado apenas para satisfazer a seus caprichos, e mais nada.
Ah, o capítulo se encerra dizendo que a filha de Jefté morreu virgem, e que o episódio fez surgir a tradição de as mulheres israelitas saírem de casa todos os anos durante quatro dias para chorarem sua morte. Sei não, sei não… A menina passou dois meses longe de casa, acompanhada apenas de suas amigas adolescentes. Duvido que tenha voltado virgem, com tanto beduíno por ali dando sopa. E essa tradição das mulheres israelitas parece mais uma puladinha de cerca anual, à qual os maridos faziam vista grossa.