Igor é meu primo de seis anos de idade, que todo mundo pensa que é meu filho. Ontem fui à sua formatura da Pré-Escola e finalmente conheci Suélen, a garota pela qual ele é apaixonado. Era bonito de se ver: onde ela estivesse ele estava por perto, mas sempre fingindo não notá-la, brincando com os amigos, falando alto e olhando para ela de esguelha de vez em quando. Minha tia contou que durante a semana, no caminho para a escola, ele resolveu apelar:
— Mãe, preciso de uma ajuda sua.
— Ajuda? Pode falar, filho.
— Hoje quando você vier me buscar, eu e o Igor Roberto vamos sair correndo na frente. Você vai ficar atrás com a Suélen e a mãe da Suélen. Aí você pergunta se ela gosta de mim?
— Pergunto, Igor, claro…
— Mas tem uma coisa… Se ela falar que não, não me conta, tá?
— Tá bom.
No dia seguinte veio a pergunta:
— E aí, mãe? Perguntou pra ela?
— Perguntei sim.
— E aí?
— Ela falou que gosta de você…
— DE VERDADE???
— É.
— Hum… Sua cara tá muito engraçada, é mentira sua.
— Pra que eu ia mentir, Igor?
— Ué. Se ela gosta de mim, por que vive agarrada no Caio?
Conheci o tal Caio na festinha ontem. O moleque nem dá bola pra Suélen. Ela ia atrás dele, pedia pra tirar foto com ela, pra brincar com ela, e ele com aquela cara de “Ai, que saco…”. Quanto ao Igor, era apaixonado por outra menina, vizinha nossa, mas desapaixonou-se quando ela apareceu com um corte de cabelo esquisito. A irmãzinha mais nova dela diz que gosta do Igor, mas ele reage horrorizado: “Eu, hein! Com aquele bafo-de-onça???”.
Sei que a Suélen acabou se cansando da indiferença do Caio, e perto do fim da festa foi falar com o Igor para tirarem uma foto juntos. Igor saiu correndo. Pelo jeito o comportamento masculino não se altera com o tempo…

Talvez pelo fato de ser extremamente feio, sou muito sensível às coisas bonitas. Então nem me perguntem se eu gostei do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (sou uma besta, vi pela primeira vez hoje). Não se trata de gostar ou não gostar, no sentido de apreciação estética — embora o filme seja impecável nesse aspecto também — mas de se deixar arrebatar pela beleza. Estou embasbacado. E apaixonado por Amélie, óbvio.

(Não, eu não manjo nada de francês. O “fouettez-moi” do título é coisa da Bárbara)

(Josué 12)

Bom, eu avisei: a partir de agora o livro de Josué fica uma chateação sem fim. Este capítulo, por exemplo, não passa de uma enumeração dos reis derrotados por Moisés a leste do Jordão e por Josué a oeste. A lista começa com Seom, rei dos amorreus da região de Hesbom, primeiro a se bater com os israelitas. Levou a pior contra o exército comandado por Moisés, assim como Ogue, rei de Basã, que — ficamos sabendo agora — foi o último dos refains, outra raça de gigantes. Depois de Ogue… Hum… É, isso encerra a lista dos reis derrotados por Moisés. Produtividade zero a desse velho gago, não foi à toa que Javé tratou de fazê-lo peidar no fubá no alto do Monte Nebo para substituí-lo pelo sanguinário Josué.
E Josué, sim, trabalhava do jeito que Javé gosta, quadrinho de “Funcionário do Mês” sempre. Conquistou toda a região a leste do Jordão, derrotando os reis de Jericó, Ai, Jerusalém, Hebrom, Jarmute, Laquis, Eglom, Gezer, Debir, Geder, Horma, Arade, Libna, Adulã, Maquedá, Betel, Tapua, Héfer, Afeca, Lasarom, Madom, Hazor, Sinrom-Merom (que nome legal!), Acsafe, Taanaque, Megido, Quedes, Jocneão (perto do monte Carmelo), Dor (ui! — cidade litorânea), Goim (que ficava no que mais tarde viria a ser a Galiléia) e Tirza — Ufa!. Trinta e três reis. É mole?
Pois então, mas por que se fala em reis derrotados, em vez de cidades conquistadas? Simples: nem todos os reis que perderam batalhas para os israelitas perderam suas cidades também. O exemplo mais importante é o de Jerusalém que, pelo que eu me lembre, só passou definitivamente às mãos de Israel no reinado de Davi. Mas isso ainda está longe, tenham calma. Por enquanto vamos ver como foi repartida entre as tribos a terra há muito prometida.

Eu e a Brisa (Ah, se a juventude que essa brisa canta / ficasse aqui comigo mais um pouco / lalalalalalalalalalaaaaaaaaalaláaaaaaa. Ok, brincadeira. Muito bom te conhecer, moça) fomos ao cinema hoje assistir ao maravilhoso O Filho da Noiva. E não sei onde é que eu estava com a cabeçorra que ainda não o tinha visto: excelente, excelente!
Uma cena em particular me chamou a atenção: Juan Carlos, amigo de infância de Rafael Belvedere (o protagonista), conta uma história. Fala de como ficou depois que perdeu a mulher e a filha num acidente de automóvel:
— Comecei a beber, beber. Faltava ao emprego. Os amigos se afastaram de mim. Não os culpo: eu vivi um tango de dois anos de duração. Até que um dia acordei no meio de uma poça de vômito. Nojento! Levantei e fui tomar banho. Na banheira, olhei para o espelho que fica do lado, para fazer a barba durante o banho. Fiquei olhando meu rosto por meia hora, pelo menos. Olhando, olhando… E nesse momento… Tchan, tchan!
— …
— …
— E…?
— E nada, oras! Tchan, tchan!, acabou o tango, voltei a viver.
Que beleza! A vida é assim mesmo, não é? Vivemos tangos de um dia, uma semana, três meses, um ano, dois, uma década. E quando passa é assim mesmo: Tchan, tchan! É claro que essa ou aquela seqüência de acordes, ou uma tendência a voltar ao tom inicial meio que antecipam o final. Mas acaba mesmo é assim, de repente. Num momento você está lá dançando com uma flor há muito morta entre os dentes; no momento seguinte é o silêncio abençoado. Tempo para dançar um samba, um baião, um foxtrote, um twist, ou mesmo sentar-se um pouco e ficar assistindo aos outros dançarem.
Eu mesmo já dancei muitos tangos na vida, uns curtos, outros que pareciam versões canhestras de Faroeste Caboclo. Muitas vezes achei que aquele bandonéon ficaria tocando para sempre, mas o tchan, tchan! sempre veio. Hoje estou dançando alguns tangos, mas não reclamo: vão todos acabar com exceção de um. Este vai fazer assim:

… de mi corazóoooooooooon!

TCHAN, TCHAN!

[emenda com a introdução de Asleep on a Sunbeam]

When the half light makes for a clearer view
Sleep a little more if you want to
But restlessness has siezed me now, it’s true
I could watch the dreams flicker in your eyes
Lying here asleep on a sunbeam
I wonder if you realise you fascinate me so.

Então eu terei parado com esse negócio de dançar sozinho, e terei talvez um par de olhos azuis a menos de um palmo dos meus.

Seguinte: agora estamos um pouco antes da metade do livro de Josué. Só que a partir de agora começa o lenga-lenga da divisão das terras entre as doze tribos, uma chateação sem fim. Sendo assim, provavelmente acabarei fazendo o que fiz com grandes trechos do Levítico e com todo o Deuteronômio: resumir vários capítulos num só. Não estranhem, portanto. E se preparem para o livro dos Juízes, que é muito legal.

(Josué 11)

Se depois da travessia do Jordão e da conquista das cidades de Jericó e Ai os povos de Canaã já tinham medo dos israelitas, imaginem só depois da seqüência impressionante do último capítulo. Pois é: Jabim, o rei de Hazor, ouviu as notícias aterradoras e tratou logo de se aliar a seus vizinhos para formar um exército à altura do de Israel. Para isso, mandou mensageiros a Jobabe, rei de Madom, aos reis de Sinrom e Acsafe, aos reis da região montanhosa do norte, aos do vale do Jordão, aos do litoral do Mediterrâneo, aos cananeus que habitavam o outro lado do rio, aos amorreus remanescentes, aos heteus, perizeus, jebuseus e aos heveus, que viviam ao pé do monte Hermon. É, parece que o cara estava mesmo decidido a acabar com os israelitas. Seus vizinhos aprovaram a iniciativa, juntando seus exércitos e marchando até as margens do riacho de Merom, onde acamparam e começaram a preparar o ataque a Israel.
O autor do livro de Josué diz que era um exército com tantos homens quanto são os grãos de areia da praia. Com serem muitos, ainda tinham muitos cavalos e carros de guerra. Coisa para assustar qualquer um, e ainda mais um povo nômade mal equipado como era o de Israel. E Josué ficou mesmo assustado:
— Ih. Fodeu.
— Que que fodeu, Josué?
— Oras, o quê! Cê não tá vendo o tamanho do exército que está se preparando pra atacar a gente, Javé? Não temos chance contra eles.
— Pô, aí cê tá me menosprezando… Confia em mim, Josué, que cês vão acabar com esses caras, aleijar os cavalos deles e queimar os carros de guerra.
— Tadinho dos bichinhos…
— Bah! Vai confiar em mim ou não?
— Tem outro jeito?
— Hum… Não.
— Então tá.
Josué juntou seus soldados e o exército israelita saiu para atacar o inimigo. Javé deu uma forcinha de novo, e Israel saiu vencedor da batalha. Foram mortos todos os soldados dos reinos que haviam se aliado contra os israelitas. Depois disso, Josué voltou, tomou a cidade de Hazor e matou Jabim, o rei, e todos os moradores. E fez o mesmo com todas as outras cidades, é claro. Com exceção de Hazor, nenhuma delas foi destruída, e de todas os israelitas tiraram o espólio de guerra.
Com isso a conquista de Canaã estava praticamente concluída. Josué tomou toda a região do sul, a terra de Gosém, as planícies do território que depois viria a ser da tribo de Judá, o vale do Jordão, as montanhas, o litoral, e toda a terra até a fronteira com o Líbano. Em todo lugar a mesma regra: nenhum homem vivo (pelo menos essa é a história oficial…). Os israelitas acabaram também com os anaquins, uma raça de gigantes que moravam em Hebrom, Debir, Anabe e nas montanhas. Gigante, entenda-se, era qualquer cara um pouco maior que um israelita comum. Oscar Shmidt, o Mão Santa, seria um anaquim naquela época.
Derrotados os anaquins, os israelitas podiam se preparar para a divisão da terra entre as tribos e um merecido repouso. Esse negócio de uma carnificina atrás da outra cansa qualquer um…