(Josué 9)

Como era de se esperar, a notícia da destruição de Ai espalhou mais ainda o terror por toda a Canaã. Conhecedores da fama sanguinária de Josué, os reis dos heteus, dos amorreus, dos cananeus, dos jebuseus, dos perizeus, dos heveus e outros eus fizeram uma aliança para guerrearem juntos contra Israel. Havia, no entanto, uma cidade chamada Gibeão, na terra dos heveus, cujos líderes decidiram adotar uma estratégia diferente. Afinal, lutar contra os israelitas não parecia uma idéia muito boa. A tomada de Ai tinha sido uma luta normal, com uma derrota na primeira batalha e uma boa estratégia na segunda, que foi vitoriosa. Mas o que dizer sobre Jericó? Como explicar aquele cerco que mais parecia um desfile de carnaval, e a queda das muralhas quando o povo gritou? Não, não: melhor dar outro jeito de livrar a pele. E foi o que eles fizeram, como veremos.
Os israelitas estavam acampados em Gilgal, ainda comemorando conquista de Ai. Celebravam, davam gritos de guerra, exibiam uns aos outros o que haviam saqueado da cidade. Porém a festa foi interrompida pela chegada de uma caravana de homens maltrapilhos, trazendo jumentos cansados carregados de sacos velhos e odres de vinho remendados. O povo se reuniu em volta do recém-chegados, olhando-os com curiosidade e uma ponta de desdém.
— Opa. E aí? Desculpe a gente chegar assim sem mais nem menos. Viemos de um país distante, e ouvimos falar da grande força e poderio de seu povo. Sendo assim, resolvemos vir aqui apresentar nossos cumprimentos e fazer com vocês um acordo de paz e colaboração.
Os homens de Israel ouviram aquilo meio desconfiados, e Josué questionou os viajantes:
— Hum, sei… E como a gente vai saber que essa ladainha toda é verdade, hein, ô feinho? E se na verdade vocês forem um desses caras que moram por aqui? A gente não tá aqui pra fazer acordo com os povos daqui não. Nosso negócio é matar todo mundo, destruir as cidades e saquear tudo. E quem garante que vocês não são uns cananeus metidos a espertinhos?
Falava grosso esse Josué, não? Quando Javé não estava por perto, é claro. Mas o porta-voz dos viajantes respondeu:
— De jeito nenhum, que é isso??? Somos de longe, já disse. E estamos dispostos até a trabalhar pra vocês, veja só. Façam acordo com a gente, vai ser bom pros dois lados…
— Hum… E quem são vocês exatamente? De onde vêem?
— Já disse, já disse: somos de um país muito longe daqui, vocês não conhecem. Viemos até aqui porque ouvimos falar do deus de vocês, das coisas espantosas que ele fez no Egito. Impressionante aquilo, uau! E também chegaram a nossos ouvidos a história das batalhas que vocês travaram contra os reis Seom e Ogue. Então nossos líderes nos mandaram pra cá, a fim de propor a vocês um acordo de paz, e até mesmo oferecer nossos serviços para o que vocês quiserem. Acreditem, somos de muito longe mesmo. Olha esse pão seco e bolorento aqui, quando saímos de casa estava quentinho. Nossos odres, nossas roupas e sandálias, era tudo novo, e agora vejam só o estado.
— É, cês tão numa pindaíba danada mesmo…
— Tô te falando… Mas tudo bem, valeu a viagem só para conhecermos este povo tão pujante. Agora só nos falta conhecer seu grande líder Josué.
— Er… Sou eu mesmo.
— O senhor é Josué??? Mas que honra! QUE HONRA! Senhor Josué, devo dizer que sua fama de general e grande líder alcançou os cantos mais distantes da Terra.
— Ah, que é isso…
— É verdade! Lá no nosso país quando as crianças vão brincar de guerra sai até briga pra saber quem vai ser o Josué. O senhor é um herói!
— Bondade sua…
— Bondade nada! No caminho pra cá ficamos sabendo da tomada de Jericó. O que foi aquilo???
— Ah, mas não fui eu não. Coisas do Javé…
— De quem?
— Javé, o nosso deus.
— Ah, sim. E a conquista de Ai, então? Que estratégia!
— É, ali eu mandei bem mesmo. Modéstia à parte.
— Pois então! Como é que a gente podia ignorar um mito desse porte? Não senhor! Fizemos questão de vir até aqui para fazermos um acordo de paz com o senhor e todo seu povo.
— Ah, é. O acordo. Oras, que diabo! Então façamos o tal acordo. Toca aqui, rapaz!
— Assim é que se fala, seu Josué! Então estamos seguros?
— Têm a minha palavra. E mais: juro por Javé.
Que beleza, não? Josué caiu direitinho na bajulação dos caras e firmou um acordo de paz com eles. Inocente, esse Josué. Três dias depois, os israelitas chegaram à região em que habitavam os gibeonitas (a capital, Gibeão, e as cidades de Cefira, Beerote e Quiriate-Jearim). É claro que Josué ficou emputecido quando descobriu que os viajantes maltrapilhos com os quais havia feito o tal acordo eram na verdade habitantes de Canaã, e portanto futuros alvos dos ataques de Israel.
— SEUS PUTOS! VOCÊS NÃO FALARAM QUE VINHAM DE MUITO LONGE???
— Ué, três dias de viagem! O senhor acha pouco???
— Puta que pariu… Agora o povo tá reclamando comigo e com os outros líderes, dizendo que somos molengas e burros por termos feito um acordo com vocês. Que que eu faço?
— Vê lá, hein, Josué! Lembre-se que você jurou pelo seu deus…
— Eu sei, eu sei! Mas que CAGADA! INFERNO! Olha, eu jurei por Javé então vou ter que manter meu juramento. Mas vocês vão me pagar por essa malandragem.
— …?
— Todos vocês gibeonitas vão ser nossos escravos. Carregadores de água, rachadores de lenha, essas coisas.
— Pô, Josué… Será que não dava pra gente…
— E SAIAM DA MINHA FRENTE ANTES QUE EU RESOLVA QUEBRAR O JURAMENTO!
Os gibeonitas acharam prudente não discutirem com Josué, mesmo porque para quem ia sumir do mapa qualquer acordo era lucro. Assim, em troca da própria vida, os gibeonitas passaram a ser escravos em Israel. Triste fim para um povo tão cheio de mumunhas. Fim muito mais triste, no entanto, tiveram os outros povos que ficaram no caminho de Josué…

Seis e pouco da manhã. Ainda semiconsciente, andava na direção do ponto de ônibus (nem é um ponto, na verdade, só a esquina onde pego o meu fretado. Como se fosse um ponto de ônibus só meu, oh) quando dois vira-latas surgiram da rua transversal. Dobrei a esquina e fui surpreendido por outros oito ou nove cães, uns sentados, outros deitados e um em pé. Essas matilhas de vira-latas são muito comuns no fim da tarde ou à noite, mas não me lembro de alguma vez ter visto uma reunião canina assim tão matinal.
O cachorro que estava em pé (marrom-claro, pata traseira esquerda quebrada, orelha machucada, olhos vermelhos) veio na minha direção e começou a latir. Achei a situação meio vexaminosa, sei lá por quê. Talvez por não saber o que responder aos latidos senti-me como quando estou entre pessoas que falam de assuntos que desconheço. Tentei usar o velho truque de me abaixar para fingir que ia pegar alguma coisa para agredir o cão, mas ele rosnou. Opa. Tenho medo quando eles rosnam. Bati o pé falando “PASSA!” e ele chegou mais perto. Raios. Estava a menos de um metro de mim, olhando fixo pra mim e latindo seu latido monótono. Vez em quando ele se aproximava dos que estavam deitados, e latia alternando o olhar entre eles e eu. Depois virava-se na direção da praça, onde os dois que já haviam se levantado zanzavam, e latia para eles. Os primeiros pareciam constrangidos com a atitude do colega: uns abaixavam a cabeça, outros olhavam sem interesse para mim, outros ainda olhavam por cima da cabeça do barulhento, ignorando-o, como se diz, ostensivamente. Os últimos não davam atenção alguma, queriam mesmo era zanzar na praça (a não ser por uma cadelinha miúda, que eu ainda não tinha visto, a qual atendeu ao chamado dele e ficou latindo pra mim lá do outro lado da rua e sem muita convicção).
Então percebi: tratava-se de um revolucionário. Devia passar dias e noites fazendo suas pregações aos colegas de matilha. Tentava convencê-los de que era hora de por fim à opressão aos cães perpetrada pelo homem. Que urgia (urgia!) conscientizar os cachorros domésticos de sua condição de animais superiores. Que era mister (mister!) despertar toda a nação canina para a realidade da luta de classes, ou melhor, de espécies. Essas coisas de revolucionário, sabem como é? Comecei a compreender a atitude amalucada de certos cães, inserindo-as no contexto (inserindo no contexto, Jesus!) da mentalidade revolucionária. Correr atrás do próprio rabo até ficar tonto seria então uma forma de protesto, ou o símbolo da natureza cíclica do tempo, pois um dia os ancestrais do homem temeram os ancestrais do cão, e tal cenário repetir-se-ia no futuro. Sair latindo atrás dos carros poderia ser um esforço para boicotar os meios de transporte dos humanos (se pelo menos mais cães aderissem à Causa!). Correr atrás do carteiro, então, seria uma forma de atrapalhar os meios de comunicação do inimigo (atitude revolucionária que perdeu muito de sua força depois que inventaram o e-mail).
Enfim, o cão que latia para mim era um revolucionário, e como tal era considerado um chato por seus colegas. Fiquei com pena dele. Meu ônibus chegou e ele foi para a calçada, em silêncio (o vira-lata, não o ônibus). Depois que eu entrei, ele saiu correndo e latindo atrás do ônibus. Incansável companheiro!

Você sabe que terá um dia ruim quando sai do banho de manhã e sem querer (claro) pega na gaveta uma cueca sem elástico na cintura. Jesus! A feladaputa passou o dia caindo até eu fazer uma gambiarra com um clipe. Podia ser pior, eu sei: podia ser uma cueca sem elástico nas pernas, pra ficar o tempo todo se atochando no rego.
Mas mesmo assim é bem ruim.
Desculpem, eu precisava desabafar esse grande problema de minha existência.

Estou com o novo capítulo bíblico empacado aqui há dias. Não consigo escrever. Eu preciso de um emprego em Curitiba. Suporte técnico, redes, até desenvolvimento em Clipper eu aceito. Alguém aí pode me ajudar? ALÔ???

Pra cada fundamentalista que vem aqui espumando e me ameaçando com o fogo do inferno por minhas heresias, há uma bela Suzane com seu riso agradável e suas histórias mirabolantes. Pra cada zé-mané que vem todo melífluo me pedir link há um André Salamandra com suas sobrancelhas cínicas e seu gosto duvidoso para cinema (ele é uma das duas pessoas no mundo que assistiu a Cinderela Baiana, com Carla Perez e Alexandre Pires. A outra sou eu, claro). Pra cada burrinho incapaz de entender uma ironia por mais rasteira que seja, há um Adriano Koheler com suas estupendas narrativas de viagem. Pra cada menininha semianalfabeta que escreve tudo com “x” há uma Ieda Marcondes, menina linda, sensível, apaixonada, densa (que porra de adjetivo…). Pra cada garoto retardado que encerra seus comentários ou e-mails com um “valewz” há um Alexandre Soares Silva, com sua educação irrepreensível, sua timidez, seu talento que dá até raiva na gente, e a gente cai no chão tremendo, chorando e arrancando os cabelos. Pra cada espertalhão que descobre que eu sou a cara do Fernandinho Beiramar, há uma Zel, tirando sarro de um jeito que a gente até agradece. Pra cada spammer de comentários há um Fernando com seu senso de humor sempre afiado e sua mania de acusar a gente de plágio (com razão).
E essas são só algumas das pessoas que conheci recentemente. O melhor é que os chatos ficam irremediavelmente reclusos no mundo virtual, enquanto essas pessoas eu posso abraçar, convidar para um chope, conversar. Acho que é por isso, pela possibilidade de sempre conhecer mais pessoas assim, que eu ainda mantenho o blog.

Andando pelo centro da cidade, lembrei-me de comprar refil para o repelente elétrico de insetos. Com esse calor é um acessório indispensável, malditos pernilongos. Então entrei numa drogaria da Barão de Itapetininga, peguei o refil na prateleira fui para o caixa. Ainda na fila reparei no cartaz colado à parede logo atrás da moça que atendia:
VIAGRA COM 25% DE DESCONTO
“Oba”, pensei, “piada!”. É da minha natureza, não consigo evitar. Mas aí tive um ataque de autocrítica: quantos outros, após lerem o cartaz, já não haviam feito piadinhas? Sete da noite, a moça do caixa já devia estar exasperada.
Então lembrei d’O Cabotino, que eu li no domingo à tarde. Acho que as idéias do Polzonoff podem ser resumidas assim: se não vai fazer diferença, pra que começar? Pra que fazer uma piada que todo mundo já fez? Pra que escrever um livro previsível, compor uma canção óbvia, pintar um quadro igual a tantos outros? Eu pretendo ser escritor, sim, mas só se for para daqui a cem anos compararem o Brasil de Marco Aurélio à Rússia de Dostoiévski, ou algo no mesmo gênero. Não faço por menos. Se antes de produzir qualquer tipo de arte o pretenso artista fizesse o tipo de autocrítica que fiz na fila do caixa, teríamos obras de muitíssimo melhor qualidade.
Enredado nesses pensamentos, e feliz comigo mesmo por ter resistido à piada fácil, cheguei ao caixa. A moça, um tanto carrancuda, me apontou dois frascos de Cepacol.
— Quer aproveitar a promoção?
— Que promoção? Do Viagra? Opa!
— …
Droga.

Ah, não falei pra vocês? Mas que descuido! Vejam só, ontem fui assistir ao Matrix Revolutions, mais pela obrigação de cumprir a trilogia (associada ao tédio dominical) do que por gosto mesmo. Saí do cinema com uma sensação besta, como se tivesse desperdiçado mais de duas horas da minha vida, duas horas que eu poderia ter melhor aproveitado continuando a leitura de “O Crocodilo e Notas de Inverno Sobre Impressões de Verão”, do meu nunca suficientemente louvado Fiódor Dostoiévski. Mas não, inventei de ver o filme, o tempo não volta atrás etc. Eu ia escrever sobre a outra sensação que tive, a de o filme não acrescentar nada, mas Paulo Vivan já o fez com maestria em seu excelente Chickendog, então apenas faço eco de seu post a respeito.
Sendo assim, resta-me falar sobre alguns pensamentos que me ocorreram durante o filme (as cenas de ação me dão um tédio sem fim, começo a divagar, perco diálogos, é um inferno). Eu pensava: há um grupo (eu ia dizer irmandade mas me contive) de pessoas que gostam de histórias em quadrinhos, de Star Trek, de Star Wars, de X-Files, de Lord Of The Rings etc etc etc. Não vou generalizar e nem ser preconceituoso a respeito, longe de mim. Primeiro porque muitos de meus amigos apreciam várias dessas coisas, e eu mesmo sou fã de HP Lovecraft, escritor que vive no panteão desse povo. Sei que há quem possa gostar da obra de Tolkien, por exemplo, e não se identificar com nenhum dos outros itens da minha lista. Enfim, vocês entenderam: estou falando de um grupo que se identifica com todo um conjunto de símbolos (argh, minhas aulas de Semiótica!). Tais pessoas, ao contrário de mim, não são tomadas por um ímpeto irresistível de gargalhar quando deparadas com personagens chamados O Chaveiro, O Arquiteto e, no novo filme, o nojento Maquinista. Essas pessoas levam a sério o idealismo dos habitantes de Zion. Eu não consigo, deficiência minha. Resumindo: eu gosto muito do primeiro Matrix e desprezo os outros dois filmes da série porque não me dizem nada. As pessoas de que falo conseguem extrair significado de todo aquele blablablá filosófico de Matrix Reloaded e do idealismo exacerbado de Matrix Revolutions. Ponto pra elas; eu sinto mesmo é sono.
De resto, considerações:

  • Quanto será que a Oracle pagou para ter um personagem com seu nome com importância cada vez maior no decorrer da série? Mais ainda: um personagem que é um software confiável! Esse tal de Larry Ellison é mesmo um visionário. Agora Bill Gates e outros executivos do mundo da informática vão ter que correr atrás. Não ficaram espertos, deu nisso. Acho que, com tantos personagens, ainda caberiam na trilogia de Matrix alguns outros softwares. Imagino falas como “We need to look through the Windows, ou “Step into my Office, baby”, ou ainda, “We need some Progress here!”. Este último talvez até aumentasse meu bônus.
  • Falar que Keanu Reeves é viado é verdade, mas não chega a ser exato. Existem gradações na perobagem, se vocês não sabem. E nem a heterossexual mais ferrenha e convicta tem tanto nojo de mulher quanto tem o Neo.
  • Hugo Weaving, o temível e múltiplo Agente Smith, era minha única esperança de salvação para o último filme. Decepção total: o australiano não resistiu e caiu alegremente na canastrice dominante.
  • Mostrar Monica Belucci numa cena tão curta é maldade. E claro que não me refiro ao quase silêncio do personagem: deram um jeito de mostrar a bunda do Predestinado no segundo filme, o que custava libertar os peitos de Persephone daquele decote opressor? Aliás, dava para fazer um filme todo sobre esse tema. Quem é que ia ficar preocupado em viver aprisionado no mundo das máquinas servindo como pilha, desde que tivesse os peitos de Monica Belucci, livres e soltos, para contemplar? Bom, talvez o Keanu Reeves…
  • Parece que vacinaram o Merovingian contra hidrofobia depois de Matrix Reloaded. No Revolutions ele espuma bem menos.
  • Estou feliz. Se até o Morpheus se deu bem (e com aquela dentição! (e aquela barriga!, valeu Giggio))…

Ao contrário do que muita gente pensa, o Chicote Verbal não é um blog autobiográfico. Eu já falo demais de mim mesmo aqui no JMC, lá é tudo ficção. Mas confesso que uso o Chicote e seu personagem patético para purgar algumas coisas erradas que carrego aqui dentro.
Pois bem, acho que já chega. Cumpriu o seu papel, muito obrigado seu músico, adeus. Não queria, porém, me despedir dele de forma trágica. No capítulo que eu tinha pensado originalmente, meses atrás, o músico se jogava da passarela da estação Tatuapé do metrô. Eu conservei o cenário mas dei esperança ao personagem, esperança que agora é um fardo dele, tenho nada com isso.
Vão , então. Os que gostavam do Chicote podem se despedir de nosso amigo menestrel. Os que não gostavam podem sentir o alívio de se verem livres daquela excrescência. Os que não conheciam podem ler os arquivos e talvez achar alguma coisa boa aqui e ali.

Muito bem, todo mundo já falou até demais da filha da Elis Regina; minha vez. A cantora recém-surgida do meio de um turbilhão de marketing raramente visto despertou todo tipo de reação: há quem a ame incondicionalmente, há quem tenha raiva dela até pela superexposição (da qual é mais vítima do que beneficiária), há quem, como eu, seja indiferente a ela.
Compreensível. O que eu não entendo é essa gente que acha que o fato de Maria Rita ter a voz idêntica à da mãe seja um fator a ser criticado. Oras, a voz do meu irmão é igualzinha à do meu pai, nem por isso a família o critica. Genética é um troço muito forte. Além do mais, melhor uma cantora com a voz da Elis Regina do que várias que cantam como a Leila Pinheiro ou a Simone.
Então por que eu permaneço indiferente aos encantos de Maria Rita? Eis a heresia: nunca fui muito fã da Elis. Gosto dela, é claro, grande cantora. Mas não me fala à alma, então sou muito mais a Maria Bethânia, por exemplo. Além disso, o tal marketing me incomoda um pouco. Fico preocupado com essa moça tão exposta o tempo todo, penso nas conseqüências que isso pode ter. E são muitas: desde um ostracismo precoce — e lamentável, tratando-se de um indiscutível talento — até repetir o fim trágico da mãe. Quem vende a alma precisa entregar a mercadoria mais cedo ou mais tarde.
Seja como for, para mim a maior cantora brasileira ainda é o Ney Matogrosso.