O pecado de Acã

(Josué 7)
Quando viram a baba que foi destruir Jericó, os israelitas se encheram de segurança para novas empreitadas. Por isso, quando Josué enviou espiões à cidade de Ai…
AI???
Não torra. Eu ia dizendo: quando Josué enviou espiões a Ai, eles voltaram com prognósticos otimistas:
— Aê, seu Josué, Ai vai ser moleza. Precisa movimentar o povo todo não: manda pra lá só uns dois ou três mil homens, porque há pouca gente lá, e todo mundo se cagando de medo da gente.
Investido de coragem e motivado a não mais poder, Josué convocou então cerca de três mil soldados e os enviou à cidade. Aconteceu, porém, que os homens de Ai fizeram os israelitas recuarem, matando logo de cara 36 soldados. Depois botaram os hebreus para correr, e os perseguiram desde o portão da cidade até uma pedreira que havia por lá, matando israelita à vontade na descida. Quando o batalhão desfalcado voltou ao acampamento não marchando, mas correndo em desordem, com a notícia do que acontecera, o povo perdeu toda a empáfia recém-adquirida.
Josué, desnorteado pela derrota quando esperava uma vitória sem percalços, rasgou suas roupas — a bicha — e se atirou de rosto no chão na frente da Arca. Os líderes do povo, no exercício da antiquíssima e lucrativa atividade chamada puxa-saquismo, fizeram o mesmo. Ali ficaram Josué e os líderes, todos de cara no chão como sinal de tristeza. Então Josué começou sua arenga:
— Ô, Javé! Por que foi que você fez este povo atravessar o Jordão? Para nos entregar de bandeja nas mãos dos amorreus? Pô, sacanagem braba isso aí! Na boa, com todo respeito, isso não se faz! Grande papelão fizeram os soldados israelitas correndo dos habitantes de Ai feito umas frangas tresloucadas. E agora? Agora os cananeus e o resto dessa raça toda aí vão ficar sabendo do acontecido, e aí a fama que conquistamos ao atravessarmos o Jordão e destruirmos Jericó vai pras cucuias. Percebe? Percebe? OS CARAS VÃO CERCAR A GENTE E VARRER ISRAEL DO MAPA! É isso que você quer? E sua reputação, como fica? Hein? Hein? Responde, porra! Resp…
— Tá, tá, Josué! Já escutei, agora chega. Pra começar que porra cê tá fazendo aí de cueca com a cara no chão? Por favor, que cena mais ridícula! Oras, Israel passou esse vexame aí porque o povo me desobedeceu.
— Desobedeceu? Quando???
— Já te digo: eu não falei pra vocês destruírem Jericó totalmente, matando todos os seus habitantes e todos os animais e queimando a cidade? A única coisa que eu permiti foi que trouxessem os objetos de ouro, prata, bronze e ferro para o Tabernáculo, que de bobo eu não tenho nada. Enfim, minha ordem foi clara. E sabe o que aconteceu? Teve nego aí que resolveu trazer uns souvenirs de Jericó para o acampamento, pensando que eu sou idiota.
— Tá falando sério, Javé?
— Não, é pegadinha! Olha ali a câmera escondida! É CLARO QUE EU TÔ FALANDO SÉRIO, CARALHO! E digo mais: enquanto vocês não descobrirem quem foi que teve o topete de desafiar minha autoridade, o povo de Israel continuará sendo motivo de chacota aqui na região. Vai pegar mal pra mim e pra vocês também.
— Mas como é que a gente vai descobrir?
— Usando o Urim e o Tumim, oras.
— Usando QUEM???
— Puta merda, Josué… Cê até que se sai bem militarmente, mas não se preocupou nenhum pouco em aprender os aspectos religiosos e essa coisa toda, né? O Urim e o Tumim, aquelas pedrinhas que o Sumo Sacerdote usa para fazer sorteios.
— Porra, virou bingo isso aqui?
— MANÉ BINGO! O resultado do Urim e do Tumim na verdade é uma manifestação da minha vontade. Então o sorteio será feito até vocês descobrirem quem é o cara. Aí você vai passar uma descompostura nele e queimar tudo o que ele trouxe de Jericó.
— Só isso?
— Só. Ah, mas com um detalhe: na mesma fogueira em que você queimar as tais lembrancinhas, aproveita pra queimar o cara, a família dele, suas posses e sua tenda.
— PORRA, JAVÉ! Precisa tanto???
— Ai meu saco, a mesma discussão de sempre… Sei lá se precisa ou não, o que importa é que eu QUERO e assim será feito. Entendeu, songomongo?
— Entendi…
— Então vai lá.
De acordo com a ordem de Javé, Josué acordou na madrugada seguinte e convocou todo o povo (aliás, já repararam que muita coisa no livro de Josué acontece de madrugada? O filho-da-puta do milico tinha esse costume de toque de alvorada, e pelo jeito impôs esse comportamento ao povo. Sacanagem). O primeiro sorteio foi feito, indicando que o responsável pela vergonha de Israel vinha da tribo de Judá. Outro sorteio foi feito, e a sorte recaiu sobre o grupo familiar de Zera. Com outro sorteio, determinou-se que o procurado era da família de um tal Zabdi. Nenhum pio se ouvia no acampamento quando o último sorteio foi feito e Acã foi acusado do crime de desobediência. Josué, não muito crédulo nesse negócio de pedrinhas da sorte, quis confirmar com ele:
— Acã, meu filho. Conta aqui pro Josué, conta: o que foi que você fez? Não esconda nada, pode ficar tranqüilo.
— Posso, é? Então tá. Seguinte, seu Josué: a gente tava lá em Jericó matando adoidado, tocando fogo em tudo, aquela beleza. Aí vi no meio dos escombros uma capa linda, coisa fina, made in Babilônia. Pensei: “Oras, é só uma capa, não faz diferença nenhuma”, e peguei a danada.
— Sei, sei… E foi só isso?
— Hum… Teve um pouquinho mais. Quase nada: uns dois quilos de prata e uma barra de ouro que deve pesar por volta de meio quilo.
— Você pegou OURO e PRATA pra você, Acã???
— Er… Peguei, né? Tá tudo enterrado na minha barraca.
— Putz, aí fodeu. Fosse só a capa eu tentava dar um jeito, mas pegando ouro e prata você roubou o Javé, cara. Ele foi bem claro com isso: os metais preciosos deveriam ser levados para o Tabernáculo. Olha, eu não quero ser agourento não, mas acho que de hoje você não passa…
— PELAMORDEDEUS, SEU JOSUÉ!
— Bah, posso fazer nada. Mas antes vamos confirmar essa história direitinho. Ô! Vocês aí! Vão até a tenda do Acã e vejam se as coisas estão mesmo enterradas lá.
Os homens designados por Josué correram para a tenda do réu, e de fato encontraram a capa, o ouro e a prata enterrados lá. Então Josué e todo o povo de Israel — sempre doido por um linchamento — levaram Acã, sua família, seus animais e tudo o que ele possuía para um vale. Lá o povo apedrejou Acã e queimou sua família e seus bens, inclusive os objetos que ele pegara em Jericó. Feita a desgraceira, empilharam um monte de pedras sobre a família carbonizada. Uma maravilha, coisa linda de se ver! O lugar passou a se chamar Vale de Acor, que significa desgraça.
Olha, não sei quanto a vocês, mas eu se fosse israelita naquela época, com essa lei do cão imposta por Javé, trataria logo de pedir asilo político no primeiro país pelo qual passasse. De besta eu só tenho a cara.

4 comments

  1. Que deus filho da puta, esse aí! Toda essa coisa de Ouro e Prata e riquezas é mesmo o calcanhar de Aquiles das religiões. É o fato claro de que tudo não passa de invenção e papo pra boi (e fiel retardado) dormir.
    NOssa.. fazia tempo que não aparecia algo tão revoltante na história. Até a morte do Moisés foi aceitável.. mas essa foi foda…
    See Ya

  2. No próximo capítulo o Javê já autoriza o povo a pegar o gado e os despojos do povo de Ai.
    Sei não, mas acho que o Javê resolveu que é melhor deixar um pouco para o povo, senão o povo cisma de querer passar ele pra trás…

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