Antes que alguém estranhe: Sim, esta história tem narrador. Eu me ausento vez em quando, que é para não atrapalhar a fluidez dos diálogos. Mesmo porque fica bem claro quem está falando o quê: O prepotente e arrogante é deus, o folgado é Arão, o gago é Moisés. Mas o negócio é que às vezes eu tenho que interferir, devido a acontecimentos alheios à conversa entre os três. Como agora, por exemplo. Estavam lá os três conversando. Javé, como sempre, cagando suas regras:
— Olha só. Digam ao povo que eles devem trazer o melhor azeite para manter o candelabro aqui do Tabernáculo aceso. Você, Arão, vai acender o candelabro toda tarde, e vai mantê-lo aceso a noite toda.
— Medo do escuro, Javé? A consciência pesa quando chega a noite?
— Calaboca, Arão, que hoje eu não tô com saco pra agüentar impertinência de um velho folgado feito você. Humpf. Deixa ver aqui… Ah, tem os pão também.
— Os p-pães, Ja-Javé.
— Bah, que seje. Então. Os pão. Doze pão…
— PÃES!!!
— Tá, tá! Doze pães, pesando dois quilos cada, feitos da melhor farinha, serão colocados ali na mesa. Todo sábado o sacerdote colocará os pães arrumados em duas pilhas de seis, e queimará incenso sobre eles, que é pra todo mundo saber que os pão são dedicados a mim.
— Porra, Javé! OS PÃES!
— Cáspita, vocês pegam muito no pé com esse… Peraí. Cês tão ouvindo?
— O quê?
— Shhhhhhh… Confusão lá fora. Moisés, vai ver o que tá acontecendo.
Estão vendo? É aqui que eu entro.
Bom, Moisés foi ver o que estava acontecendo. E o lado de fora do Tabernáculo estava uma zona, um monte de gente discutindo. Uns gritos de “Pega!” daqui, “Lincha!” dali, “Capa!” dacolá. Ao verem Moisés se aproximar, no entanto, os ânimos foram se acalmando. Ninguém queria ouvir um sermão dele. Não que fosse especialmente severo: É que o cara levava horas para concluir uma frase.
— Q-que po-porra tá a-acontecendo a-a-a-aaaaa-a…
Aham
— Q-quem é A-Aham?
— Eu tava pigarreando, Seu Moisés.
— A-ah… Co-continue.
— Onde é que eu estava mesmo…?
— No p-pigarro.
— Ah, é. Aham… Seguinte, Seu Moisés: Esse cara aí, o filho da Dona Selomite, andou aprontando. Se meteu numa briga e no meio da refrega resolveu blasfemar contra o nome de deus.
— N-no m-meio d-do q-quê?
— Da refrega. Do arranca-rabo. Do pega-pra-capar. Do…
— T-tá, já e-entendi. M-mas como f-foi i-isso?
— Bom, eles tavam lá brigando. O outro cara falou alguma coisa sobre vir resolver a questão aqui no Tabernáculo, consultar a vontade de deus e tal. Aí ele respondeu um negócio lá…
— O q-quê?
— Ah, Seu Moisés. Não posso falar não.
— Fa-fala, r-rapaz. O q-que f-foi que e-ele d-disse?
— Hum… Ele disse… Er… Ele disse: “Que se foda Javé! Javé lambeu minhas bolas!”
— HAHAHAHAHA… Hum. Q-que b-blasfêmia! Vo-vou c-consultar Ja-Javé a r-repeito. Vi-vigiem o ca-cara aí.
Moisés então voltou para o Tabernáculo e contou a Javé (se esforçando para segurar o riso) o que havia acontecido.
— CUMEQUIÉ??? O CARA FALOU ISSO MESMO???
— F-foi o q-que me di-disseram…
— PUTA QUE PARIU! Que desgraçado! Mas é bom que isso aconteça, que aí a gente já bota as leis em prática. O que vocês acham que esse cara merece?
— …
— Cáspita, cês não prestam atenção mesmo, né? Não lembram que minha lei é na base do olho por olho, dente por dente? Então quem matar o animal de alguém, dará outro animal de mesmo valor. Se alguém ferir outra pessoa, será ferido exatamente da mesma maneira. Quem matar será morto. Entenderam agora?
— Hum… Então qual vai ser o castigo pra esse cara? Você vai lá falar “O filho da Selomite lambeu minhas bolas”?
— Claro que não, oras. Ele blasfemou. Vai morrer na base da pedrada.
— Mo-morrer??? M-mas e-ele n-não m-matou ni-ninguém!
— Não matou, Moisés, é verdade. Mas falou merda a meu respeito. E cê não tem idéia do quanto isso me deixa puto. Então cês vão fazer assim: Vão levar o cara pra fora do acampamento e apedrejá-lo.
— Porra, Javé, não foi você quem ficou puto? Então por que não vai você mesmo matar o cara?
— Eu, hein! E sujar minhas mãos com pouca merda? Na-na-ni-na-não: Vocês vão. E logo, que eu tô mandando.
Moisés e Arão ainda relutaram um pouco. Mas além de deus, a multidão enlouquecida também queria sangue. Quando os dois líderes anunciaram o apedrejamento, foi uma ovação geral. Levaram o cara pra fora do acampamento e o mataram bem morto.
Até onde eu me lembro, essa é a primeira execução (no sentido de castigo por alguma falta) perpetrada por seres humanos na Bíblia. Por outro lado, já perdi a conta do número de execuções levadas a cabo por deus…

Eu escrevi um post tempos atrás com o título “Pessoas que eu amo”. A boo gostou da idéia e começou a escrever posts com esse título. Que bom, porque esse negócio de “pessoas que eu amo” é coisa de viado. É por isso que lanço agora a série “Pessoas que eu gosto pra caralho”. Sem critérios, sem ordem nenhuma. Talvez ainda hoje saia o primeiro post da série. Aguardem.

O fale com deus foi mencionado no Blogs Favoritos do no mínimo. Foi o que bastou para os imbecis botarem as asinhas de morcego pra fora. Acusações de blasfêmia e heresia, ameaças com o fogo do inferno, o mesmo velho nhenhenhém que eu e deus conhecemos muito bem.
Imbecis, imbecis! Quando é que vocês vão aprender a pensar? É muito fácil repetir o discurso do Bispo Edir Macedo, do Apóstolo Estevam Hernandez, do Padre Marcelo Rossi. E enquanto vocês continuarem fazendo isso, serão apenas ridículos, como sempre foram. PENSEM! Não são cristãos? Então leiam a Bíblia com atenção, esqueçam o que o pastor disse. A idéia da Reforma Protestante era justamente essa, o livre exame da Bíblia. Mas parece que as igrejas neopentecostais resolveram, por conveniência, esquecer esse pequeno detalhe. E hoje o que vemos é um bando de ovelhinhas sem cérebro repetindo “Deus é fiel”, “Tá amarrado”, “Oh, Glória!”, sem mesmo saber do que estão falando.
Leiam a Bíblia, imbecis!

NÃO julgueis, para que não sejais julgados.
Porque com o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós.
E por que reparas tu no argueiro que está no olho do teu irmão, e não vês a trave que está no teu olho?
Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, estando uma trave no teu?
Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então cuidarás em tirar o argueiro do olho do teu irmão.

(Mateus 7:1-5)

Muitas outras passagens eu poderia citar. Mas não vou fazê-lo. Tomem isso como lição de casa. Leiam a Bíblia, e aprenderão que o Cristianismo é uma religião muito mais bela e suave do que aquela versão hardcore que os pastores, interessados em seu dinheiro e sua fidelidade canina, inventaram.
Sou ateu, como vocês bem sabem. Mas sou um ateu cristão, se é que isso é possível. A figura de Jesus Cristo exerce sobre mim um imenso fascínio. Ele é o cara. Leiam as coisas que ele disse, só isso importa.
E ao contrário de mim, deus tem fé. Como ele mesmo disse certa vez, “Esse deus de letra minúscula é a pequena parte de Deus que está em mim”. Respeitem o cara.

— Muito bem, muito bem. Chega de leis. Vamos falar de festas agora.
— Fe-festas?
— Sim, Moisés. Fe-festas. Vocês acham que meu negócio é só trabalho, trabalho? Claro que não! Todo mundo precisa se divertir também. Então anotem aí as festas. A primeira, que vocês já conhecem bem, é o sábado: No sétimo dia da semana vocês não vão trabalhar.
— E isso lá é festa, Javé?
— Claro que é! Ou você prefere trabalhar direto, sem nenhum dia de folga? Oras! Cala a boca e vai anotando. Bom, outra festa é a Páscoa, no dia catorze do primeiro mês. Pra comemorar a saída do Egito, aquele negócio todo. No dia seguinte começa a Festa dos Pães Ázimos.
— P-pães o q-quê???
— Pães Ázimos. Pães sem fermento, seu ignorante. Então. Essa festa dura sete dias, durante os quais vocês comerão pão sem fermento. No primeiro dia da festa ninguém trabalha: Vão todos se reunir para dizer que eu sou bom, que eu sou demais, que eu faço e aconteço, que eu domino, que eu sou lindo, tesão, bonito e gostosão. Nos outros dias o povo trará ofertas de alimento aqui pro Tabernáculo. E no último dia farão outra reunião para me puxarem o saco.
— T-tá. E a fe-festa, é q-quando?
— A festa é isso aí, oras!
— Co-comer p-pão m-murcho e fi-ficar be-beijando seu ra-rabo?
— Cê prefere que eu te mate agora pra você ir beijar o rabo do capeta?
— …
— Ah, bom. Vamos em frente. A Festa das Primícias. Quando vocês já estiverem estabelecidos em Canaã e fizerem a primeira colheita, levarão um feixe do trigo colhido ao sacerdote. Ele apresentará esse feixe a mim.
— Como assim? “Feixe de trigo, esse é o Javé. É uma divindade cruel e despótica. Javé, esse é o feixe de trigo. É um… Bom, um feixe de trigo”. É isso?
— Arão, como você é abusado! Cáspita! É só pra trazer o feixe de trigo aqui, em sinal de agradecimento pela colheita.
— A-agradecimento? Cê v-vai pe-pegar no a-arado c-com a ge-gente?
— Mané pegar no arado! Vê se eu sou deus de pegar em arado… Eu vou é tornar a terra fértil para vocês.
— Ah… C-como? Va-vai ca-carregar e-esterco pra ge-gente?
— Tá me achando com cara de rola-bosta, Moisés? Negócio seguinte: Se eu quiser, vocês não colhem é porra nenhuma naquela terra! Sem mim fica tudo seco por lá!
— Ué… O povo de Canaã tem boas colheitas todos os anos, e nem te conhecem.
— É que… É que a colheita do… Do… Olha, vamos em frente com o negócio das festas que é melhor. Então. No mesmo dia em que trouxerem o feixe de trigo, vocês vão me trazer um carneirinho de um ano para ser completamente queimado. E apresentarão como oferta de alimento dois quilos de farinha com azeite e um litro de vinho. Não comam derivados do trigo enquanto não apresentarem essa oferta.
— Ah! Então a gente trabalha, ara a terra, semeia, aduba, irriga, combate as pragas, faz a colheita e o bonitão aí é o primeiro a comer? Não é justo!
— Porra, cês não eram assim! Lá no Egito os dois me obedeciam, faziam as coisas do jeito que eu mandava. Agora é toda hora esse negócio de querer bater de frente comigo. Tô ficando mole… Melhor cês pararem com isso. Pra mim não custa nada acabar com a raça de vocês e pegar outros dois zés-manés para serem líderes do povo. Entenderam?
— …
— Muito bem. Próxima: Festa da Colheita.
— ÔBA!
— “Ôba”?
— É, ué. Ôba.
— Por que “oba”, Arão?
— Hum… Eu ouvi dizer que lá em Canaã os caras têm uma festa da colheita. Tem bebida e comida à vontade, orgias, jogos, uma beleza!
— Mas que maravilha, hein, Arão!
— Pois é!
— A gente bem que podia fazer um negócio parecido, né?
— É!!!
— É O CARALHO! Quantas vezes eu vou ter que dizer que não quero que vocês sejam iguais aos caras de Canaã? Porra!
— Então não vai ter comida e bebida?
— Não.
— Jogos, orgia?
— Claro que não!
— Porra, Javé! Pelo menos um bolinho! Brigadeiro, cajuzinho, beijinho, essas coisas. Custa nada!
— Custa minha reputação, oras. Nada disso! A festa vai ser assim: Cinqüenta dias depois da Festa das Primícias, vocês apresentarão outra oferta de cereais. Cada família vai trazer dois pães de dois quilos cada, feitos com a melhor farinha e com fermento. Junto com os pães, ofereçam sete carneirinhos de um ano, um bezerro e dois carneiros adultos. Esses animais serão completamente queimados, juntamente com as ofertas de alimento. Além disso, oferecerão um bode para tirar pecados e dois carneirinhos como oferta de paz. O sacerdote oferecerá esses dois carneirinhos junto com os pães como uma oferta especial. Essa é uma oferta sagrada que pertence aos sacerdotes.
— Bom, pelo menos nessa festa eu como alguma coisa…
— Calaboca. O importante é que nesse dia vocês também vão se reunir pra me lamberem as bolas. E vamos em frente. Festa do Ano Novo. O primeiro dia do sétimo mês é um dia sagrado, festejado com trombetas.
— Pelo menos essa tem música…
— Pois é. E, claro: Vocês vão se reunir para lembrar o quanto eu sou bom e maravilhoso e coisa e tal. Não vão trabalhar, e apresentarão ofertas de alimento. Aí no dia dez desse mesmo mês é o Dia do Perdão, sobre o qual já falamos. Alguma dúvida quanto ao Dia do Perdão?
— Ne-nenhuma.
— Muito bem, vamos em frente então. No dia quinze do sétimo mês começa a Festa das Barracas.
— Barracas? Vai ser tipo uma quermesse?
— Que quermesse o quê! Prestenção. Haverá uma reunião sagrada no primeiro dia, ninguém trabalha. Vocês vão colher frutas das melhores árvores, e ramos de palmeiras e galhos de árvores. Aí em cada um dos sete dias vocês apresentarão ofertas de alimento. E no oitavo dia se reunirão novamente, e dirão que eu sou o melhor, que eu detono, que eu sou foda.
— T-tá. M-mas por quê Fe-Festa das B-Barracas?
— Ah, é. Sabe os ramos de palmeiras e galhos de árvores que vocês colheram? Então, vocês vão montar cabanas com eles. Durante os sete dias da festa, todos os israelitas morarão em cabanas, que é para se lembrarem para sempre do tempo em que moraram em barracas no deserto, logo depois de saírem do Egito. Entenderam?
— Sim. Mas tem uma coisa, Javé. Essas festas aí…
— Que que tem as festas?
— Bom. Com todo respeito, viu? Essas festas não parecem muito alegres não. É só comer pão sem fermento, morar em cabana de pau, oferecer sacrifícios… Onde é que fica a parte da festa propriamente dita?
— Comigo, oras! Vou comer do bom e do melhor, tomar vinho, ser bajulado por todo mundo. Vai ser uma beleza!
— Filho da puta…
— Hehehe…