(Êxodo 31:12-18)
— Pronto, Moisés. Tava consultando meu banco de dados aqui e achei uns caras bons pra fazerem esse negócio todo. Cê conhece o Bezalel?
— Be-bezalel? Que Be-Bezalel?
— AQUELE QUE TE COMEU NO BANCO DO CORCEL! RÁ!
— N-não fo-fode, Ja-Javé…
— Porra, Moisés, o Bezalel! Filho do Uri, neto do Hur. O cara é da tribo de Judá. Cê conhece sim.
— Ah, co-conheço o U-Uri. N-nem sa-sabia que o fi-filho d-dele ch-chamava Be-Bezalel. A-agora j-já sei q-quem é.
— Então. O Bezalel é foda. Inteligente, competente, hábil em tudo que é trabalho artístico: Desenho, pintura, escultura, ourivesaria, marcenaria, artesanato, é tudo com ele. Muito bom mesmo. Então eu escolhi o Bezalel para construir o Tabernáculo e todas as coisas que eu te instruí.
— M-mas o ca-cara v-vai fa-fazer tudo so-sozinho?
— Claro que não, né? Ele vai coordenar o troço todo, orientar, ensinar, essas coisas. Tem outro cara que eu acho que seria um bom auxiliar direto pra ele, deixa eu ver aqui… Cê conhece o Aoliabe?
— Q-que A-Aoliabe?
— AQUELE QUE TE CO…
— Ca-caralho, Ja-Javé…
— Tá bom, tá bom. Nem ia conseguir achar uma rima pra Aoliabe mesmo… Ele é filho de um tal Aisamaque, da tribo de Dã. Eles dois vão ser os chefes da obra do Tabernáculo. Os trabalhadores estão nessa lista aqui, guarda bem. São os melhores artistas de Israel, que é para minha tenda ficar bem bonita. Eles vão fazer tudo exatamente como eu mandei, trabalhando com diligência. Mas tem uma coisa, presta bastante atenção! O sábado é dia de descanso. Quem trabalhar no sábado, morre.
— P-pô, mo-morrer p-por va-vagabundagem a-ainda v-vá lá, m-mas mo-morrer p-porque t-tá t-trabalhando?
— Moisés, Moisés… Cê não percebe mesmo nada desse negócio de rituais e tal. Os outros povos precisam ver que Israel é diferente. Só que não tem muito como diferenciar vocês dos outros. Se eu tivesse pensado nisso antes, em vez de fechar negócio com Abraão, teria escolhido algum japonês. Aí ia ser fácil: Quem tivesse olho puxado seria do meu povo, quem não tivesse, não seria. Mas só fui pensar nisso agora, tarde demais. O negócio é que os israelitas não têm nenhuma característica que os diferencie de outros povos. Bom, o tamanho do nariz talvez, mas isso é muito relativo. Então vou inventando coisas: Circuncisão, sábado, rituais religiosos. E o sábado é especialmente importante, por causa daquela historinha lá de eu ter criado o mundo em seis dias e descansado no sétimo. Entendeu agora?
— A-acho q-que sim.
— Pois muito bem, acho que é só. Pega aqui as duas tábuas de pedra onde estão os Dez Mandamentos. Desce lá, fala com o povo sobre o negócio todo que conversamos, começa a… Peraí, o celular. Alô! Ô, Gabriel, diz aí… Como é que é? Eles não fizeram isso! IMPOSSÍVEL! FILHOS DA PUTA!
— Q-que f-foi, Ja-Javé?
— Vai embora, Moisés, que o bicho tá pegando lá embaixo. Fodeu, Moisés, fodeu!

Delfim Netto deu uma entrevista à Folha de S. Paulo bem ao seu estilo: conciliador e com algumas piadinhas. Na entrevista, ele fala muito bem do PT e critica o governo Fernando Henrique por ter ido três vezes ao FMI. Se eu não tivesse nascido no longínquo ano de 1975, e não me lembrasse dos tempos do Delfim como Ministro da Fazenda, talvez eu não soubesse que grande parte da merda em que estamos foi cagada por ele (perdoem a metáfora grosseira e escatológica), e ele teria meu voto para a Câmara dos Deputados. Mas como eu lembro de todas essas coisas, não tenho outra alternativa a não ser mandar o Sr. Delfim Netto tomar no cu.

(Êxodo 30:17-38)
— Pronto, Moisés, achei. Olha aqui o que tava faltando. A pia.
— P-pia? V-vai ter la-lavabo no T-Tabernáculo?
— É, mais ou menos. É para o Arão e os filhos dele lavarem as mãos e os pés sempre que entrarem no Tabernáculo. Se os putos não se lavarem direitinho, mato todos. Não gosto de gente porca.
— Pu-puta e-exagero…
— Exagero? Cê não viu nada, espera só até a gente chegar no Levítico… Mas então, a pia vai ser de bronze, com uma base também de bronze e vai ficar entre o Tabernáculo e o altar dos sacrifícios. Anotou?
— A-anotei.
— Pois muito bem. Agora as receitas. Primeiro o azeite para ungir. Vocês vão fazer esse azeite com quinhentos siclos de…
— P-pára! N-nem vem c-com e-esse ne-negócio de s-siclos, Ja-Javé. N-não complica.
— Ai meu saco… Peraí. Pronto. 5,7 quilos de mirra pura, 2,8 quilos de canela aromática, 2,8 quilos de cálamo aromático…
— Ô-opa! Ca-canhâmo? T-tá fi-ficando b-bom o ne-negócio…
— Cânhamo o cacete, Moisés! CÁLAMO! Porra. Vamos em frente, vê se não me interrompe com bobagens. Onde eu estava? Hum. 5,7 quilos de cássia e 6 litros de azeite de oliva. Cê vai achar aí no meio do povo um perfumista decente para juntar os ingredientes e fazer o azeite direitinho.
— E p-pra que e-esse a-azeite, Ja-Javé? C-cansou de t-tanto s-sangue e a-agora v-vai co-começar a co-comer sa-saladinha?
— Que saladinha u’a sanfona! Como você é burro! Não falei que esse azeite é para ungir? Então! Com esse azeite vocês vão ungir a parafernália toda: a arca, a mesa com todos os utensílios, o candelabro, o altar do incenso, o altar do holocausto, a pia. Isso aí será um ritual para consagrar essas coisas todas. Fora as tranqueiras, Arão e seus filhos também serão ungidos com esse azeite, do jeito que eu expliquei. E tem um detalhe: O Azeite Para Ungir de Javé® é exclusividade da Javé Corporation! Qualquer um que fizer azeite com essa receita para uso fora do Tabernáculo sofrerá processo, pagará indenização e será banido de Israel. Entendido?
— S-sim.
— Beleza. E aí tem outro produto da Javé Corporation, o Incenso Sagrado de Javé®. Espera aí, deixa eu achar a receita aqui.
— C-cê tá p-prendado, he-hein, Ja-Javé?
— Pois é, rapaz. Peguei essas receitas no programa da Ana Maria Braga. Aliás, tem outra, ensinando como fazer sachê. Depois eu te passo, menino, aí você pode colocar dentro da arca para não embolorar as tábuas dos Dez Mandamentos e… Caralho, que que eu tô falando??? Tira esse sorrisinho idiota da cara e anota aí a receita pro Incenso Sagrado de Javé®. Será feito com especiarias aromáticas: benjoim, ônica, resina medicinal e incenso puro. O mesmo perfumista encarregado da fórmula do Azeite Para Ungir de Javé® produzirá o Incenso Sagrado de Javé®, que será colocado em frente à arca. Quem produzir incenso com a mesma receita do Incenso Sagrado de Javé® sofrerá as penas já mencionadas: processo, indenização e expulsão. Aanotou tudo aí?
— A-anotei.
— Então assina aqui. Pronto, tudo certo. Só tem uma coisinha… Esse negócio de deixar você escolher os caras que trabalharão na construção do Tabernáculo e na decoração toda, sei não, acho que não vai dar certo…
— Po-porra, Ja-Javé, n-não co-confia em m-mim.
— Confio, Moisés, confio. Só que tem que você é meio burrinho, sabe? Acho que vou eu mesmo escolher esses caras, peraí.