Gostei muito de Sinais. Gostei mesmo. Mas não me empolguei. Ando meio exigente para filmes depois de ter visto Cidade de Deus. Isso já aconteceu outras vezes, depois de assistir Matrix, Clube da Luta, Um Plano Simples, A Trapaça. Mas dessa vez tá demorando pra passar. Acho que serei incapaz de gostar mesmo de qualquer filme nos próximos meses.
Hein? Você ainda não viu Cidade de Deus? Ah, deixa de ser cabaço!

— E a-aí, le-leitores d-do J-Jesus, m-m-mmmmmmmmmm…
— Moisés, que porra cê tá fazendo aqui?
— O-oi, A-A-Arão. D-dei u-um je-jeito de e-escapulir l-lá d-de ci-cima. J-Javé t-tá do-doido.
— Que ele é doido a gente já sabia. O que ele fez agora?
— E-ele t-tá pe-pensando q-que o-ouro d-dá em a-árvore, t-tudo q-que e-ele pe-pede t-tem q-que s-s-ser de o-ouro.
— Bom, mesmo que ouro desse em árvore: No meio do deserto, a gente tava fodido do mesmo jeito. Mas pra que ele tanto quer ouro?
— Ah, e-ele q-quer q-que a g-gente co-construa um lu-lugar de a-a-adoração pra e-ele. E c-com tu-tudo de o-ouro: u-uma a-arca, a ta-tampa da a-arca, u-uma mesa, co-copos, ja-jarras, co-colheres, o ca-caralho a q-quatro. O-olha a-aqui mi-minhas a-anotações, v-vê q-que a-absurdo.
— Tô vendo, Moisés, tô vendo. O cara endoidou mesmo.
— P-pois é. E o-olha o t-tal do ca-candelabro. I-isso aí f-foi a go-gota d’d’d’água, n-nem fo-fodendo que v-vai d-dar p-pra fa-fazer um ne-negócio a-assim, ch-cheio d-d-de…
Moisés!
— Fo-fodeu…
O curso ainda não acabou, Moisés, que porra cê tá fazendo aí em baixo? Pode subir, seu velho sem-vergonha, ainda temos muito o que conversar.
— M-mas Ja-Javé…
Calaboca e sobe logo, porra!
— A-Arão, v-vou t-ter que su-subir. Fi-fica aí c-com as a-anotações, a ge-gente t-tem que d-dar um je-jeito. T-tô i-indo ne-nessa.
— Falô, Moisés, boa sorte. Muito bem, olá, leitores do Jesus, me chicoteia!. Eu sou Arão, irmão e assessor de imprensa do Moisés, que vocês conhecem muito bem. Se Javé tivesse todos os parafusos devidamente apertados em sua divina cachola, eu é que estaria lá falando com ele, não meu irmão gago e meio burro. Mas fazer o quê, o mundo é assim. Quero dizer que é um prazer e um privilégio dirigir-me a vocês sem o intermédio do autor, aquele agnóstico ateísta acéfalo. Quero aproveitar, então, essa oportunidade para contar-lhes minha vida, já que a Bíblia dá tantos pormenores a respeito da biografia de Moisés e quase nada fala a meu respeito. Pois bem, nasci no Egito em… Peraí, peraí. Só agora reparei nas anotações do meu irmão. Cáspita, esse candelabro é absurdo! O cara quer que a gente faça um candelabro de ouro puro. Todo ele: O pedestal, a haste, os cálices. E os cálices vão ter forma de amêndoas, com botões e flores, tudo feito de ouro. Serão seis hastes com três cálices cada, mais o pedestal do candelabro, com quatro cálices. Porra, que complicação! E essa putaria toda de botões, flores, cálices, hastes, tem que ser tudo uma peça só de ouro batido. Fora isso, sete lamparinas para botar no candelabro, com todos os acessórios também feitos de ouro. Porra, quanto ouro será que a gente vai precisar pra fazer um troço desses? Peraí, tá anotado aqui no verso… Ah, um talento só. Um talento dá… TRINTA E QUATRO QUILOS DE OURO! Puta que pariu. Javé tá maluco. Nem a pau que vamos fazer isso aí. Precisamos dar um jeito de contornar essa situação, assim não pode, assim não dá.

Fui assistir Sinais, do M. Night Shyamalan. “Ah, mas tem o Mel Gibson, o Joaquin Phoenix, porra!”. Não importa: O cara faz filmes em que o menos importante é o elenco. Só esse indiano consegue fazer o público ter medo de uma porta, de um copo, de uma laranja, apenas pela forma como utiliza as câmeras, botando em primeiro plano o que teoricamente deveria estar lá no fundo da cena, ou nem aparecer.

Sinais, assim como Sexto Sentido e Corpo Fechado, traz como tema central a fé. Neste filme, o personagem principal é um reverendo que abandonou a batina após a morte da esposa. E aí entram os círculos nas plantações e os ETs. Sinais tem uma boa dose de humor, talvez para compensar os sustos de fazer o coração rodopiar no peito. Assistam, é uma merda falar sobre filmes, eu sempre acabo contando o final.

* * *

Certas cenas do filme têm um significado muito forte para mim. Uma é quando o personagem de Mel Gibson, reagindo com agressividade à sugestão do filho de rezarem antes de jantar, diz que não vai desperdiçar nem mais um minuto de sua vida com orações. Mais tarde, frente a uma possibilidade de tragédia, ele repete “Eu o odeio” várias vezes, claramente dirigindo-se a deus. Muito foda, como são universais certas coisas que achamos tão particulares.

E fica assim: Se acontecer comigo o que acontece ao Mel Gibson no filme, eu não só volto a acreditar em deus, como ainda viro pastor.