Hoje em dia quando alguém quer te fazer jurar alguma coisa, só diz “Jura?”. Aí você responde “Juro” e a pessoa se dá por satisfeita. Mas nos tempos de Abraão não era assim, como veremos agora.
Abraão já era bem velho. Quando Sara morreu, o patriarca contava 137 anos de vida. Sabendo que ia morrer e Isaque não arrumava mulher de jeito nenhum, e preocupado com a possibilidade de o filho estar indo pelo mesmo caminho cor-de-rosa trilhado por seu sobrinho Lot, Abraão tratou de acelerar as coisas: Chamou seu servo mais antigo, o que administrava tudo o que tinha e disse a ele:
— Põe a mão debaixo da minha coxa para me fazer um juramento.
Coisa mais esquisita essa fórmula de juramento, né não? Bom, tentem entender, Abraão estava viúvo, sozinho, melancólico. Precisava de um pouco de calor humano e foi buscar isso com seu servo mais fiel. Ah, vai, todo mundo está sujeito a uma escorregada… Mas vamos ao juramento:
— Jura por deus que você não vai arrumar mulher pro meu filho aqui na terra dos cananeus, mas irá até minha terra pra trazer pra ele uma namorada que seja da minha família.
O servo, que era bastante prático, levantou logo uma objeção:
— E se a mulher não quiser vir comigo? Vou ter que fazer o Isaque ir lá pra sua terra pra se casar? Trabalheira da porra…
— Não, de jeito nenhum! Deus me tirou de lá há tantos anos, e a terra que ele me prometeu é esta aqui. Vai pra lá, e que deus te ajude nessa empreitada. Mas se a mulher for ranheta mesmo e não quiser vir, paciência, você fica livre do juramento, só não faça Isaque ir pra lá.
Então o servo colocou a mão sob a coxa de Abraão (que coisa!) para fazer o juramento solene. E foi logo tratando da viagem: pegou dez camelos e foi pra Mesopotâmia (Síria), para a cidade onde morava Naor, irmão de Abraão. Chegando perto da cidade, fez os camelos se ajoelharem perto de um poço aonde as moças da cidade iam à tarde para fazer fofoca, trocar dicas de beleza e, claro, tirar água. Pô, o cara era um administrador de fazenda, e não tinha o mínimo dom para alcoviteiro. Então resolveu apostar na sorte mesmo:
— Ô, deus do meu chefe Abraão! Faz assim: quando as moças começarem a chegar eu vou começar a pedir a elas que me dêem um gole d’água. A primeira que me der água e também se oferecer para tirar água para dar de beber aos camelos, essa será mulher do Isaque, beleza?
Bom, era um critério como outro qualquer. O servo ficou em pé perto do poço e pôs-se à espera da caravana de donzelas.
E deus, lá de cima, pensou que esse negócio de arrumar casamento pras pessoas até que daria um bom programa de televisão. Mas pensou melhor, virou para o outro lado e voltou a dormir.

Antes de contar mais essa história triste, temos um trecho falando que Abraão recebeu notícias de casa. Naor, seu irmão, tivera oito filhos com Milca: Uz, Buz, Quemuel, Quésede, Hazo, Pildas, Jidlafe e Betuel. Além desses, Naor ainda tivera quatro filhos com sua concubina Reumá: Teba, Gaão, Taás e Maaca. Qual a relevância disso pra nossa história? Bom, primeiro várias sugestões de nomes para os filhos de meus leitores. Imagina que chique, ter gêmeos e chamá-los de Uz e Buz. Dá até uma dupla sertaneja. Mas o importante mesmo é que Betuel teve uma filha chamada Rebeca. Além de ser a única em toda essa família a ter um nome normal, ela ainda desempenhará importante papel em nossa história. Aguardem.

* * *

Mas é isso, Sara, nossa velhinha encrenqueira, morreu aos 127 anos de idade. Confessem que vocês já estavam criando uma certa simpatia por ela. Ela morreu em Quiriate-Arba e veio Abraão chorar por ela. Reparem nisso, o cara veio. Vejam que aquele negócio do sacrifício de Isaque pode ter sido mais sério ainda, causando a separação dos pais.
Depois de chorar a morte de Sara, Abraão foi falar com o povo de Hete (que era onde ficava Quiriate-Arba) para arranjar sepultura para a morta. E a cena que se segue mostra bem a característica do negociante oriental, cheio de cerimônias:
— Olha, povo de Hete, vocês sabem que eu sou estrangeiro e tal e coisa. O negócio é que morreu minha velha, que ficou a vida inteira comigo, e estou procurando um lugar para sepultá-la.
E o representante deles respondeu:
— Abraão, você é um princípe de deus aqui pra gente. Escolhe a sepultura que você quiser entre as nossas, e será nosso presente.
E Abraão se reclinou em respeito a eles e disse:
— Já que é assim, falem com Efrom, filho de Zoar. Ele é o dono da cova de Macpela; falem com ele para que ele me venda a sepultura pelo preço justo.
O tal Efrom estava no meio dos caras e se manifestou:
— Queisso, Abraão? Você é gente boa, e sua finada esposa também era, todo mundo gostava dela. Eu te dou a cova e o campo onde ela está de presente, deixa de viadagem. Tá todo mundo aqui de testemunha.
— Ah, Efrom, eu agradeço muito — respondeu Abraão, reclinando-se novamente —, mas faço questão. Me fala o seu preço, eu compro o campo e a sepultura.
— Pára com isso, Abraão! — Agora vem a malandragem — O valor dessa tera é de quatrocentos siclos de prata, uma ninharia, o que é isso diante da nossa amizade?
Abraão entendeu o recado: Pesou a quantidade de prata estipulada e pagou a Efrom. E sepultou Sara na cova de Macpela.